A comunidade científica tem reagido à decisão do governo federal de cortar recursos destinados a programas de pesquisa e tecnologia, anunciada na semana passada, como ação necessária para equilibrar as contas públicas depois da promessa de diesel mais barato nas refinarias. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, afirmou hoje (6) que a nova medida, que implica perdas de quase R$ 800 milhões a instituições subordinadas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), não deve ser minimizada.
No total, nove atividades foram canceladas, em decorrência da suspensão dos repasses. “Parece que é pouco, mas é tirar pouco de algo que já está no limite”, disse Moreira, por telefone, à Agência Brasil.
Para Moreira, há ainda uma “consequência pior”, que consiste na limitação de gastos imposta pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241. “Já havia um decréscimo [na aplicação de recursos] desde 2014, mas em 2017 isso se agravou muito e em 2018 também. Já estava caindo, mas em 2017 o orçamento passou a ter um valor muito pequeno e sofreu 45% de contingenciamento no começo do ano. Começamos a dialogar junto ao governo e conseguimos recuperar parte desse valor, mas, mesmo assim, o valor executado foi de R$ 4,6 bilhões, metade do que se vinha utilizando em anos anteriores, em 2013, por exemplo.”
Segundo ele, a primeira versão do orçamento previsto para o MCTIC neste ano foi “absolutamente catastrófica”. “Aumentou um pouco o orçamento, mas a aprovação final continuou muito ruim: R$ 4,5 bilhões. E em fevereiro houve um contingenciamento adicional de 10%, caindo de R$ 4,1 bilhões.”
Outro problema citado pelo presidente da SBPC foi a junção de áreas promovida pela reforma ministerial do governo Michel Temer, pois a verba, que poderia ser mais igualitariamente distribuída, agora estaria concentrada na área de comunicações. De acordo com informações do Portal da Transparência, desde o início do ano, dos cerca de R$ 1,6 bilhão gastos pelo MCTIC, aproximadamente R$ 83 milhões, por exemplo, foram utilizados pela Secretaria de Telecomunicações (Setec), enquanto a Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação obteve pouco mais de R$ 19 mil. Também sob a rubrica da pasta, o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene) recebeu, até o momento, de R$ 740 mil, dos quais R$ 680 mil serviram para cobrir apenas despesas correntes, sobrando R$ 60 mil para investimentos.
Escassez de bolsas
Um levantamento que ilustra a situação atual da pesquisa brasileira, que Moreira classifica como “dramática” é o Painel de Investimentos, elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que responde ao MCTIC. De acordo com os dados mais atuais do órgão, divulgados em janeiro deste ano, grande parte dos pesquisadores do país tem, de fato, ficado à míngua, já que, do ano passado para cá, a concessão de bolsas passou de R$ 1.118.619.000 para R$ 89.263.000, uma redução de R$ 1.029.356.000.
O cenário, comentou Moreira, muitas vezes força os pesquisadores a deixar a carreira acadêmica ou, minimamente, provoca a evasão de estudantes que já estão fazendo mestrado e doutorado no exterior, porque acabam decidindo buscar oportunidades onde estão e permanecer fora do país. Ele pontuou que governos de países mais desenvolvidos, quando estão em crise, vão no sentido contrário ao tomado pelo Brasil, pois optam por se dedicar ainda mais à ciência e à tecnologia: “É uma possibilidade de poder recuperar a economia do país. Aqui a gente está dando tiro no pé.”
Na última sexta-feira (1º), o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Gleisson Rubin, sustentou que não houve redução no orçamento federal para arcar com o subsídio do óleo diesel e que as mudanças orçamentárias se limitaram a um cancelamento de despesas de uma quantia que estava contingenciada. A Agência Brasil procurou o CNPq para comentar os recursos para a área de pesquisa, mas não obteve retorno.