Fórum teve como tema “Excelência acadêmica, inclusão e diversidade, avaliação e rankings”
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) organizaram, no dia 29 de outubro, mais uma edição do Fórum Permanente de Educação Superior ABC/SBPC. O fórum ocorre toda última semana do mês e traz dois especialistas para pensarem juntos o futuro do sistema de ensino superior brasileiro. No próximo dia 7 de novembro, a ABC promoverá o lançamento do documento “Um Olhar sobre o Ensino Superior no Brasil”, elaborado por um grupo de trabalho de especialistas reunidos pela ABC e que incorpora muitas das deliberações dos fóruns passados.
Para esta edição, o fórum teve como tema “Excelência acadêmica, inclusão e diversidade, avaliação e rankings” e recebeu a socióloga Rosana Heringer, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ), onde coordena o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (Lepes); e a jornalista Sabine Righetti, co-fundadora da Agência Bori e pesquisadora do Laboratório de Jornalismo Científico da Universidade de Campinas (Labjor – Unicamp).
Permanência estudantil: desafio docente e institucional
A pesquisadora Rosana Heringer acompanha de perto a evolução do debate sobre ações afirmativas e cotas nas universidades brasileiras. Duas décadas atrás, a ideia era vista com desconfiança, pois considerava-se que tornar o ensino superior inclusivo era inconciliável com a manutenção de sua qualidade. Hoje, sabemos que o experimento foi bem-sucedido e alterou profundamente o perfil dos alunos universitários brasileiros. Desde 2010, a porcentagem das vagas reservadas para ações afirmativas cresceu de 6% para 35% nas universidades públicas. “Essas políticas ganharam legitimidade, tanto legal, com o reconhecimento de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quanto na opinião pública”, avaliou a palestrante.
O desafio agora é garantir a permanência desses estudantes. Essa é uma questão recente pois, durante muito tempo, as universidades receberam ‘alunos prontos’, oriundos das melhores escolas particulares e com suporte familiar para se manterem. “Hoje entendemos que a permanência estudantil é uma responsabilidade individual de cada professor e também coletiva, do corpo universitário. É preciso um acompanhamento dos estudantes desde o primeiro dia, pois boa parte das desistências ocorrem nos primeiros semestres”, explicou.
Em 2015, 68% das universidades federais possuíam uma pró-reitoria ou órgão equivalente voltado à assistência estudantil. Esse número saltou para 97% em 2023, mostrando que políticas de permanência estão se institucionalizando. Ainda assim, seguem existindo resistências e dificuldades das instituições em integrar plenamente seus alunos cotistas. “É preciso entender que a permanência estudantil é multifatorial, depende de questões econômicas, educativas e também simbólicas. Nossas instituições convivem com restrições orçamentárias, mas muitas ações não custam quase nada”, insistiu Heringer.
Ou seja, não se consegue a permanência apenas com bolsas e auxílios financeiros, mas promovendo atividades que ajudem esses alunos a acompanharem o aprendizado, através de programas de mentorias e monitorias, cursos adicionais de língua estrangeira e incentivo aos professores que acolhem e entendem as dificuldades de seus alunos. Já os fatores simbólicos dizem respeito à promoção de espaços de escuta ativa e de coletivos que representem recortes específicos do corpo estudantil, como aqueles voltados à alunos negros ou indígenas, alunos com deficiência, alunas mães ou alunos LGBTQIA+, entre outros segmentos com desafios específicos dentro da academia.
“Em suma, é preciso responsabilidade institucional com esses estudantes. Apoio financeiro é necessário, mas não basta. Há a necessidade de acompanhar o percurso e incentivar redes de apoio. É preciso também entender quais as dificuldades dentro de cada curso para gerar soluções específicas. Acima de tudo, o papel da sala de aula e do professor é central”.
Rankings universitários: o que é uma boa universidade?
A jornalista Sabine Righetti foi uma das idealizadoras do Ranking Universitário da Folha (RUF), que em 2024 chegou à sua décima edição. A ideia surgiu em seu doutorado e foi desenvolvida a partir dos dados disponibilizados graças à recém promulgada Lei do Acesso à Informação (LAI). “O RUF foi o primeiro grande exercício jornalístico de coleta de dados com a LAI. Foi feita uma coletânea de informações gigantesca, uma planilha de mais de 4 milhões de campos!”.
Mesmo assim, a pesquisadora reforça que os dados avaliados no RUF são limitados pelo possível. “Por exemplo, recebo um grande número de sugestões de reitores que pedem para que o ranking avalie suas instituições com base na empregabilidade de seus alunos, ou do impacto na sua região. O problema é que não existem dados disponíveis que possamos incorporar. São necessários cruzamentos de dados que não conseguimos acesso”, explicou.
Dessa forma, grande parte dos dados possíveis para os rankings tem a ver com a pesquisa científica. Informações como número de publicações, citações e fatores de impacto tendem a ser mais facilmente acoplados e colocam, com todos os méritos, as universidades mais prestigiadas no topo. O lado ruim é que instituições com papel fundamental na formação de pessoas, sobretudo em regiões interioranas, são avaliadas na mesma ótica das universidades de pesquisa de ponta. “Nós não vamos ter instituições homogêneas para a diversidade de alunos e realidades brasileiras. As universidades são boas quando estão contribuindo com a sua missão, que pode ser ter impacto local ou fazer pesquisa internacional. Universidades como a Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que tem, inclusive, alunos indígenas que não falam português, não podem ter o mesmo critério de avaliação da USP. Mas pelas nossas leis elas têm a mesma missão”, criticou Righetti.
O ponto fundamental é que a própria definição do que é uma boa universidade está em constante evolução. O Ranking de Shangai, um dos principais rankings internacionais de universidades, tem como um de seus critérios o número de laureados do Nobel no corpo docente. Entretanto, pesquisas recentes já mostram que professores próximos ao aluno, engajados e ativos, são mais fundamentais para suas carreiras do que professores premiados. “A ideia de ter um mentor, como um orientador de TCC, mas que acompanhe o aluno durante toda a graduação, é mais impactante do que ter um professor com Nobel. Então, afinal, o que é uma boa universidade?”, refletiu a pesquisadora.
Fonte: Jornal da Ciência