Especialistas defendem que Ciência e Educação precisam de mais, não menos investimentos do governo federal

Palestrantes lembram também que as duas áreas ainda não recuperaram as perdas dos últimos dez anos

O debate recente sobre investimentos e cortes orçamentários na área social encontra a Educação e a Ciência Tecnologia e Inovação (CT&I) em um dos pontos mais baixos da história, como resultado de uma década de desfinanciamento.

O cenário foi evidenciado durante a Jornada pela Ciência e Educação, uma série de eventos promovidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com apoio de diversas entidades e sociedades científicas em atividades presenciais e online ao longo de toda a segunda-feira, dia 25.

O evento teve início com o Ato Central, realizado pela SBPC, pela manhã, e que contou com a participação de cientistas, pesquisadores, professores, reitores e parlamentares de todos os espectros políticos, defensores da ciência e da educação.

O pano de fundo das apresentações era a perspectiva de redução do orçamento federal para as áreas de Educação e CT&I que vêm sendo aventados na imprensa e nas redes sociais às vésperas da divulgação do “pacote” econômico pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, destacou a distância que separa o Brasil de países em desenvolvimento equivalentes, como China, Coreia do Sul e Índia, em termos de peso dos investimentos em CT&I sobre o Produto Interno Bruto (PIB), que aqui não chega a 2%, ainda mais longe dos 3% em média dos países ricos.

O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, acrescentou que, além de baixo, quase um terço do orçamento da parte não reembolsável do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológicos (FNDCT), principal fonte de financiamento da pesquisa científica brasileira, é direcionado à cobertura de subsídios a empresas do setor privado.

“Então sai do mirrado dinheiro da ciência o apoio à inovação das empresas, a qual é uma coisa absolutamente necessária, é importante que as empresas invistam em inovação e é importante que o estado brasileiro apoie. Mas talvez esteja saindo do bolso errado”, comentou Janine Ribeiro.

Mesmo sem ainda conhecer o teor das medidas (que somente seriam anunciadas na noite de quarta-feira, dia 27, e detalhadas nesta quinta-feira, dia 28), os participantes ressaltaram a situação crítica da Educação, em especial das universidades federais, que não foi resolvida pelo atual governo em seus primeiros dois anos de mandato.

A começar pelo ensino básico, José Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), destacou a desigualdade educacional – uma das muitas desigualdades que assolam o Brasil –, que tem reflexos diretos da CT&I.

“Quando a gente está falando de desenvolvimento tecnológico, estamos falando também de trazer todos os brasileiros para o mundo da educação, e isso não está acontecendo há muitos anos”, disse Soares. Ele resgatou um dos resultados mais preocupantes da pandemia de covid-19 e seu necessário distanciamento social, que foi centenas de milhares de crianças de sete a nove anos não serem alfabetizadas porque ficaram dois anos fora da escola. “São problemas tão grandes que não vão ser resolvidos sem boa ciência”, afirmou.

Valder Steffen Júnior, reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), representando na Jornada a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), classificou de “indevida e irresponsável” a dificuldade pela qual as universidades federais vêm passando e que já se arrasta por vários anos.

Segundo Steffen, o orçamento das federais deveria estar hoje em R$ 12,78 bilhões se apenas fosse corrigido pela inflação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde 2011. No entanto, o projeto de lei orçamentária para o 2025 prevê apenas R$ 6,57 bilhões, um déficit de mais de 50%. No mesmo período houve um aumento de 28% no número de matrículas somente na graduação das universidades federais, sem contar o grande avanço da pós-graduação, da pesquisa e da inovação.

“As universidades federais necessitam também de investimento para aquisição de equipamentos de laboratório, computadores, livros, mobiliários, adequações acessibilidade etc., que estão defasados como resultado de um período longo de desfinanciamento”, afirmou o representante da Andifes.

O mesmo aconteceu com as instituições de ensino profissional, que reúnem 780 unidades e 1,5 milhão de matrículas. Elias Monteiro, presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), disse que a área tem recebido recursos minguados ano a ano. “Estou aqui em nome dos institutos para fazer coro com todos vocês e dizer não ao corte da ciência e não ao corte da educação”, frisou Monteiro.

Fernanda Sobral, diretora da SBPC e membro do Conselho Deliberativo do FNDCT (CD-FNDCT), chamou a atenção para o déficit de infraestrutura de pesquisa, outro resultado desses anos de escassez de recursos “Diante das perdas que tivemos de recursos para ciência e tecnologia nos últimos governos, a nossa infraestrutura de pesquisa está dilapidada”, relatou.

Em âmbito estadual, as entidades de fomento à pesquisa científica, as chamadas FAPs, têm buscado ampliar o volume de recursos aplicados, mas Odir Dellagostin, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), ressaltou a queda dos orçamentos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), dois órgãos vitais no financiamento público voltado à pesquisa no país.

“O Brasil só vai conseguir avançar com investimentos mais robustos em CT&I, Educação, Saúde. Se há necessidade de ajustes fiscais no orçamento da União, vamos buscar alternativas, não vamos mexer em algo tão precioso, tão importante para nossa sociedade”, disse Dellagostin.

A diretora da SBPC e membro da instituição no Conselho Deliberativo do CNPq (CD-CNPq), Marimélia Porcionatto, falou da queda de recursos do órgão já no fim deste ano e como a instabilidade das fontes de financiamento da ciência prejudicam a pesquisa científica. “É muito difícil pensar em projetos de grande porte, projetos duradouros que vão realmente enfrentar problemas importantes da sociedade, por exemplo, as mudanças climáticas.”

Os insuficientes recursos para universidades e bolsas de estudos – apesar de uma recuperação parcial a partir de 2023 – têm se refletido em uma redução da ordem de nove mil pós-graduados no Brasil entre os anos de 2019 e 2022, como lembrou o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinicius Soares. “Isso nos coloca alguns sinais amarelos para que a gente possa refletir sobre o que está acontecendo e sobre os caminhos que a gente vai seguir”, comentou.

Nesse quesito, a situação do Brasil comparado a outros países é “lamentável”, na definição de Fabio Guedes Gomes, secretário executivo da Iniciativa pela Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br). “Por exemplo, no ano passado, somente a China formou 9 milhões de pessoas no seu sistema de graduação”, afirmou.

O ex-secretário executivo do Ministério da Educação (MEC), Luiz Claudio Costa, chamou a atenção para a necessidade de evitar erros do passado como o chamado “inverno científico” dos anos 1990, em que o país registrou um grande êxodo de cientistas para o exterior em resposta a baixos investimentos no domínio tecnológico e cortes em educação, pesquisa e desenvolvimento, essenciais para inovações. “Tem que ter o ajuste fiscal. Mas qual a forma de se fazer? É pensando no futuro, ou não?” questionou.

Nesse contexto, o cientista Aldo Zarbin, conselheiro da SBPC e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR), também membro do CD-FNDCT, fez uma associação com o recente protagonismo brasileiro nas negociações multilaterais. Na presidência do Grupo dos 20 (G20), formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo, mais a União Africana e a União Europeia, o governo brasileiro conseguiu a assinatura de todos os membros para uma ação global contra a fome e a pobreza. “Não é possível que se pense em acabar com a fome e a pobreza sem investimento perene em educação e Ciência e Tecnologia”, declarou Zarbin.

A Jornada pela Ciência e Educação está disponível na íntegra, pelo canal da SBPC no Youtube.

Fonte: Jornal da Ciência