O estudo contou com a participação de seis pesquisadores brasileiros de universidades federais, três deles da UFSC
Um estudo iniciado há 12 anos por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) revelou que as causas da extinção global de animais de grande porte — com mais de 44 kg — , conhecidos como megafauna, estão diretamente relacionadas com mudanças climáticas naturais que ocorreram entre os últimos 60 e 10 mil anos, durante o período geológico do Quaternário tardio. A conclusão refuta a hipótese mais defendida até então, de que a chegada dos grupos humanos aos continentes e ilhas foi o principal fator responsável pelo processo de extinção da megafauna no planeta.
O artigo Seasonality and desertification drove the global extinction of megafauna in the late Quaternary, ou Sazonalidade e desertificação levaram à extinção global da megafauna no Quaternário tardio, em português, foi publicado em setembro deste ano na revista científica Quaternary Science Reviews. O estudo contou com a participação de seis pesquisadores brasileiros de universidades federais, três deles da UFSC: Maurício Graipel e Jorge Cherem, do Centro de Ciências Biológicas (CCB), e Paul Momsen Miller, do Centro de Ciências Agrárias (CCA).
A pesquisa aponta que a dispersão humana nos continentes e ilhas ocorreu simultaneamente a momentos críticos nos parâmetros de obliquidade da Terra (ângulo de inclinação do planeta em relação ao Sol) e a baixos níveis atmosféricos de gás carbônico (CO2), que ocasionaram períodos de alta sazonalidade e desertificações no globo.
As variações de sazonalidade observadas pelos pesquisadores são um fenômeno climático descrito em períodos específicos da história terrestre, influenciados diretamente pelo aumento da obliquidade do planeta. Neles, há a intensificação de condições climáticas adversas, como estações severas, secas extremas e aumento da incidência de fogo.
Ao analisar os dados de sazonalidade registrados nos últimos 2,5 milhões de anos, durante o período Quaternário, evidenciou-se que nos últimos 60 mil anos houve dois períodos críticos do fenômeno, intercalados por um de desertificação. Os pesquisadores defendem que os momentos de alta sazonalidade, intercalados por baixos níveis de CO2 do período, ocasionaram o aumento significativo de mudanças climáticas em todo o globo, que, por sua vez, geraram grandes alterações na paisagem ambiental.
Segundo o biólogo especialista em ecologia e servidor técnico-administrativo da UFSC responsável pelo início da pesquisa em 2012, Maurício Graipel, os fenômenos causados pela sazonalidade e pela desertificação explicam cerca de 90% das extinções avaliadas pelo estudo no período, quando foram extintos mais de 100 gêneros e 150 espécies da megafauna, deixando 80 gêneros remanescentes.
Recursos naturais, ameaças e vulnerabilidades
Graipel explica que, com as alterações climáticas drásticas e a remodelação da paisagem, diminuíram os recursos de subsistência das espécies, como fontes de água, criando situações adversas à sobrevivência. “Quais animais mais sofrem quando há secas? Geralmente aqueles que são mais vulneráveis. Jovens elefantes, por exemplo, acabam sendo muito predados durante períodos críticos. A manada se alimenta numa região e busca água em outra, e, às vezes, esses recursos estão distantes. Os animais precisam se deslocar, e os filhotes mais jovens não conseguem acompanhar os adultos. E, no tempo em que estão sozinhos, ficam vulneráveis à predação”, diz.
Os pesquisadores argumentam que, com a retirada contínua de indivíduos de um mesmo grupo etário pelas condições adversas, cria-se um vazio na estrutura populacional, reduzindo os indivíduos reprodutivamente ativos. Se mantida por dezenas ou centenas de anos, essa condição pode levar uma população à extinção em uma região, ou mesmo a espécie como um todo, se afetada em toda sua área de distribuição.
O estudo dos cientistas da UFSC diverge da hipótese mais defendida até então de que a chegada das populações humanas caçadoras aos continentes foi o principal fator responsável pela extinção da megafauna no Quaternário tardio. “Esses fenômenos climáticos, que afetaram o globo como um todo, geraram diferentes condições em cada região do planeta. Verificamos que a extinção dos gêneros avaliados em regiões continentais possuiu aproximadamente 90% de relação com um dos fatores climáticos, alta sazonalidade ou desertificação. Enquanto a ação humana teve influência direta na extinção de apenas 30% desses animais”, afirma Graipel.
Foi observado que os grupos humanos exerceram maior influência na extinção de espécies em ilhas isoladas, locais como Madagascar e Nova Zelândia, o que pode estar relacionado à mudança tardia no modo de subsistência das populações, de caçador-coletor para agricultor. De acordo com Graipel, a hipótese enfraquece o argumento sugerido por defensores da tese do protagonismo da ação humana sobre as extinções, que se baseia na “ingenuidade” da fauna à presença humana recém-chegada.
Os sobreviventes e a atual megafauna
Entre os 103 gêneros da megafauna extintos, estavam 46 megaherbívoros — com mais de uma tonelada —, como os mamutes, e grandes felinos — de até 400 kg —, como os tigres-dente-de sabre, que, em sua maioria, habitavam as Américas. De acordo com os pesquisadores, a principal característica que permitiu a sobrevivência dos 80 gêneros restantes da megafauna foi seu período de amadurecimento e reprodução mais curto, o que tornou as espécies menos suscetíveis a morrerem jovens, antes de deixarem filhotes. Na América do Norte, por exemplo, nenhuma espécie de megafauna com mais de três anos para alcançar maturidade sexual permaneceu no continente.
Dentre as regiões afetadas pelas mudanças climáticas, o continente africano foi o menos atingido pelas extinções. Das 48 espécies de megafauna que habitavam a África, 38 sobreviveram e dez se extinguiram. Graipel destaca que outro fator que pode ter garantido a sobrevivência da megafauna em continentes como a África foi a capacidade de dispersão geográfica dos animais por ambientes equivalentes aos que habitavam anteriormente.
Segundo o biólogo e ecologista, o alto índice de sobrevivência dos grandes animais africanos pode ser explicado pela ampla extensão latitudinal do continente, que abrange os hemisférios norte e sul do globo terrestre, e pelo efeito Seesaw. “O efeito Seesaw pode fazer com que ocorra um período de grande seca no hemisfério sul, enquanto no hemisfério norte essa condição seja mais amena. Na África, isto permitiu que as espécies pudessem migrar de um hemisfério para o outro. Ou mesmo que se extinguissem no hemisfério norte, poderiam recolonizar-se no sul, por exemplo.”
Extinções em massa ontem e hoje
A importância da pesquisa não está apenas na compreensão da extinção das espécies há milhares de anos, mas também na maneira que as conclusões acerca das mudanças climáticas podem ser aplicadas no mundo atual, defende Graipel. “É muito importante que se entenda que o homem atualmente está levando muitas espécies à extinção em um período que é intermediário, em que normalmente as espécies não se extinguem, não desaparecem. O efeito da ação humana durante este período, que é intermediário de obliquidade e de alta concentração de CO2, é muito intenso. Ele está destruindo e reduzindo habitats, e eliminando espécies em todo o mundo”, relata.
De acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o ser humano foi responsável pela extinção de 777 espécies animais desde 1500 — número cinco vezes maior do que a extinção estudada pelos pesquisadores da UFSC, e em um espaço de tempo 60 vezes mais curto. A IUCN também indica que a ação humana causou a extinção de quase 600 espécies vegetais desde 1750. A velocidade de extinção das plantas foi 500 vezes maior do que a natural.
Segundo a ONG World Wide Fund for Nature (WWF), hoje, é estimado que o ritmo de extinção das espécies está entre mil e 10 mil vezes acima da taxa natural, sem interferência humana. Os especialistas calculam que entre 0,01% e 0,1% de todas as espécies do planeta são extintas anualmente, o que representa o desaparecimento de 200 a 2 mil espécies conhecidas pela ciência.
“Esse estudo mostra que o efeito humano atual é absurdamente grande sobre o clima. Neste momento, as alterações climáticas estão sendo provocadas pelo homem. São duas situações: o homem está causando alterações climáticas como nunca nenhum outro organismo conseguiu fazer e, ao mesmo tempo, ele está alterando os ambientes por ação direta, levando muito mais espécies à extinção. Se essa condição não for revertida, teremos uma quantidade de extinção talvez muito maior do que a que ocorreu em torno de 50 mil anos atrás”, alerta Graipel.
Fonte: Notícias UFSC