Grande estudo internacional encontra “lacuna de confiança” em 43 dos 68 países, revela reportagem publicada na revista Science, traduzida pelo Jornal da Ciência
Os cientistas do clima, em média, são menos confiáveis em todo o mundo do que os cientistas em geral, de acordo com uma pré-impressão publicada no Open Science Framework no mês passado. Essa falta de confiança pode enfraquecer o apoio às ações do governo para evitar um aquecimento global catastrófico, dizem os pesquisadores. “Eu estava lendo esta pré-impressão em um dia de 75 ° [F] em Boston em novembro, o que não foi bom”, diz Matthew Motta, da Universidade de Boston.
Pesquisas anteriores identificaram essa lacuna de confiança nos Estados Unidos, mas o novo artigo é o primeiro a encontrá-la em uma pesquisa internacional grande e detalhada, diz Motta, que pesquisa a confiança na comunidade científica. Motta não esteve envolvido no novo trabalho, mas já colaborou com alguns dos autores.
A pandemia de covid-19 gerou preocupação global com a queda da confiança na ciência e nos cientistas, mas havia poucos dados sobre o assunto, diz Viktoria Cologna, cientista social ambiental do Collegium Helveticum/Instituto Suíço de Estudos Avançados. Para obter uma imagem mais completa, ela e seus colegas se uniram a pesquisadores em 68 países para perguntar a quase 70.000 pessoas sobre sua confiança em cientistas, crenças sobre ciência, crenças políticas e pensamentos sobre mudanças climáticas e cientistas climáticos especificamente.
Em média, as pessoas atribuíram aos cientistas uma classificação de confiança de 3,62 em uma escala de cinco pontos. Mas para os cientistas do clima, essa classificação caiu para 3,5. A diferença foi muito maior em alguns países – como a Bolívia, onde os cientistas geralmente foram classificados como 3,22 e os cientistas do clima como 2,78 – e menor em outros, como a Austrália, onde os cientistas foram classificados como 3,91 e os cientistas do clima 3,77. Os cientistas não devem ficar muito desanimados, diz Cologna. A confiança nos cientistas do clima pode ser menor, diz ela, “mas não é baixa”.
Essa lacuna de confiança apareceu em 43 países. Em 19 outros, a confiança foi aproximadamente igual e, em seis países, a confiança nos cientistas do clima foi maior – incluindo na China, onde os cientistas foram classificados em 3,67 e os cientistas do clima em 4,14. Isso pode ser resultado do forte apoio governamental à ação climática na China, diz Cologna. O melhor preditor para a lacuna de confiança foram as crenças políticas de alguém, descobriram os pesquisadores: pessoas com crenças mais direitistas ou conservadoras tendiam a confiar menos nos cientistas do clima do que nos cientistas em geral.
“A falta de confiança na ciência e nos cientistas não surge do vácuo”, diz o autor do estudo Edward Maibach, pesquisador de comunicação sobre mudanças climáticas da Universidade George Mason. Quando as descobertas dos cientistas do clima entram em conflito com as crenças políticas das pessoas, isso pode levá-los a descartar a experiência e os motivos dos cientistas, diz ele. Mas os cientistas não devem “levantar as mãos e desistir”.
As pessoas devem acreditar que os cientistas têm uma moral sólida antes de poderem confiar neles, diz Vukašin Gligorić, psicólogo social da Universidade de Amsterdã que não esteve envolvido no novo trabalho. Em um artigo publicado em abril, ele e seus colegas sondaram a confiança em 45 disciplinas científicas e descobriram que, para disciplinas que eram publicamente controversas, como virologia e ciência do clima, a confiança andava mais fortemente de mãos dadas com uma percepção de moralidade: “Se você acredita que os cientistas estão sendo honestos, eles estão sendo sinceros, eles estão fazendo algo para o bem maior, você vai confiar mais neles”, diz Gligorić.
Uma tática crucial para transmitir as descobertas climáticas, diz Maibach, é usar “mensageiros confiáveis e atenciosos” – pessoas percebidas como tendo os melhores interesses do público no coração. Motta acrescenta que os mensageiros certos podem ser especialmente úteis para cruzar as divisões políticas. “Acho que os cientistas do clima precisam encontrar maneiras de comunicar a ciência de uma maneira que seja mais receptiva às pessoas da direita ideológica.” Por exemplo, ele e seus colegas descobriram que os conservadores expressam mais preocupação com as mudanças climáticas depois de ouvir mensagens climáticas de militares que as descrevem como uma preocupação de segurança.
E às vezes, diz Motta, os cientistas devem se afastar da briga e se apoiar em comunicadores, como influenciadores de mídia social, para espalhar mensagens para eles. “Os cientistas não estão sozinhos nesta batalha. … Talvez parte da solução seja, de vez em quando, tirar o pé do acelerador e dizer: ‘Existem outras pessoas que podem fazer isso por nós’”.
Fonte: Jornal da Ciência