O receio de que a crise econômica e a frágil situação financeira dos Estados provoquem paralisações generalizadas país afora levou o governo Michel Temer a apressar a regulamentação de uma lei de greve no serviço público. O objetivo é aproveitar a comoção nacional causada pela onda de violência registrada após o movimento de paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo para tirar da gaveta uma proposta do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Apresentado em 2011, o texto obriga os sindicatos a manter no trabalho pelo menos 60% dos servidores de atividades essenciais — o índice sobe para 80% quando a mobilização atingir a segurança pública. O anúncio partiu do próprio Temer, durante pronunciamento à imprensa no dia 13. Na ocasião, ele tentou desvincular a intenção dos episódios ocorridos no Espírito Santo.
No Planalto, é voz corrente que a mobilização dos policiais militares pode influenciar ações semelhantes em outros Estados, a exemplo do que já vem ocorrendo no Rio de Janeiro. Embora a greve de PMs seja proibida pela Constituição, nos últimos anos já houve paralisações no Rio, na Bahia, em Minas Gerais, no Ceará, em Pernambuco, no Rio Grande do Norte, em Alagoas e no Rio Grande do Sul. Não há, contudo, lei específica para a greve no serviço público. Em geral, a Justiça do Trabalho arbitra os conflitos com base na Lei 7.783/89, que regulamenta paralisações no setor privado.
A ideia inicial do governo era remeter um projeto próprio ao Congresso. Como o Planalto tem pressa e a Constituição não permite edição de medida provisória para legislar sobre o assunto, Temer decidiu pegar carona na proposta de Aloysio, em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. No projeto, o tucano estabelece que uma greve só pode ser deflagrada após prazo mínimo de 30 dias de negociação com o poder público e nos casos em que as reivindicações não sejam atendidas, inclusive após tentativa de acordo mediado pelo Judiciário. Ainda assim, 50% da força de trabalho deverá ser mantida.
Na mesma segunda-feira em que Temer anunciou o patrocínio do governo às ideias do tucano, a Casa Civil enviou ao senador ofício de três páginas nas quais lista 31 sugestões a serem incorporadas ao texto original. Entre as medidas apresentadas pelo Planalto, estão a contratação de empresas terceirizadas para manter a continuidade dos serviços e a responsabilização administrativa, cível e criminal dos grevistas que impeçam o ingresso de colegas ou usuários às repartições públicas.
Planalto quer votação urgente no plenário
Além da adesão de Aloysio às iniciativas, o presidente deseja aproveitar a nova composição da CCJ para fazer o projeto andar. A primeira investida cogitada foi retirar o texto das mãos do atual relator, Paulo Paim (PT-RS). Notório opositor das medidas, o petista foi designado relator da matéria em junho do ano passado e, desde então, vem segurando a tramitação. Antes, Paim já havia relatado o mesmo projeto na Comissão de Direitos Humanos, na qual apresentou parecer desfavorável:
— Meu relatório está pronto e vai ser praticamente o mesmo. É pela rejeição. O texto do senador Aloysio não assegura o direito de greve. Pelo contrário, praticamente proíbe as greves.
Como tem maioria na CCJ, o governo pensou em repassar o tema para Romero Jucá (PMDB-RR), aliado de Temer e um dos parlamentares com maior poder de persuasão. Agora, a ideia é pedir urgência na tramitação do projeto, o que o remete automaticamente à votação no plenário da Casa.
Em reação à investida governista, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) irá mobilizar seus principais dirigentes para pressionar os senadores. De acordo com o secretário-geral da entidade, Sérgio Nobre, a intenção é exigir mudanças no projeto e também protestar contra as reformas trabalhista e da Previdência.
— É uma lei para proibir as pessoas de reivindicar. O que assegura a paz social são os acordos, e não está havendo diálogo, negociação, nada. Estamos diante de um desmonte total dos direitos do trabalhador, é um retorno à época pré-revolução industrial — critica Nobre.
Para Aloysio, o texto assegura o direito de a sociedade contar com os serviços mesmo em caso de paralisação dos servidores. O senador sustenta ainda que há mecanismos para permitir ampla negociação.
— É uma lei para se evitar a greve, ao garantir que haja várias formas de se chegar a um acordo. E a exigência de manutenção de 50% dos serviços serve para não prejudicar o cidadão comum — argumenta o tucano.
COMPARATIVO
O que diz a legislação atual:
– Não há lei específica regulamentando a greve no setor público. Em geral, conflitos são arbitrados com base na Lei 7.783/89, que regula paralisações na iniciativa privada.
– A entidade patronal deve ser comunicada dois dias antes da paralisação. Nas atividades essenciais, o aviso prévio é de três dias.
– Não há índice mínimo de trabalho para as atividades essenciais. A lei prevê apenas “prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.
– Como “necessidades inadiáveis”, a lei especifica aquelas que “coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
O que prevê o projeto do Senado:
– O poder público terá 30 dias para apresentar proposta. Só em caso de recusa às reivindicações poderá ser deflagrada greve.
– Quinze dias antes do início da greve, deverá ser comprovado o fracasso da negociação coletiva e de solução dos conflitos.
– Serviços essenciais terão de manter em atividade 60% da força de trabalho — na segurança pública, o índice sobe para 80%.
– Nos serviços não essenciais, metade dos servidores deverá permanecer trabalhando.
– A deflagração de greve implica suspensão imediata do pagamento dos dias não trabalhados. Se houver acordo prévio, pagamento será limitado a 30%.
O que sugere o governo federal:
– Responsabilização administrativa, cível e criminal para quem coagir colega a participar de greve.
– Desconto dos dias parados, exceto nos casos em que a greve for motivada por atraso no pagamento de salários.
– Permissão de greve apenas a servidores públicos efetivos (quem estiver em estágio probatório, por exemplo, não pode aderir).
– Contratação de empresas terceirizadas para suprir atividades afetadas pelas paralisações.
– Perda de cargo ou função comissionada ao servidor grevista.
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QUAIS SÃO AS ATIVIDADES ESSENCIAIS HOJE
– Tratamento e abastecimento de água
– Produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis
– Assistência médica e hospitalar
– Distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos
– Serviços funerários
– Transporte coletivo
– Captação e tratamento de esgoto e lixo
– Telecomunicações
– Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares
– Processamento de dados ligados a serviços essenciais
– Controle de tráfego aéreo
– Compensação bancária
O que é retirado no novo projeto:
– Compensação bancária
– Distribuição e comercialização de alimentos
O que é acrescentado no novo projeto:
– Assistência ambulatorial
– Serviços de distribuição de medicamentos de uso continuado pelo SUS
– Serviços vinculados ao pagamento de benefícios previdenciários
– Vigilância sanitária
– Atividades de necropsia, liberação de cadáver, exame de corpo de delito
– Segurança pública
– Defesa civil
– Serviços judiciários e do Ministério Público
– Defensoria Pública
– Defesa judicial de União, Estados, Distrito Federal e municípios, bem como suas autarquias e fundações
– Atividade de arrecadação e fiscalização de tributos e contribuições sociais
– Serviço diplomático
-Serviços vinculados ao processo legislativo
Fonte: Zero Hora