Metade das unidades de conservação do país está ameaçada por espécies exóticas invasoras, alertam cientistas

Estudo publicado na revista Biological Invasions teve participação de professora do Departamento de Ecologia e Zoologia da UFSC

Um estudo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Biological Invasions na última sexta-feira, dia 27, mostra que 561 unidades de conservação do país registram mais de 5,6 mil ocorrências de espécies exóticas invasoras. São animais, plantas, samambaias, microrganismos, algas e musgos catalogados em 327 unidades de conservação estaduais e 234 federais, o que representa mais da metade do total destas áreas no Brasil. As regiões mais afetadas estão ao longo da costa, especialmente no bioma da Mata Atlântica, no Sul e Sudeste. Atualmente as espécies exóticas estão entre as cinco principais causas de perda de biodiversidade.

Espécies exóticas estão entre as cinco principais causas de perda de biodiversidade. Na foto, a abelha-africanizada (Apis mellifera). Crédito: Christopher T. Blum/Divulgação
Espécies exóticas estão entre as cinco principais causas de perda de biodiversidade. Na foto, a abelha-africanizada (Foto: Christopher T. Blum/UFSC/Divulgação)

Para Michele Dechoum, professora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora do estudo, o bioma onde está inserida a unidade de conservação é determinante para a presença das invasoras. “Embora espécies exóticas invasoras já tenham sido identificadas em todos os ecossistemas terrestres e aquáticos no Brasil, nossa análise mostra uma concentração clara ao longo da costa, principalmente na Mata Atlântica, uma área de alta prioridade para conservação, mas com alta pressão antrópica, como urbanização, o que aumenta a propagação das espécies invasoras”, explica. O bioma amazônico foi o que apresentou o menor número de espécies invasoras, “mas isso pode estar relacionado à menor quantidade de estudos na região e ao desafio de gerenciar grandes áreas protegidas”, pondera Dechoum.

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O tipo de unidade de conservação também influencia na ocorrência da ameaça das espécies invasoras. “Surpreendentemente, áreas de uso sustentável, como Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável, apresentaram menos espécies exóticas invasoras”, comenta Dechoum. Em contraste, parques nacionais e estaduais, que são voltados mais estritamente para a conservação da biodiversidade, abrigam mais espécies exóticas invasoras. “Isso pode ser explicado pelo turismo e recreação, que são importantes vias de introdução de espécies exóticas”, acrescenta a pesquisadora.

Outro aspecto que influenciou na ocorrência das invasoras nas áreas protegidas é a data de criação. Unidades de conservação mais recentes abrigam menos espécies exóticas invasoras do que as mais antigas. “Uma possível explicação pode ser a escolha de áreas menos impactadas para a criação de novas unidades de conservação ou ainda o fato de planos de manejo atuais serem mais resumidos, portanto sem informação disponível sobre ocorrências de invasoras”, avalia Ana Luiza Figueiredo, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSC.

Plantas, peixes e mamíferos foram os grupos com mais registros de invasoras nas unidades de conservação. Chama a atenção no topo da lista os animais domésticos como cães e gatos, cuja ocorrência está diretamente relacionada à presença humana. “O controle dessas espécies invasoras é um grande desafio, pois envolve valores afetivos e conscientização da população que vive dentro e nos arredores das unidades de conservação, pois trata-se de espécies que podem causar bastante prejuízo à fauna nativa, por meio de predação, transmissão de doenças, competição por habitat e recursos”, explica a professora Dechoum.

As áreas mais afetadas estão ao longo da costa, especialmente no bioma da Mata Atlântica. Na imagem, a espécie pinus sp. Crédito: Michele Dechoum/Divulgação
As áreas mais afetadas estão ao longo da costa, especialmente no bioma da Mata Atlântica. Na imagem, a espécie pinus sp (Foto: Michele Dechoum/UFSC)

Outro fator percebido é a baixa notificação de peixes e invertebrados invasores nas áreas protegidas. Segundo o Relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos de março de 2024, que realizou um grande levantamento no território brasileiro sobre o tema, peixes e invertebrados são protagonistas na invasão biológica.

Múltiplas bases de dados

Os cientistas coletaram seus dados a partir da análise de planos de manejo de unidades de conservação federais e estaduais no Brasil. Os planos de manejo são os principais documentos que orientam a gestão dessas áreas. Ao todo foram consultados 647 documentos em sites oficiais do ICMBio e das agências ambientais estaduais. Além dos planos de manejo, outras três fontes foram consultadas: a Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras do Instituto Hórus, o Sistema de Autorização de Pesquisa em Áreas Protegidas Federais (SISBIO), e uma planilha de uso interno do ICMBio. Toda a informação foi compilada em um único banco de dados georreferenciado que estará disponível para consultas.

“Registramos um aumento preocupante de 74% na ocorrência de espécies exóticas invasoras apenas nas unidades de conservação federais nos últimos 10 anos, comparado a um estudo de 2013”, comenta Figueiredo. Esse crescimento pode ser resultado do aumento na introdução e propagação de novas espécies exóticas invasoras globalmente nas últimas décadas, mas também pode estar relacionado a maior disponibilidade de dados e à publicação de mais planos de manejo.

“Os dados de ocorrência sistematizados no estudo servem como linha de base para monitoramento do avanço das invasões nas unidades de conservação do país e para subsidiar tanto a elaboração de políticas, programas e regulamentações, quanto a definição de áreas e espécies prioritárias para prevenção e manejo, seja em nível regional ou local”, finaliza Figueiredo.

Fonte: Notícias UFSC