UFSC participa do desenvolvimento de vacina contra a leishmaniose 

Projeto do professor Edmundo Carlos Grisard, realizado em parceria com a UFMG, foi aprovado em edital da Fapesc

No final de novembro, a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) anunciou o apoio a 71 projetos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Entre os contemplados no edital, está o do professor Edmundo Carlos Grisard, que trabalhará no “desenvolvimento de vacina para leishmaniose visceral e cutânea”. À Apufsc, o docente contou mais sobre a pesquisa que está sendo realizada em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Transmitida por flebotomíneos, insetos popularmente conhecidos como mosquito-palha, asa-dura, tatuquiras ou birigui, a leishmaniose pode infectar humanos e animais. No Brasil, um dos países com a maior prevalência da doença no mundo, há ocorrência tanto da leishmaniose cutânea quanto da visceral. Enquanto a primeira causa principalmente feridas na pele e mucosas, a segunda, se não tratada, pode ser fatal. Segundo dados do Ministério da Saúde, desde 2007 o Brasil registrou 50.372 casos de leishmaniose visceral e 3.944 óbitos pela doença (7,03%).

Mosquito-palha, inseto transmissor da leishmaniose (Foto: Wikimedia Commons/Divulgação)

De acordo com Grisard, professor há mais de 30 anos do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC, o cenário atual da doença já era previsto há muito tempo. “Nós temos a particularidade de estarmos numa região tropical, que é acometida por uma doença transmitida por um inseto vetor, que está aumentando a sua área de distribuição, também pelo aquecimento global”, explica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a leishmaniose como uma entre as dez principais doenças tropicais negligenciadas, com mais de 12 milhões de pessoas infectadas.

Além disso, o professor conta que, devido à evolução lenta e a um arsenal terapêutico (medicações) ainda muito limitado e de baixa eficácia, aliado à ausência de vacinas, a doença tem progredido de forma silenciosa. Assim, a ideia do seu projeto é testar uma nova tecnologia para ver se é possível produzir uma resposta imunológica contra a leishmaniose, Chagas e outras doenças causadas por tripanossomas.

“As formas de desenvolvimento de vacinas hoje em dia nos permitem estudar diferentes possibilidades. Uma coisa é você fazer uma vacina, como foi feita para a covid, que é determinada por um vírus, o qual possui poucas proteínas e das quais sabemos quais podem gerar resposta imunológica. Nós aqui estamos falando de um protozoário, muito maior e mais complexo do que um vírus, com muito mais proteínas, com muito mais interações com os nossos organismos, o que torna muito mais difícil se desenvolver uma vacina”, explica o professor.

Laboratório da UFSC onde a pesquisa está sendo desenvolvida (Foto: Arquivo pessoal)

Grisard conta que o projeto se encontra na fase inicial, chamada de prova de conceito, na qual a equipe busca entender se a tecnologia e a ideia funcionam. Só depois disso começam os testes para descobrir se a vacina tem bons resultados em humanos e/ou animais. “Não interessa para nós, neste momento da pesquisa, se os testes de eficácia serão realizados em cães, em humanos ou em outros animais. A pesquisa visa desenvolver uma ferramenta para produzir uma resposta imune que seja protetora e impeça a infecção, ou que auxilie no tratamento.”

Estão envolvidos nesta pesquisa cinco professores da UFSC e três da UFMG, além de alunos da graduação e da pós-graduação das duas instituições. O primeiro teste do estudo, inclusive, foi feito na federal mineira e apresentou resultados encorajadores.

O pesquisador conta que há “uma colaboração de igual nível” entre seu grupo e o do professor Ricardo Fujiwara, da UFMG, na produção de insumos, testagem e formação de recursos humanos. “Nós trabalhamos em parceria, somando as competências do grupo da UFMG no desenvolvimento da ideia da vacina e de nosso grupo na UFSC em modificação genética de parasitos para que expressem as proteínas da vacina”, conclui Grisard.

Professor Edmundo Carlos Grisard
(Foto: Divulgação)

Incentivo à pesquisa

Por meio do Edital de Chamada Pública Nº 21/2024 – Programa de Pesquisa Universal, a Fapesc aprovou 175 trabalhos. Com os 71 trabalhos aprovados, a UFSC receberá cerca de R$ 16 milhões para executar estudos nos campi de Araranguá, Curitibanos, Florianópolis e Joinville. Foram 11 Centros de Ensino contemplados, com 69% das pesquisas sendo dos Centros de Ciências Biológicas (CCB), Tecnológico (CTC), Ciências Físicas e Matemáticas (CFM) e o de Ciências da Saúde (CCS).

O projeto de pesquisa de Grisard recebeu o aporte de R$ 250 mil, valor máximo pago no edital. Ele explica que, do montante, metade será utilizada para a compra de um único equipamento, crucial para o desenvolvimento do projeto, e a outra parte será destinada à compra de todos os insumos necessários. Ele comemora que, pela primeira vez, a Fapesc fez um investimento substancial em Ciência, Tecnologia e Inovação no estado.

“Todos os pesquisadores estão realmente absortos com o valor investido. Espero que não seja um fato isolado, mas que esta seja uma tônica da Fapesc, porque o estado possui recursos financeiros e capacidade instalada de recursos humanos plenamente capacitados em todas as áreas do conhecimento. Ainda carecemos de alguns equipamentos de ponta, mas a falta de recursos para insumos e investimento em bolsas deve ser promovido. Nós temos um potencial enorme aqui em SC, potencial este que a Fapesc pôde ter a chance de enxergar e apostar através deste edital”, comenta o professor.

Grisard ressalta que o incentivo financeiro é imprescindível para o desenvolvimento da ciência e precisa ser continuado.

“Nós estamos endereçando o que nos cabe enquanto universidade, que é gerar conhecimento, fazer pesquisa, com uma abordagem diferente de tentar gerar uma outra ferramenta que possa auxiliar nesse controle [da doença].”

Maior parte dos insumos e equipamentos utilizados na pesquisa são importados (Foto: Arquivo pessoal)

Leishmaniose em Santa Catarina 

Apesar de Santa Catarina estar entre os estados com menos casos de leishmaniose visceral em humanos, Grisard lembra que Florianópolis é uma área de transmissão da doença. Até 2022, eram 22 os casos confirmados no estado, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), cinco deles originários da capital catarinense.

Mas o que preocupa os pesquisadores no momento é o aumento da incidência da doença nos cachorros. Em SC, a primeira detecção nos cães foi em 2010. De lá para cá, já são mais de 1 mil casos registrados, com um crescimento constante desde 2017. “Hoje, em Florianópolis, há transmissão ativa de leishmaniose visceral canina em todas as regiões, sem exceção. Nós hoje vivemos em uma área endêmica de transmissão da leishmaniose visceral canina”, destaca o professor.

O cenário acende um alerta porque, segundo Grisard, os registros clássicos apontam que a distribuição de transmissão entre os cães precede a transmissão humana; eles são chamados de animais reservatórios. Ou seja, uma vez infectados, os cachorros não transmitem a doença de forma direta para pessoas ou entre si, mas se tornam depósitos da doença para os insetos transmissores, não necessariamente demonstrando sinais da doença. Além disso, diferente dos humanos, a cura da leishmaniose visceral canina é variável, podendo o animal reduzir os sintomas e ainda permanecer infectado. Nesse sentido, é de responsabilidade do tutor do animal a adoção de medidas profiláticas e terapêuticas em caso de infecção.

Ciclo da leishmaniose (Arte: Ministério da Saúde)

O professor da UFSC ressalta que a prevenção e o controle da leishmaniose são mais complexos do que os da dengue, por exemplo, pois a subfamília dos insetos transmissores se reproduz na matéria orgânica. “Então, a própria limpeza urbana faz parte do controle da leishmaniose, além do cuidado de cada um com o seu(s) cachorro(s), e o cuidado do estado para com os animais de rua (sem tutor)”, completa. Além disso, ele lembra que, por ser uma doença que pode demorar anos para apresentar sintomas perceptíveis e ser diagnosticada, a testagem dos animais é muito importante, assim como o acompanhamento veterinário e a qualidade do tratamento oferecido ao cachorro infectado.

A doença está estabelecida, isso é um fato. Vai ser muito difícil, na minha perspectiva, que possamos controlar a sua transmissão em Florianópolis. Teremos de coexistir com o ciclo de transmissão, adotar medidas mitigadoras do problema e buscar novas alternativas de tratamento e profilaxia, como é o caso do nosso estudo”, conclui.

Sobre a doença

A médica infectologista e professora do Departamento de Medicina da UFSC, Regina Valim, explica que os sintomas da leishmaniose tegumentar americana (cutânea) envolvem lesões na pele e/ou mucosas, geralmente não dolorosas, que iniciam como pápula e depois evoluem para úlcera com bordas elevadas. O diagnóstico da doença pode ser feito com biópsia e/ou raspado da lesão para exame direto.

Já a leishmaniose visceral humana causa febre, anemia, fraqueza, emagrecimento, aumento do abdome (geralmente nas crianças), aumento do fígado e do baço. Seu diagnóstico pode ser realizado com coleta de sangue ou soro para teste rápido, ou aspirado de medula óssea. A média do período de incubação varia de dois a seis meses, e a pessoa apresenta um quadro de evolução mais arrastado.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Maranhão é o estado brasileiro com o maior número de contaminados pela doença (7.547), seguido pelo Ceará (5.947) e Minas Gerais (5.831). Entre os infectados com leishmaniose visceral, 64,54% são homens. A maior faixa etária de contaminação é entre 20-59 anos (40,3%), seguida de 1-4 anos (24,2%).

Karol Bernardi
Imprensa Apufsc