O aluno é prejudicado na velocidade da leitura, na precisão daquilo que lê e, sobretudo, na fluência, afirma pesquisadora
Dados recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, em 2019, 54,8% das crianças avaliadas a partir de provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foram consideradas alfabetizadas. Dois anos depois, esse porcentual foi para 49,4%. Metade dos alunos brasileiros, na faixa dos 7 anos, não consegue ler nem escrever de uma forma minimamente adequada. A alfabetização é um dos principais fatores que contribuem para o déficit na leitura infantil.
Essa deficiência traz várias consequências: dificuldade de compreender corretamente as palavras, no sentido daquilo que é lido e, por outro lado, há um problema de letramento, que é a falta de uso da alfabetização na vida cotidiana, destaca a professora Carlota Boto, diretora da Faculdade de Educação da USP. “Eu penso que isso é fundamental para ocasionar esse déficit de leitura dos alunos brasileiros. As consequências dessa dificuldade são justamente o surgimento do analfabetismo funcional e a crise do letramento. As crianças não conseguem se concentrar na leitura de textos mais longos, perdem o foco, não possuem a perseverança de continuar na leitura de um texto que pode parecer, a princípio, mais difícil. Um bom leitor é aquele que enfrenta muitas vezes a brutalidade do texto.”
Mudanças para pior
Mudanças no ensino, como a falta da leitura em voz alta, causam vários problemas sérios. O aluno é prejudicado na velocidade da leitura, na precisão daquilo que lê e sobretudo na fluência. A pedagoga se refere a “um aluno que lê sílabas, mas não identifica as palavras, um aluno que lê palavras, mas não as reconhece numa lógica da frase, lê o som, mas não consegue identificar o sentido daquilo que constitui o significado do que está lendo. Para que haja uma boa fluência é preciso ensinar a entonação. Mas, para que se ensine a entonação, é fundamental o fomento à leitura em voz alta, uma prática que era muito comum no ritual da escola tempos atrás, mas que, com o passar dos anos e à luz das novas teorias pedagógicas, deixou de existir”.
As crianças não leem sons, elas leem significados e, se ela não compreendeu o significado, esquece muito rapidamente aquilo que acabou de ler. Por esse motivo, o estímulo à leitura é a melhor forma de reverter essa realidade. Também é necessário que o profissional do Ensino Fundamental seja um estudioso da leitura infantil para mudar essa realidade, destaca a professora. “É preciso estimular o hábito da leitura, seja em voz alta, seja com maneiras lúdicas de ensinar a leitura, seja fazendo com que as crianças ensinem umas às outras. As crianças gostam de trabalhar em conjunto, elas gostam de ler uma com a outra, elas gostam de corrigir o caderno do coleguinha.”
Os benefícios do professor de Ensino Fundamental ser um estudioso da literatura infantil são sua interação com os temas e os problemas trabalhados nos livros, que podem despertar a curiosidade intelectual da criança. Para que isso dê certo, são necessários os cursos de formação de professores de pedagogia, com uma boa formação no campo da alfabetização e no campo da literatura infantil, afirma a professora Carlota. A participação dos pais no incentivo à leitura é essencial. É importante que eles mostrem a relevância do ato de ler. “O gosto pelo ato de ler deve ser incentivado. É preciso que as crianças vejam os adultos que com elas convivem lendo, sejam os pais ou os professores. Muitas vezes os professores criam em sala de aula um momento de leitura. Então, durante uma meia hora, 15 minutos que seja, as crianças ficam sentadas lendo e o professor lendo junto com elas, silenciosamente. É preciso que o professor também tenha momentos de incentivar a classe a fazer a leitura em voz alta. Isso ainda é um hábito que deve ser incentivado.” Antes de finalizar, Carlota lembra que levar a criança na biblioteca, na livraria, também ajuda.
Fonte: Jornal da USP