A defesa da autonomia universitária marcou o debate promovido, na quarta-feira (21), no campus Pampulha, pela Andifes, a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior. Reitores e ex-reitores trataram o tema sob os pontos de vista histórico, filosófico e da gestão cotidiana.
A propósito mesmo da autonomia, o reitor da Universidade Federal do Pará e presidente da Andifes, Emmanuel Tourinho, destacou, na abertura do seminário, que a UFMG valorizou esse princípio ao reagir com altivez no episódio da condução coercitiva de seus dirigentes pela Polícia Federal, por supostas irregularidades relacionadas ao Memorial da Anistia.
“A realização desse evento aqui na UFMG é uma forma de desagravo, e pela mesma razão os reitores comparecerão à cerimônia desta noite”, disse Tourinho, referindo-se à solenidade transmissão de cargo para Sandra Goulart Almeida como reitora da UFMG.
A reitora empossada no dia 20 de março, em Brasília, agradeceu à Andifes e aos reitores pela solidariedade com respeito ao momento delicado vivido naquela ocasião pela Universidade. “Temos defendido os valores democráticos e o estado de Direito, e hoje recebemos a Andifes para discutir uma temática que nos é muito cara: a autonomia universitária e a liberdade acadêmica”, afirmou.
“Lócus de interferência”
“Autonomia e universidade não existem uma sem a outra”, afirmou, para iniciar sua exposição, a professora Angela Maria Paiva Cruz, reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ela lembrou que a luta pela autonomia é milenar e que as universidades, dedicadas por natureza ao livre pensar, são por isso mesmo o “lócus de interferência por parte dos governos, mesmo nas democracias”.
De acordo com a reitora, as universidades brasileiras têm sofrido restrições como a impossibilidade de gerir suas folhas de pagamento, de fazer o controle interno e de se defender legalmente, já que a Procuradoria Jurídica passou a ser subordinada a Advocacia Geral da União. “A solução é transformar as universidades federais em um novo ente jurídico, já que elas são diferentes em sua complexidade e nos desafios que enfrentam”, afirmou.
“Temos proposto a formalização de um sistema de universidades públicas federais que dialogue com os ministérios”, disse Angela Cruz, acrescentando que a luta pela autonomia, garantida pela Constituição de 1988, deve ser permanente.
Estabilidade ameaçada
Após revisitar brevemente a evolução da universidade no mundo e no Brasil, Clélio Campolina, reitor da UFMG na gestão 2010-2014, ressaltou que as universidades federais são parte do Estado nacional – não devem ser subordinadas, mas não são absolutamente autônomas. “Vivemos momentos mais fáceis e outros ruins, como o atual. As instituições têm relativa estabilidade, mas podem ser prejudicadas, se persiste uma situação desfavorável”, afirmou Campolina.
Ao criticar os cortes orçamentários lineares em educação e em ciência, tecnologia e inovação, Campolina ressaltou que investimentos geram recursos para seu próprio financiamento. “As universidades precisam de autonomia de gestão, para fazer o que é possível, guiada sempre pelo ideal de projeto de nação.”
Clélio Campolina defendeu maior liberdade para que os professores se dediquem à prática profissional, como forma de aumentar sua capacidade de ensinar, e o incentivo à titulação dos servidores técnico-administrativos que atenda às necessidades da instituição. Para ele, não é o caso de as universidades entregarem seus laboratórios, mas é fundamental “construir pontes com o setor produtivo”.
“Como centros geradores e transmissores de conhecimento, as universidades devem ser espaços de debate crítico e livre. Devem ser apartidárias, preservando-se a liberdade individual de seus professores, servidores e alunos. E devem defender o princípio de que ciência e tecnologia são feitas para servir à humanidade, e não o contrário”, finalizou Campolina.
Protagonistas, todos
Produzir conhecimento envolve crítica ao estabelecido, e isso tem dimensão política. E como a produção de conhecimento só se faz com radicalidade em ambiente de liberdade, a universidade precisa de autonomia. A tese foi defendida pelo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, que acrescentou a necessidade de proteção constitucional e garantias como a estabilidade dos professores.
Ele mencionou princípios que guiaram a criação da Universidade de Berlim e defendeu que a convivência com a produção de conhecimento deve se dar de forma ativa e que todos os integrantes da comunidade universitária sejam protagonistas. “A universidade é o lugar da unidade do diverso. Ou seja, deve se assegurar a diversidade teórica, epistemológica, mas em trono de um ethos acadêmico que possibilita o pleno desenvolvimento da ciência, da cultura e da arte”, afirmou Leher.
O reitor da UFRJ lembrou que um dos fundamentos do processo sócio-histórico e político brasileiro é a autocracia, e “a universidade é, por suposto, hostil”. “A ditadura foi modernizante – desenvolveu a pós-graduação, por exemplo – , mas ao preço da instituição da heteronomia das universidades. Elas deixaram de ser o lócus de problematização dos grandes temas”, disse Leher.
Ele propôs reflexão sobre a autonomia financeira, ressaltando que o planejamento das universidades deve ser plurianual e “não pode estar sujeito aos humores governamentais”. “O contexto atual pede que resgatemos os fundamentos conceituais da autonomia, que tem grande força simbólica para a produção de conhecimento”, completou.
Valor intrínseco
Última expositora do seminário, Wrana Panizzi, ex-reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, comentou que a autonomia universitária é um assunto recorrente, mas que “é preciso mesmo repetir, porque ela tem que ser construída permanentemente”. Wrana Panizzi destacou que a autonomia é valor intrínseco, mais que parte do arcabouço para determinar atuação das universidades.
Para ela, a autonomia, no Brasil, é como uma moeda, que ora tem lastro, ora não tem – varia dependendo do que se considera importante em momentos distintos. Para se autogovernarem, salientou Wrana Panizzi, as universidades devem lutar contra obstáculos representados por diferentes políticas e críticas da sociedade e de organismos públicos e privados.
“Para fortalecer nossa autonomia, devemos olhar para dentro e pensar que universidade queremos e como vamos exercer nosso papel singular no conjunto da administração. As questões devem ser levadas para o interior das nossas instituições. As mudanças serão feitas de dentro para fora”, afirmou a ex-reitora da UFRGS.
O seminário contou com a presença dos ex-reitores da UFMG Tomaz Mota Santos e Francisco César de Sá Barreto, da deputada federal Margarida Salomão, ex-reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora, e de lideranças sindicais. O evento foi marcado por homenagem ao professor Murílio Hingel, ex-ministro da Educação (1992-1995), que proferiu palestra sobre as relações entre educação e soberania.
Fonte: UFMG