Carolina Levis, pesquisadora da UFSC, é a primeira autora do artigo publicado em conjunto com estudiosos indígenas e não-indígenas
No contexto da crise climática, o diálogo entre o conhecimento científico ocidental e o indígena é essencial para a conservação da Amazônia e para o futuro sustentável do planeta. A integração dos sistemas de conhecimento pode garantir uma ciência mais holística, que entenda a conexão indissociável entre cultura e natureza e que, portanto, reconheça a contribuição dos povos originários para a reabilitação dos ecossistemas. É o que aponta artigo publicado na revista Science nesta quinta-feira, dia 12, por pesquisadores indígenas dos povos Tuyuka, Tukano, Bará, Baniwa e Sateré-Mawé, em parceria com não indígenas, vinculados a projeto do Brazil LAB, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Os cientistas participantes também têm vínculo com instituições brasileiras como as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e do Amazonas (UFAM).
O artigo defende a integração urgente entre os saberes, considerando a contribuição das teorias e práticas de povos indígenas, há pelo menos 12 mil anos, para a conservação e restauração do meio ambiente – e elegem a Amazônia como um terreno fértil para promover este diálogo.
“Uma das principais lições dos conhecimentos indígenas do Alto Rio Negro é compreensão de que as vidas se estabelecem em conexão. Nada existe sozinho, tudo está relacionado – e compreender essa rede de relações entre todos os seres é uma das chaves para a sustentabilidade”, explica Carolina Levis, pesquisadora da UFSC e primeira autora do artigo. Para ela, a cosmovisão indígena pode auxiliar na desconstrução da visão colonialista que há séculos explora a Amazônia. “Enquanto o pensamento ocidental está enraizado em visões utilitaristas e antropocêntricas da natureza, os povos indígenas amazônicos entendem que a natureza e seus elementos também são dotados de qualidades de pessoas e tudo faz parte de um sistema integrado”, comenta.
“Escrevemos esse texto para dar vozes também àqueles que não tem vozes, e fazer ecoar vozes de quem não conseguem reagir à destruição de seus territórios”, explica Justino Sarmento Rezende, pesquisador da UFAM e um dos autores indígenas do artigo. “Outros seres também são viventes e habitantes dos territórios, ninguém consulta os animais antes de invadir a casa deles e seguir destruindo. Uma vez que considerarem os outros seres como relacionados a nós, teremos que fazer o papel de diplomatas, pois eles não estão sendo ouvidos e entendidos. Vamos fazer um pouco desse papel de representá-los. Assim como os povos indígenas, os outros seres também estão silenciados”, continua o pesquisador.
O trabalho sintetiza conhecimentos dos indígenas do Alto Rio Negro, território localizado no estado brasileiro do Amazonas. Para esses povos, o mundo pode ser organizado em três domínios: terrestre, aéreo e aquático. Esses domínios são ocupados não só pelos humanos, mas por outros seres, como animais, plantas e rios, e pelos chamados “outros humanos” – ou “encantados” – que já habitavam o mundo antes dos humanos e que são consultados através dos especialistas indígenas, comumente chamados de pajés. Para que os humanos possam acessar elementos da natureza, é fundamental solicitar permissão e negociar com os outros seres presentes nesses domínios, respeitando as práticas e rituais que mantêm o funcionamento dessa rede cosmopolítica.
Sistemas de conhecimento devem estar integrados
Rezende defende uma ciência que agregue os diferentes saberes em defesa da Terra e da relação recíproca entre todas as espécies. “Um único sistema de conhecimento não será suficiente para enfrentar a emergência climática, é necessário o diálogo entre múltiplos conhecimentos. Precisamos sentar todos na mesma mesa para decidir o que podemos fazer e projetar estratégias, soluções e inovações”, alerta.
Os pesquisadores apontam ações e práticas indígenas que podem ser somadas às pesquisas científicas, como, por exemplo, a influência do movimento das constelações e dos ciclos da Terra na produção de alimentos. Para Carolina Levis, uma das principais conclusões para a eficiência da conservação do bioma é a inclusão respeitosa de líderes e especialistas indígenas em processos de investigação e tomada de decisão.
O artigo reconhece o desafio de fazer valer o status de ciência ao conhecimento indígena, já que “os espaços de formação dos especialistas não estão nas universidades, os ‘laboratórios’ indígenas estão nas próprias aldeias”, lembra Levis. Dessa forma, avaliam os autores, é também importante que universidades e instituições de pesquisa criem espaço para a ciência indígena, valorizando e respeitando as visões de mundo dos povos originários.
Fonte: Agência Bori