Defender o MCTI é um ato de resistência, diz vice-presidente da SBPC

Francilene Garcia integrou debate realizado na Unicamp em comemoração aos 40 anos da pasta ministerial

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizou na última sexta-feira, dia 4, um evento de dupla comemoração da história da política científica brasileira, repercutindo os 40 anos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e os 40 anos de seu Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT).

A atividade contou com a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos; a vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Francilene Garcia, e o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles.

Também estiveram presentes o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Américo Pacheco; o diretor de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Elias Ramos de Souza; o diretor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Caetano Penna; o professor do Instituto de Economia da Unicamp e um atores que participou da criação do ministério, Luciano Coutinho; o diretor do Instituto de Geociências da Unicamp, Emilson Pereira Leite; a coordenadora do DPCT/Unicamp, Janaina Oliveira Pamplona da Costa e a coordenadora Programas e Políticas Públicas da World-Transforming Technologies (WTT), Lara Ramos.

Em sua fala, a vice-presidente da SBPC ressaltou a coincidência do MCTI e do DPCT/Unicamp comemorarem 40 anos simultaneamente. “E esses 40 anos vêm de um departamento que tanto contribui para as políticas científicas brasileiras, que é o DPCT.”

A SBPC, fundada em 1948, também é uma entidade que está na base da construção desse hoje pujante Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, sempre presente na formulação das políticas de Ciência do País, inclusive participando dos debates sobre a criação de uma pasta ministerial para o setor, conforme pontuou Garcia.

“Anterior à criação do Ministério, nos anos 1960, já discutíamos a institucionalidade da Ciência brasileira. Quando o MCTI foi criado, em 1985, ele representou uma nova institucionalidade da área, dando musculatura à produção acadêmica do País. Foi um movimento de reconhecer que o Brasil precisava investir em sua soberania nacional”, contou.

Para a especialista, o conjunto de instabilidades financeiras e organizacionais que o órgão ministerial passou ao longo de sua história mostra que o fato do Brasil possuir um Ministério da Ciência hoje é consequência do ativismo científico de décadas. “Defender o MCTI foi e é, muitas vezes, um movimento de resistência.”

Garcia falou sobre o papel das Reuniões Anuais da SBPC como espaços importantes para debates da agenda científica, incluindo a próxima edição, a 77ª, que terá uma programação dedicada aos 40 anos do MCTI e acontecerá em julho em Recife.

Entretanto, para a vice-presidente da SBPC, ainda há desafios estruturais que o Ministério e o Governo Federal precisam olhar. Um deles é a assimetria regional, ou seja, o desenvolvimento da Ciência brasileira não ocorre de forma igualitária em todas as regiões do Brasil.

Outro ponto defendido por Garcia é uma melhora nos sistemas de avaliação das políticas científicas, principalmente as dedicadas a fomento, para que o País consiga obter diagnósticos mais condizentes aos desafios atuais. Com isso, conseguirá aprimorar o próprio desenho de suas políticas. “A gente tem que pegar os gargalos de frente para entregarmos sugestões e recomendações ainda nesta gestão presidencial”, ponderou.

Aumento de recursos, programa de repatriação de cientistas e Fundos Setoriais

A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, utilizou sua fala para fazer um balanço dos dois anos à frente do MCTI e quais articulações políticas a pasta vem realizando. “Somos liderados por um presidente que tem a convicção da CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) como pilar do desenvolvimento do País. Porque a Ciência tem que ser política de Estado, estruturante e essencial para a nação.”

Santos concordou com o discurso de Garcia sobre o histórico de resistência que marca o órgão ministerial e que, como consequência, diminuiu seu poder político ao longo dos anos, “Mas a sociedade e a comunidade científica se articularam e resistiram com força.”

Para a ministra, a Ciência tem um papel transversal e precisa de articulações com outros ministérios e com demais estruturas administrativas do Governo Federal. Como destaque dessas articulações, citou oito projetos científicos que foram contemplados, pela primeira vez, no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC.

Santos afirmou que vem se articulando sobre a questão orçamentária da pasta, buscando um aumento de recursos para 2026 via Lei Orçamentária Anual (LOA), além de verbas para programas específicos. “Estamos conversando com o presidente Lula para conseguirmos aumentar os recursos de base dos Fundos Setoriais, e também para criarmos dois novos Fundos, um dedicado ao setor agro e outro para as Big Techs.”

A ministra abordou também o programa de repatriação de cientistas, que teve mais de duas mil solicitações e atenderá 573 acadêmicos em sua primeira chamada. “Considerando os retornos que tivemos e o atual panorama político internacional, estamos cogitando abrir uma nova chamada que foque nos nossos cientistas que estão nos Estados Unidos e na Argentina.”

Na cerimônia, Luciana Santos também entregou uma placa comemorativa ao professor Luciano Coutinho, do IE/Unicamp, que participou da estruturação do Ministério, sendo o primeiro secretário-executivo da pasta. “É um reconhecimento pelos serviços prestados em prol das políticas públicas de ciência e tecnologia.”

O jogo político do MCTI também foi um destaque nas declarações do diretor-presidente da Fapesp, Carlos Américo Pacheco, que também compôs a base administrativa do órgão no passado.

Em sua fala, Pacheco destacou os desafios do Ministério no começo dos anos 2000, quando houve uma reestruturação federal e outras entidades que produziam ciência ficaram, finalmente, integradas ao Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, como a Agência Espacial Brasileira e as instituições dedicadas aos estudos nucleares.

O representante da Fapesp, ainda, afirmou que os recursos disponíveis à pasta ministerial têm ligação direta com o poder político que ela possui. “O MCTI, infelizmente, é um ministério fraco no sentido de despertar o interesse dos atores políticos. Por isso, ele não consegue negociar em nível de igualdade com as demandas de outras pastas ou no relacionamento com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Sua capacidade política é pequena, e isso é um desafio.”

Ex-secretário executivo do MCTI, Luciano Coutinho falou do processo de estruturação da pasta ministerial que participou em 1985. Coutinho ressaltou que, na época, não havia um consenso da comunidade científica sobre a construção de um ministério para o setor, pois havia um receio de que tornaria os processos políticos mais burocráticos e haveria redução orçamentárias nas políticas públicas de CT&I.

“O Ministério nasceu no momento de redemocratização do País, quando o movimento contra a ditadura militar colecionou uma de suas vitórias mais importantes. Quando foi eleito presidente da República, Tancredo Neves criou uma comissão do plano de governo, e nela montou-se uma segunda comissão dedicada à criação do MCTI.”

Como primeira tarefa, essa comissão, a qual Coutinho foi escalado para participar, teve que desenhar o funcionamento do futuro ministério, analisando o ecossistema de pesquisa do Brasil na época, incluindo entidades como Petrobrás e Embraer. “Naquele tempo, o Brasil investia 0,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em Ciência. O nosso esforço era de subir para 1%, para que o País pudesse alcançar os investimentos de outros países. Além disso, desde o começo nós tínhamos o desafio de aproximar o MCTI com outros ministérios.”

Concretude das políticas e participação social

Para o diretor do CGEE, Caetano Penna, o desafio atual da política científica brasileira é desenhar ações especificamente orientadas a missões. “Quando se desenha uma política pública, é preciso entender o que nós temos, o que não temos, onde estão as nossas competências e o que buscamos fazer.”

Este ponto também foi defendido pelo diretor de Inovação da Finep, Elias Ramos de Souza, que trouxe as políticas industriais como um case de sucesso das políticas orientadas a missões. “A política científica brasileira ganhou um status de integração com a política nacional de Desenvolvimento”, considerou.

Já a coordenadora de Programas e Políticas Públicas da WTT, Lara Ramos, apontou que a política científica brasileira tem um desafio de integrar, cada vez mais, a participação social em seus processos. “Precisamos integrar as redes de mobilização da sociedade civil nos debates, porque elas vêm desenvolvendo tecnologias sociais. E esse desafio é ainda maior quando pensamos na integração a nível nacional, porque existe uma pluralidade muito grande que precisa ser ouvida.”

Encerrando as falas do dia, o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, afirmou que os esforços atuais em CT&I estão dando resultados, mas precisamos ir além. “Necessitamos trazer coisas mais palpáveis à sociedade, para assim aumentar seu impacto na vida das pessoas. E a Inovação pode ser um caminho para tal”, concluiu.

Fonte: Jornal da Ciência