UFSC à altura de sua história

Por Lindberg Nascimento Júnior e Lia Vainer Schucman1*

No dia 11 de março de 2025, o Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (CUn) tomou uma decisão histórica ao aprovar as alterações na Resolução Normativa nº 34/CUn/20132, que estabelece as normas para o ingresso na carreira do magistério superior na instituição. As mudanças contemplam a ampliação da reserva de vagas para docentes negros, indígenas, quilombolas e pessoas trans, além de artigos e incisos que devem neutralizar os mecanismos atuais de racismo institucional, em grande parte identificados nos processos de seleção. 

Mas, mais do que uma mudança normativa, a decisão representa um passo decisivo na luta contra o racismo institucional e na construção de um ambiente acadêmico verdadeiramente representativo. E seus impactos positivos poderão ser observados muito em breve, e sem sombra de dúvidas, essa data se tornará um marco memorável para nossa comunidade.

Por isso, o momento é de celebração atenta aos próximos passos e exige ampla disseminação. Essa decisão também não é um evento isolado, mas parte de um processo profundo de enfrentamento ao racismo que envolve pessoas comprometidas com a transformação da universidade. Por isso, a conquista também coletiva – resultado de um trabalho que se estendeu por pelo menos três anos, e não poderíamos deixar de homenagear, nesta moção de louvor, as pessoas que atuaram incansavelmente para que essa mudança se consolidasse. 

Inicialmente, destaco que a Reitoria teve um papel fundamental ao se dispor ativamente a promover os atravessamentos necessários para a construção de uma gestão comprometida com a equidade racial e combate ao racismo. Ao abrir espaço para o debate, ouvir as demandas da comunidade acadêmica e apoiar a formulação e propostas de resolução, a gestão demonstrou um compromisso concreto com a transformação institucional. Esse posicionamento reafirma a importância de uma liderança que não apenas reconhece a necessidade de mudanças estruturais, mas age de forma decisiva para implementá-las.

Em seguida, aos membros do Grupo de Trabalho de Elaboração da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC, com ênfase a dedicação de Iclícia Viana (COEMA/PROAFE) e de Bárbara Nóbrega Simão (COEMA/PROAFE), que se empenharam para unir e reunir um conjunto diverso de representações (servidores, estudantes, movimentos sociais e sociedade civil) na escrita e proposição da Resolução Normativa Nº 175/2022/CUn3, que abriu o caminho para um conjunto de outras ações antirracistas associadas.

Ressalto o trabalho da equipe responsável pelo Relatório de monitoramento e avaliação da política de enfrentamento ao racismo – Diagnóstico I: Perfil da comunidade, indicadores de racismo institucional e cenários de combate4 — composta por Leslie Sedrez Chaves (PROAFE), Lia Vainer Schucman (PSI/CFH) e Marco Antônio de Azevedo Duarte Souza (estagiário do curso de psicologia). Sem essa investigação e sistematização dos dados que expuseram de forma inequívoca a disparidade racial na UFSC, seria impossível identificar os mecanismos de racismo institucional e construir os cenários que fundamentaram a tomada de decisão.

A comissão designada para a alteração da Resolução Normativa nº 34/CUn/2013, composta por Luana Renostro Heinen (SEAI – presidenta), Miriam Furtado Hartung (Gabinete da Reitoria), Leslie Sedrez Chaves (PROAFE), Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão (COEMA/PROAFE), Lia Vainer Schucman (GT de Enfrentamento ao Racismo Institucional/UFSC), Antonio Alberto Brunetta (PROGRAD) e Carla Cerdote (DDP/PRODEGESP), teve uma atuação singular. O trabalho dedicado de cada membro, aliado à sua expertise e sensibilidade, foi essencial para transformar o diagnóstico em propostas concretas, fortalecendo o caráter antirracista da minuta. O empenho e a seriedade do grupo, guiados pelo compromisso com a justiça social e a equidade racial, deixam um legado valioso para toda a comunidade acadêmica, mas principalmente para cada um de nós que participamos desse processo.

É importante considerar também a relevância dos seminários de apresentação do diagnóstico, das audiências públicas e das reuniões realizadas nas unidades e campi. Essas práticas são essenciais para a construção de uma política pública sólida e representativa, e no nosso caso, promoveram espaços de debate e escuta ativa com boa participação da comunidade. Aliás, a premissa dessa política pública não é o identitarismo mas a busca de justiça social

Outro aspecto fundamental na construção deste trabalho foi a contribuição da Advocacia-Geral da União e o papel da Procuradoria-Geral Federal junto à UFSC, que nos prestaram apoio por meio do esclarecimento de dúvidas e da emissão de pareceres. Esse suporte foi essencial para garantir que nossa proposta estivesse sempre em conformidade com os princípios constitucionais.

 Na formulação dessa importante política pública também convivemos com obstáculos, afinal, o que esteve sempre em disputa são os privilégios brancos. Falas, posicionamentos, argumentos contrários, às vezes disfarçados de preocupação com a legalidade, apareceram em alguns momentos por parte de conservadores, outros de pessimistas e ainda daqueles que realmente se pronunciaram com argumentos racistas, estas também foram importantes na construção. Tudo isso, nos muniu com a exigência de que cada passo fosse feito de forma pública, compartilhada, transparente e com todos os argumentos técnicos e científicos que justificam nossa posição ética-política.

Todo o trabalho realizado pelas comissões e pelo grupo de trabalho foi reconhecido pela relatoria precisa e comprometida da Profa. Carolina Bahia (CCJ), cuja contribuição, além de fundamental para a aprovação da proposta, merece ser lida como uma referência acadêmica e jurídica no combate ao racismo institucional. Em nossa opinião, o parecer tem forte potencial para formação de profissionais de qualquer campo que se envolva com a temática.

Também foi louvável o engajamento dos conselheiros e das conselheiras que compreenderam a urgência dessa mudança e aprovaram a minuta. Com essa decisão, o CUn demonstrou que a UFSC não é e nem está apática aos impactos do racismo na sociedade brasileira, que diante de um quadro crítico, transformações institucionais são necessárias e precisam ser implementadas. Que a universidade é um espaço de elaboração de crítica e de autocrítica, de avaliação e de correção de mecanismos que historicamente reproduzem a injustiça e desvantagens para determinados grupos. 

O reconhecimento do CUn é um ato representativo de toda a nossa comunidade, e não é apenas simbólico, trata-se de um posicionamento político consistente que, ao desnaturalizar os impactos do racismo em nossa sociedade, também corrige desigualdades históricas e reafirma o compromisso com um ensino superior verdadeiramente público, democrático e socialmente referenciado.

Por fim, a decisão não pertence apenas às instâncias institucionais que formalizaram a mudança, mas também à nossa comunidade (interna e externa) como um todo. Em diferentes momentos da nossa história, e sob distintas estratégias, cada servidor(a), estudante, pesquisador(a), trabalhador(a) ou militante contribuiu para que a UFSC avançasse na construção de uma universidade mais justa. Foram os esforços, as vozes e resistência desses grupos e movimentos que ajudaram a pautar o enfrentamento ao racismo e a necessidade de reparação histórica dentro da universidade. Portanto, essa vitória também é sua. Essa decisão reflete sua energia e seu tempo dedicado à mobilização, debates e lutas coletivas por um espaço acadêmico plural, democrático e comprometido com a transformação social. Que esse dia fortaleça ainda mais nossos laços de amizade, resistência, solidariedade e esperança e nos impulsione a seguir mais firmes na defesa de um projeto de universidade que seja, de fato, antirracista.

Parabéns, comunidade! Viva a UFSC! Que esse dia ecoe e inspire novas mudanças! Que essa política nos ajude a construir um horizonte amplo de reparação e justiça! E que a nossa universidade continue à altura de sua história!

  1. Os autores participaram do Grupo de Trabalho de Elaboração da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC, da equipe responsável pela redação do Relatório de monitoramento e avaliação da política de enfrentamento ao racismo – Diagnóstico I: Perfil da comunidade, indicadores de racismo institucional e cenários de combate e da Comissão designada para a alteração da Resolução Normativa nº 34/CUn/2013 ↩︎
  2. https://noticias.ufsc.br/2025/03/ufsc-aprova-atualizacao-das-normas-de-ingresso-na-carreira-docente-e-amplia-reserva-de-vagas-para-pessoas-negras-indigenas-e-quilombolas/ ↩︎
  3. https://noticias.ufsc.br/2022/11/ufsc-aprova-politica-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional/ ↩︎
  4. https://noticias.ufsc.br/2024/10/levantamento-demonstra-deficit-de-equidade-racial-na-ufsc-entre-servidores/ ↩︎

*Lindberg Nascimento Júnior é professor do Departamento de Geociências (CFH/UFSC) e Lia Vainer Schucman é professora do Departamento Psicologia (CFH/UFSC)

Artigo recebido às 11h32 do dia 7 de março de 2025 e publicado às 12h15 do dia 7 de marco de 2025