*Por Camilo Buss Araujo
Estamos às vésperas da eleição da nova Diretoria da Apufsc-Sindical e os ânimos parecem aflorar diante das diferentes perspectivas sobre o funcionamento do sindicato dos professores. Em artigo recente intitulado “A quinta coluna da academia brasileira”, o professor Alejandro Mendoza adota a expressão para enquadrar os professores que se posicionaram de forma distinta da que ele pensa. Esse termo tem uma história e conhecê-la permite dimensionar o tamanho da agressividade e da ofensa que ele provoca.
Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), as tropas fascistas lideradas pelo general Francisco Franco organizaram-se em quatro colunas para tomar Madri e derrubar o regime republicano. A “quinta coluna” seriam os civis que atuaram dentro do território controlado pelos republicanos com objetivo de sabotar o regime e ajudar os fascistas. Portanto, quinta coluna é um traidor e adepto do fascismo. Simples assim.
Ao relembrar a greve na UFSC, o professor Alejandro usou esse termo para designar os professores que defenderam a assinatura do acordo com o governo. Traidores, sabotadores do “movimento”. Fascistas?
Nas palavras do próprio professor, “uma elite de professores titulares” que usa o sindicato para “domar uma massa de docentes” e costura acordo com a “ala neoliberal do governo”. Essa seria a evidência, ainda segundo o professor, de que a categoria “não tem consciência de classe”.
É estarrecedor que tenhamos chegado a esse tipo de retórica e nível de virulência. Mas não surpreende. Quem presenciou as assembleias de greve pôde perceber como o “comando” atuava para inflamar os presentes e apontar o dedo para os vilões da vez: o governo Lula e a Diretoria do sindicato. Aqui cabe o registro: uma das pessoas que compunha tal “comando de greve” é a candidata à presidência do sindicato pela Chapa 2.
Ao que parece, há uma ideia meio fantasiosa, meio messiânica, de que bastaria à Diretoria do sindicato estalar os dedos para construir um movimento forte, vigoroso e uníssono em defesa dos “verdadeiros” interesses da categoria docente. O inimigo? O governo Lula e sua ala neoliberal. E quem discordar desse ponto de vista? Quinta coluna!
Pode parecer simplista, mas tal retórica carrega um importante componente de mobilização. Compreender que a categoria docente é plural e heterogênea não dá engajamento. Ponderar sobre o jogo de forças políticas que operam no Congresso Nacional e que tomam para si parte considerável do orçamento do Executivo não são argumentos válidos. Acusar, ofender e, principalmente, atribuir ao outro características desprezíveis, isso sim gera engajamento e mobilização. Nesse caso, os fatos importam menos do que o objetivo final: criar uma narrativa de que há uma disputa entre “os verdadeiros representantes dos professores” e os “traidores”.
Como apontei em artigo anterior, é a mesma retórica do cidadão “de bem” que marcha aos domingos de verde e amarelo. Quem não é “do bem”, é um traidor. Quem não concorda com o “comando de greve”, que emana “os verdadeiros interesses da classe de professores”, é um “quinta coluna”. Um traidor, que “doma” os professores que não possuem “consciência de classe”.
Há uma certa prepotência nessa linha de pensamento, mas não surpreende. A ideia é inflamar e engajar. Todavia, há uma distância oceânica entre o discurso e a prática. Cabe aqui fazer alguns questionamentos para estabelecer essa diferença: Quantas greves o grupo da faixa “Lula, a culpa é sua, a greve continua” fez durante o governo anterior? Resposta: Zero. Alguns dirão, “mas isso é responsabilidade da Diretoria do sindicato”. Pois bem, por que não usaram o mesmo expediente desse ano, abaixo-assinado com 5% dos filiados convocando assembleia para deliberar greve por tempo indeterminado contra o governo anterior, cujo ministro da Educação afirmava que as universidades federais tinham “plantações extensivas de maconha e laboratórios para fabricar metanfetamina”? Eis uma boa pergunta para a qual não tenho resposta, apenas algumas suposições.
O que parece claro é que quando temos um governo de caráter mais progressista (mesmo que com todas as limitações), que se propõe a defender os serviços públicos, os arautos dos “verdadeiros interesses” dos trabalhadores aparecem com os bordões da luta contra o neoliberalismo e a privatização. No entanto, enquanto houve um governo de fato neoliberal, com propostas como o Future-se e a Reforma Administrativa, os tais demiurgos da luta de classes se esconderam, ficaram falando para seus próprios grupos. Num linguajar futebolístico: leão com Lula, gatinho com os outros.
A história não se repete, mas rima. Afinal, esse mesmo grupo defendeu fazer greve contra o Reuni. Na visão dessa turma, o Reuni era neoliberal e encaminhava a privatização das universidades federais. Era verdade? A história diz que não. Aí cabe mais uma pergunta, visto que o professor Alejandro afirma que o acordo assinado com o governo seria um ardil contra os professores novos. Estaríamos nós, os professores novos, no quadro docente da UFSC, não fosse o Reuni? Provavelmente não. Mas isso ficou no passado.
A irresponsabilidade política é facilmente esquecida. No caso da rejeição ao Reuni, o ministro da Educação da época, Fernando Haddad, era criticado tanto pelo esquerdismo com o discurso da “privatização” quanto pelos apoiadores do “Deus mercado” pelo possível aumento das contas públicas.
Muitas práticas permanecem e a irresponsabilidade política também. Exemplo disso foi a orientação do chamado “comando” de não aceitar o resultado que estabeleceu o fim da greve. Os líderes desse movimento de desrespeito à deliberação da categoria jogaram uma parte considerável dos professores em um quadro perigoso de insegurança jurídica. Afinal, não havia mais greve e ainda assim se recusaram a trabalhar. Claro que sabiam que não haveria nenhuma punição administrativa. Mas teriam agido da mesma forma se fosse no governo anterior? Ou não fariam nada por medo de ter seus salários descontados?
Não temos como saber a resposta porque, como é bom lembrar mais uma vez, durante o governo Bolsonaro essa turma não quis fazer greve. Quinta coluna é quem mesmo?
*Camilo Buss Araujo é professor de História e Estudos Latino-americanos do Colégio de Aplicação (CA/CED) e ex-vice-presidente da Apufsc-Sindical