O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) terá a educação como um dos maiores desafios sociais do seu mandato. A questão, que tem raízes antigas e profundas, mostra um dos aspectos mais cruéis da desigualdade brasileira: o baixíssimo nível educacional da população mais pobre. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017, por exemplo, apontam que sete em cada 10 alunos do último ano do ensino médio no país não têm nível de conhecimento suficiente em português e matemática.
Em seu programa para o novo governo, o futuro presidente traçou alguns caminhos para tentar resolver o problema da educação. Mas, entre propostas polêmicas, questionadas por especialistas da área, as medidas descritas no Projeto Fênix deixam dúvidas sobre o futuro do sistema educacional do país. Antes de tudo, as propostas de Bolsonaro precisam contornar as dificuldades de investimento, uma vez que os gastos com a educação não podem crescer acima da inflação, por conta do teto. Por isso, algumas ideias do recém-eleito falam em gerenciamento financeiro.
É o caso da mudança na administração de recursos. Pela proposta do novo governo, o dinheiro repassado atualmente poderia trazer mais benefícios, caso a pirâmide de investimentos fosse invertida, tendo como foco a educação básica, em vez de o ensino superior. A medida leva em consideração o percentual do PIB investido em educação no Brasil e mostra que o valor aplicado aqui chega a ser maior do que em outros países, como os Estados Unidos.
A professora Catarina de Almeida Santos, do Departamento de Planejamento e Administração da Universidade de Brasília (UnB), afirma que há outra forma de analisar o cenário: o valor investido por aluno no Brasil é muito baixo e, portanto, essa medida poderia ter o efeito reverso. “O que precisamos olhar é quanto o percentual do PIB significa no valor do custo-aluno. O Brasil não está investindo muito na educação superior. Na verdade, ele está investindo muito pouco na educação básica”, explica. Segundo relatório mais atualizado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil investe 3,8 mil dólares/ano por aluno no ensino fundamental, enquanto outros países, como a Alemanha, colocam 10,8 mil dólares/ano. No ensino superior, a quantia é de 14,2 mil dólares/ano por estudante no país, o que se aproxima da média de membros da OCDE — 15,6 mil dólares/ano.
A distância
Em um dos pontos mais polêmicos do seu projeto, Bolsonaro propõe a adoção em áreas rurais do método de Educação a Distância (EaD) para crianças acima de 6 anos. Pelo texto da proposta, “(a educação a distância) deve ser considerada como alternativa onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais”. A prática é bastante popular no ensino superior. Números do Enade de 2017, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), mostram que 21,32% dos concluintes eram da modalidade EaD.
Entretanto, especialistas criticam a adoção do método para crianças. De acordo com a professora Adriana D”Agostini, do Departamento de Estudos Especializados em Educação da UFSC, a prática desconsidera o processo de formação do aluno e exigiria a implantação de algumas estruturas, o que contraria a ideia do futuro governo de baratear a educação. “Nós não temos internet de longo alcance nessas localidadesd+ então, como eles vão resolver o problema da internet para que isso possa acontecer? Mais do que isso, a educação básica tem fundamento na convivência e na socialização, ou seja, o estudante não conta com autonomia para aprender tudo sozinho. Não considero viável no nível fundamental, nem sou favorável ao EaD no nível médio”, afirma. Um dos cotados para assumir o Ministério da Educação é Stavros Xanthopoylos, conselheiro do presidente eleito na área e diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
Já na proposta Escola sem partido, Bolsonaro questiona a influência de ideologias dentro da sala de aula. Na opinião dele, o projeto de lei visa evitar que os professores manipulem as opiniões dos estudantes e impede que os alunos sofram uma erotização precoce em classe. Críticos alegam que abordar as questões de gênero, por exemplo, auxilia o discurso sobre tolerância e o combate ao preconceito. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Minas Gerais Anelise Silva, a proposta é inviável por questionar o papel do professor em sala de aula. “Discutir os resultados das situações significa trabalhar com o estudante a capacidade de pensar. Se eu só disser aquilo que está no livro, ele não precisa de mim”, contestou a professora.
Fonte: Diário de Pernambuco