Um ato à favor da autonomia universitária e contra o abuso de poder foi realizado nesta segunda-feira, 27 de novembro, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Diante dos fatos que ocorreram, há mais de três meses, que levaram à prisão – no dia 14 de setembro – e à morte – no dia 2 de outubro – do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a instituição busca formas de se posicionar perante à sua comunidade e à sociedade, no sentido de não aceitar, pura e simplesmente, os excessos cometidos pelas autoridades policiais e pela apuração e responsabilização civil e criminal dos agentes envolvidos na crise que se instalou, desde então, na Universidade.
Com o apoio da Reitoria e com o aval do Conselho Universitário (CUn), o Auditório Garapuvu, do Centro de Cultura e Eventos, estava repleto para a Aula Pública “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária”. No início foi exibido o documentário “Em Nome da Inocência: Justiça”, um resumo dos fatos e da atuação do judiciário e da imprensa no caso do professor Cancellier. E à disposição no evento, o livro com o mesmo nome, organizado pelo ex-deputado Jailson Lima, pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade e pelo professor da Universidade de Caxias do Sul Sergio Graziano.
Na mesa, o reitor pro tempore Ubaldo Cesar Balthazar, o senador Roberto Requião – que deu nome à Lei Cancellier contra abuso de autoridade –, o procurador-geral de Santa Catarina João dos Passos Martins Neto, o educador popular e ativista de Direitos Humanos Vilson Groh, a médica e representante do Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça Thaís Lippel e o deputado federal Pedro Uczai, além de entidades e personalidades que incorporaram uma longa lista citada na ocasião.
O reitor Ubaldo iniciou as falas e julgou apropriada a realização do evento, já que este acontecimento perdurará por muitos e muitos anos na UFSC, pois a sua história está sendo construída em torno de uma tragédia. “Estou aqui nesta condição por um conjunto de fatalidades e devemos tirar o ensinamento do que deve e o que não deve ser feito”, enfatizou.
Na sequência, o espaço foi aberto para o procurador do Estado. “Minha vinculação com o episodio decorre de uma nota de pesar emitida naquele dia fatídico”. O também professor de Direito Constitucional do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da UFSC, disciplina que trata dos direitos e das garantias fundamentais, sobretudo o artigo 5º da Constituição Federal, abordou a súmula da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fazendo referência às inúmeras injustiças cometidas contra Cancellier. “A tragédia de um homem bomd+ os direitos para ele não funcionaram , a injustiça, a prepotência prevaleceram”. “Senador Requião estaremos com o senhor contra o abuso de autoridade!”, afirmou.
Uczai, político catarinense, apontou os muitos abusos de autoridade sofridos por Cancellier e o pior e em jogo, neste momento, o da própria universidade pública. Bastante aplaudido antes mesmo de terminar sua fala, conclamou pela defesa da universidade gratuita e de qualidade, impedindo o avanço das privatizações e da Reforma da Previdência. E destacou seu apoio à causa. “E a este grande senador que incorporou a morte do professor Cancellier como questão central para mudança da legislação brasileira que trata do abuso de autoridade. Um outro Brasil é possível e necessário”.
A médica Thaís trouxe ao público o trabalho do Coletivo Memória e Verdade, os dados de prisões e assassinatos em Santa Catarina na época da Ditadura Militar. E quando fez menção à pessoa de Cancellier, ficou bastante emocionada. “Até hoje a Polícia Federal não apresentou os motivos que levaram a sua prisão. Queremos justiça!”. No próximo dia 6 de dezembro, o Governo Federal irá votar a Reforma da Previdência e, aproveitou para convocar a todos para que, um dia antes (5/12), o Brasil pare contra esta e a Reforma Trabalhista.
O padre Vilson Groh cumprimentou a todos, de modo particular o filho de Cancellier, cujo nome representa uma perspectiva socialista, de que a humanidade é direito de todos. “156 jovens foram assassinados de janeiro até hoje, 60 em conflito com a polícia. Pediu um minuto de silêncio por Cancellier e pelas 60 mil pessoas assassinadas no ano passado no Brasil. Falou da juventude oprimida, da realidade das periferias e da necessidade de romper o estado de exceção e para isto, a universidade tem um grande papel transformador da sociedade.
O convidado especial, o senador Requião, foi o último a discursar e o mais aguardado pela plateia. “Nós temos que mostrar com esta tragédia, que se transforma em um exemplo de resistência na universidade de Santa Catarina, que atingiu o reitor Cancellier, a boçalidade, o ridículo, o absurdo e o excesso de autoridade no Brasil”. Reiterou o que já havia dito no Congresso Nacional, na sessão em desagravo ao reitor, no dia 31 de outubro, e manifestou sua estupefação em face a nota conjunta de entidades representativas de juízes, procuradores, policiais federais, auditores, em defesa da operação que levou o reitor à morte. O texto fala em “aproveitar-se de uma tragédia para fins políticos”. “Meu Deus! quanta arrogância, quanta insensibilidade numa só frase”, exclamou o senador. Também o indignou a afirmação de que não houve eventuais excessos na prisão. “Para os deuses do Olimpo, não houve exagero na mobilização de 105 policiais e meia dúzia de delegados, dezenas de carros, helicópteros, armamentos e, é claro, as câmeras e os flashes da mídia. Se isto não é exagero o que seria expressivo para as nossas autoridades públicas, as algemas nas mãos e nas pernas, o desnudamento e a vexaminosa revista íntima, a cela, o isolamento, o deboche, não! porque os critérios para a prisão, dizem os agentes públicos, foram controlados, ousaram dizer e repetir isso na mídia”.
E continuou “o abuso, a overdose então seria um cadáver, não! nem isso! os infelizes que assinam a nota não levam em conta a existência de um cadáver, porque para eles não há o corpo, eles anulam a própria morte e só enxergam uma tragédia para a exploração política da Universidade e dos democratas de Santa Catarina e do Brasil. Para eles a morte nada mais foi que um meio escolhido para falsear a verdade. Negado seu direito à vida, negam seu direito à morte e a reparação da honra pelo próprio sangue”. E para justificar o espetáculo policial midiático, esclareceram timidamente e tardiamente que o desvio não era de 80 milhões e nem estava relacionado à gestão de Cancellier.
Para Requião “é preciso que professores e alunos, a chamada academia, ao grupo de brasileiros que ascendem ao ensino superior, especialmente nas instituições públicas, é preciso que não só resistam, mais que liderem a resistência antifascista (…) mostrando que o aconteceu com Cancellier, que nos revolta a alma, acontece todos os dias com a maioria dos brasileiros pobres”.
O espaço final foi aberto às manifestações das entidades.
Fonte: Agecom/UFSC
Publicado em 28/12/2017 às 11h13