SBPC protocolou representação junto ao Ministério Público de Santa Catarina sobre o caso
Desde agosto, a secretaria regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Santa Catarina vem acompanhando com atenção o indeferimento sistemático de bolsas de mestrado, doutorado e de pós-doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina (Fapesc), que considera que ocorre “de forma discriminatória e sem respaldo científico”. Ao todo, segundo a SBPC, são 16 projetos, submetidos por Programas de Pós-graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que têm em comum relação com o campo de estudos de gênero, sexualidades e diversidades, movimento sociais e ativismos políticos, estudos decoloniais e expressões artísticas.
A instituição, ligada ao governo estadual, afirmou nesta sexta-feira, dia 25, à Folha de S.Paulo, “que as propostas não serão financiadas porque não contribuem com o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação no estado, exigência da chamada pública”.
Conforme a SBPC, os editais de chamada pública Fapesc nº 18, 19 e 20/2024 foram lançados no mês de maio e se dirigiam aos Programas de Pós-graduação (PPG) que deveriam submeter propostas de concessão de bolsas. Uma vez avaliadas e aprovadas as propostas, os próprios programas deveriam indicar bolsistas para a implementação das bolsas a partir de agosto. Contudo, ao longo daquele mês, alguns PPGs contemplados nos editais receberam correspondência da Fundação recusando o aporte de recursos para bolsistas indicados, argumentando falta de “correlação direta entre os temas dos projetos e o desenvolvimento regional do Estado”.
“O indeferimento dessas bolsas teve como base critérios opacos, genéricos e dissociados da natureza universal dos respectivos editais, caracterizando evidente restrição aos campos de estudos já mencionados e prejudicando estudantes e pesquisadoras/es de diversas áreas como Antropologia, Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências da Informação, Ciências Sociais, Design, História, Linguística, Relações Internacionais, Serviço Social e Filosofia”, pontua a SBPC.
A entidade explica que desde setembro busca formas de reverter esse quadro e alertar as instituições e a população em geral para a gravidade da situação. Nesta sexta-feira, dia 25, a SBPC levou o caso ao Ministério Público de Santa Catarina na expectativa que as medidas legais sejam devidamente tomadas.
“Ciência, tecnologia e inovação incluem todas os campos científicos, sem distinção ou discriminação temática”, defende SBPC
A SBPC defende que o “ecossistema de ciência, tecnologia e inovação deve, por princípio, incluir todas as áreas da ciência sem discriminação e considerar que todos os campos científicos – com seus objetos, preceitos teóricos e metodologias próprias -, contribuem para a solução de problemas da sociedade brasileira e catarinense. Ou seja, a aderência ou não de um projeto ao ecossistema de ciência, tecnologia e inovação de SC deve ser avaliada por critérios científicos e não temáticos”.
A entidade aponta ainda que “em se tratando especialmente do desenvolvimento regional de SC e das necessidades das comunidades locais, deve-se pontuar também que os projetos recusados propõem pesquisas sobre grupos vulneráveis e populações historicamente marginalizadas ou invisibilizadas, como mulheres, pessoas LGBTQIA+, comunidades indígenas com enfoques na saúde, nas artes, no acesso a direitos etc“.
A SBPC destaca ainda que o Estatuto da Fapesc, sua política de bolsas e sua política geral de ciência, tecnologia e inovação não dispõem de qualquer documento que esclareçam ou definam os temas aderentes ao ecossistema de CT&I do estado. Pelo contrário, o relatório da última Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (7ª CECTI), realizada em abril de 2024 no contexto da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, resultou em um relatório que destaca, entre outras prioridades, a necessidade de “garantir a participação ativa de comunidades diversas, especialmente grupos socialmente excluídos, e promover a equidade de gênero na CTI”. Além disso, destaca a importância de se “implementar programas educativos que enfatizem a democracia, a equidade e a não descriminação e que visem cultivar uma cultura inclusiva no ambiente de CTI”.
“Dada a falta de transparência quanto aos critérios considerados pela Diretoria Executiva da Fapesc para avaliar e decidir sobre a correlação entre os temas propostos pelos projetos e o desenvolvimento regional do Estado, parece evidente que a Fundação descumpre as políticas nacional e estadual para o desenvolvimento científico, pesquisa e capacitação tecnológica ao impedir a implantação das bolsas para os projetos supracitados, com base em uma clara discriminação temática dirigida a um campo específico e multidisciplinar da ciência. A pesquisa livre e independente é princípio inalienável da produção científica e tecnológica de um Estado e de um país. É preciso ter clara a diferença entre o apreço pela ética e o rigor científicos e a discriminação arbitrária de temas, baseada principalmente em critérios políticos e ideológicos. A Fapesc tem um papel fundamental e histórico no desenvolvimento científico catarinense e, para que esse papel esteja garantido, é crucial que a Fundação preserve sua autonomia e qualificação na avaliação dos projetos e no tratamento isonômicos de todas as distintas áreas do conhecimento”, finaliza a SBPC.