Levantamento mostra que apenas 9% dos professores da UFSC se autodeclaram negros

Universidade deve deve demorar 150 anos pra atingir mínimo de 20% de servidores negros, mostra relatório

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem um déficit de equidade racial no conjunto dos seus servidores que levará muitos anos para ser equacionado, caso não altere as regras dos concursos que realiza. Esta é uma das realidades reveladas pelo “Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC“, elaborado por um grupo de trabalho formado por pesquisadoras e pesquisadores de diversas áreas da Universidade. Entre os dados apontados, caso a UFSC continue com o ritmo atual de contratações, o percentual mínimo de 20% de pessoas negras exigido por lei só será alcançado em 2035 entre os servidores técnico-administrativos em educação (TAEs) e no ano de 2173 entre os docentes.

De acordo com o documento, atualmente 16,4% dos servidores técnico-administrativos da UFSC são autodeclarados pretos, pardos ou indígenas (PPI). Entre os professores, este percentual é de apenas 9,1%, ainda muito distante do mínimo legal de 20%. Apesar de vigorar há dez anos, a lei que reserva a negros 20% das vagas oferecidas nos concursos para cargos e empregos no Governo Federal (Lei 12.990/2014) tem sido pouco efetiva em promover a equidade racial no serviço público. Tramita, no Congresso Nacional, uma lei que eleva para 30% este percentual.

Lia Vainer Schucman, professora do Departamento de Psicologia e pesquisadora da área de equidade racial aponta que outras Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) já estudam a implementação de políticas antirracistas visando à ocupação de vagas de forma a cumprir a lei. “Vemos situações semelhantes em Sergipe, Minas Gerais, Pelotas, em universidades que também buscam implementar mudanças para esse passo importante rumo à democratização do ensino superior”, ressalta a pesquisadora. “Se continuarmos com as mesmas ações, sem avaliação e sem planejamento de mudanças necessárias, a equidade racial não será alcançada”, alerta.

Lia integra o Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional do qual também faz parte o professor Lindberg Nascimento Júnior, do Departamento de Geociências. Segundo ele, o número, nos últimos 10 anos (2015 a 2024), de docentes empossados na UFSC foi de 1.142 pessoas, ou 114,2 docentes empossados em média por ano – destes, apenas 19 professoras e professores são negros.

“Isso resulta na distribuição de docentes brancos de 98,3%, contra 1,7% de docentes negros empossados no périodo (19 em 10 anos, ou a média de 1,9 por ano). Se consideramos, a reserva de vagas (20%) neste periodo, pelo menos 228,4 deveriam ter sido destinadas para docentes negros”, aponta. “Esse quadro resulta no déficit de 209,4 de vagas consideradas defasadas. Se a comunidade acha que isso está tudo bem é que tudo vai muito mal. Esperamos que todos colaborem para esta mudança!”, adverte.

A vice-reitora Joana Célia dos Passos chama a atenção sobre o assunto: “É muito importante que a comunidade universitária conheça os dados do racismo institucional que atravessa cada setor da UFSC e que possa se comprometer com a criação de políticas públicas que promovam a equidade na Universidade. O racismo institucional não é algo abstrato. Ele é produzido diariamente pelas pessoas. Eliminar as barreiras que têm sido naturalizadas nas práticas administrativas e acadêmicas é um compromisso da nossa gestão”, afirmou.

De acordo com dados apresentados pela secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial (MIR) Márcia Lima, entre 2014 e 2019 o número de servidores negros na esfera federal aumentou apenas 2%.

Estudantes

Na parte do relatório dedicada ao perfil racial dos estudantes, os números mostram um aumento gradual da participação de pretos, pardos e indígenas (PPI) no conjunto dos discentes. Atualmente o corpo discente da UFSC é composto por 79,7% de estudantes autodeclarados brancos e amarelos (BA) e 18,5% de autodeclarados PPI. Também melhoraram os índices relacionados a abandono de curso e formaturas de pessoas negras.

No entanto, ainda persistem situações de desigualdade e desafios a superar. A maior diversidade racial na UFSC, proporcionada em grande parte pelas Políticas de Ações Afirmativas, estagnou nos anos mais recentes. Além disso, o relatório mostra que estudantes brancos e amarelos têm grande predominância no acesso a bolsas e estágios não obrigatórios.

O reitor Irineu Manoel de Souza lembra que a UFSC foi uma das instituições pioneiras na reserva de vagas para estudantes negros, quatro anos antes da lei federal que instituiu esta política de ação afirmativa em nível nacional. E cita que a atual gestão estendeu essa política para a educação básica, com reserva de vagas para ingresso no Colégio de Aplicação (CA) e no Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI).

“Uma das diretrizes da nossa gestão é o apoio à permanência estudantil, e destinamos prioritariamente recursos do orçamento para isso”, destaca o reitor. Entre outras ações para apoio à permanência, o reitor cita a universalização do Programa de Assistência Estudantil a Indígenas e Quilombolas (PAIQ): agora, todo indígena em condição de vulnerabilidade que ingressa na UFSC tem direito ao benefício.

“O estudo nos mostra que houve avanços na permanência estudantil e na conclusão de curso por parte de estudantes negros”, diz o reitor, reconhecendo que a Universidade ainda pode aperfeiçoar algumas ações. Neste sentido, o professor Irineu destaca a diretriz para garantir prioridade para estudantes indígenas e negros nos editais para contratação de bolsistas pelas unidades administrativas e de ensino da UFSC.

Em relação à disparidade racial entre os servidores, o reitor informa que o relatório traz algumas sugestões de intervenção e que um grupo se dedica a apontar caminhos e mecanismos para atender à legislação e avançar na direção da equidade racial.

O mapeamento, segundo a pró-reitora de Ações Afirmativas e Equidade da UFSC, Leslie Chaves contribui para “a geração de informações sobre a situação atual e a projeção de cenários futuros a partir da proposição de diferentes ações”. O diagnóstico é parte das atividades de monitoramento e avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo, conforme indicações da Resolução Normativa Nº 175/2022/CUn, que dispõe sobre a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional em suas diferentes formas de manifestação no âmbito da UFSC.

Estratégias recomendadas

O Grupo de Trabalho recomenda, no Relatório, medidas urgentes e gradativas para que a UFSC possa alcançar o percentual mínimo de 20% de servidores negros. Mudanças nos editais de concursos públicos, que levem em consideração o percentual de ocupação de vagas para pessoas negras nos setores administrativos e nos Centros de Ensino, ou que busquem garantir a ocupação de vagas por pessoas negras até que o percentual mínimo seja atingido são algumas das recomendações.

Em julho de 2024 o Gabinete da Reitoria instutiu uma Comissão a fim de elaborar uma revisão à Resolução Normativa Nº 34/CUn/2013, que estabelece mudanças às normas para o ingresso na carreira do magistério superior. A comissão é formada por pessoas da Administração Central e membros do Grupo de Trabalho de Enfrentamento ao Racismo Institucional, e levará em consideração as recomendações dos diferentes GTs da UFSC que já analisaram o tema.

Apresentação

Os dados do relatório foram apresentados e subsidiaram os debates do seminário “Ações Afirmativas em Concursos para Negros – o contexto nacional e a UFSC”, realizado no dia 15 de julho, na UFSC. O seminário foi organizado pela assessora institucional do Gabinete da Reitoria, Miriam Hartung, e teve como palestrantes convidados a secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial (MIR), Márcia Lima; o professor e pesquisador do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (PR), Delton Aparecido Felipe; a procuradora do Ministério Público Federal Analucia Hartmann e o procurador-chefe da Procuradoria Federal junto à UFSC, Juliano Scherner Rossi.

O professor do Departamento de Geociências da UFSC Lindberg Nascimento Junior e a professora Lia Vainer Schucman, do Departamento de Psicologia, membros do GT responsável pelo levantamento, apresentaram o relatório e participaram dos debates, que foram mediados pela pró-reitora Leslie Sedrez Chaves. A primeira mesa do seminário foi formada pelo reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, pela vice-reitora Joana Célia dos Passos e pela professora Miriam Hartung, que deram as boas-vindas aos presentes.

Em seguida, foi formada nova mesa com os palestrantes convidados. O professor Lindberg apresentou o Relatório de Monitoramento e Avaliação da Política de Enfrentamento ao Racismo na UFSC, com comentários da professora Lia.

::: Consulte a íntegra do Relatório
::: Conheça a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional na UFSC
::: Leia o Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional na UFSC
::: Veja o vídeo do seminário “Ações Afirmativas em Concursos para Negros – o contexto nacional e a UFSC”

Fonte: Notícias UFSC