*Por Alejandro Mendoza
Caras e caros colegas
As universidades públicas no Brasil vivem um momento pouco esperançoso. A ascensão da extrema direita polarizou o país em várias frentes, inclusive no que diz respeito a qual deveria ser o futuro existencial dessas instituições. A ‘TikTokização’ da sociedade faz com que cada vez mais celebridades (de diferentes naturezas), altamente despreparadas do ponto de vista intelectual e moral, inclusive, dictem ou, no mínimo, influenciam de forma significativa os rumos da nação. Neste contexto, o estabelecimento de políticas públicas de Estado em relação à Educação e desenvolvimento da Ciência parece um sonho cada vez mais distantes de quem gostaria de ver o Brasil como um país mais justo e desenvolvido. Ao mesmo tempo em que a eleição do presidente Lula salvou temporariamente o país de um novo período de ditadura e retrocesso gigantescos, seria muito ingênuo da nossa parte achar que saímos do fundo do poço. O que vemos hoje é, em muitos sentidos, um governo maniatado por um Congresso reacionário e pelos próprios interesses políticos conflitantes da “Frente Ampla”, criada pelas elites (política e econômica) não alinhadas com a extrema direita para ganhar a última eleição. Em pouco mais de dois anos do atual governo, pouquíssimas têm sido as reconquistas da Educação e da Ciência brasileira — reconquistas no melhor cenário, porque, em termos de recursos monetários, nenhum dos ganhos obtidos supera a correção pelas perdas inflacionárias em relação aos seus máximos recentes anteriores ao Golpe de 2016.
Assim se deu a Greve Nacional da Educação Superior de 2024. Como professor com menos de 10 anos de casa, foi a primeira vez que vi, pelo menos, uma parte da comunidade da UFSC se voltar seriamente à discussão sobre o futuro desta universidade e dos seus alunos, técnicos e professores. As muitas conversas acaloradas que tenho tido com colegas desde o início deste ano têm sido muito didáticas em me mostrar que, apesar de dividirmos todos o mesmo espaço físico, não vivemos todos na mesma realidade. Na UFSC e no Brasil, todos os docentes universitários não estão no mesmo barco; tenho a convicção que, se estivéssemos, a nossa situação seria muito melhor e o nosso futuro também. Há uma diferença gigantesca na carreira profissional e na qualidade de vida que experimentam professores Adjuntos e Titulares hoje, apesar de que, em termos práticos, pelo menos no Departamento em que atuo, não há nenhuma correlação evidente entre a qualidade e quantidade de trabalho desenvolvido por um docente com o seu tempo de serviço na UFSC. Essa diferença não se deve apenas à disparidade salarial atual, mas principalmente à diferença acumulada entre o salário e o custo de vida no país, bem como às oportunidades de financiamento profissional que os atuais professores no topo da carreira tiveram. Em se mantendo as condições atuais, professores em início de carreira hoje, ao se aposentarem, terão uma remuneração real e um patrimônio muito aquém que a dos docentes em fim de carreira atualmente. O exemplo mais próximo e gritante deste processo de precarização é o dos nossos colegas técnicos administrativos, que acumulam uma perda salarial inflacionária de mais de 50%.
Pois bem, é exatamente o nível de preocupação em relação ao futuro nada promissor dos jovens docentes e da UFSC o que, na minha perspectiva, melhor expõe a divisão no nosso universo de docentes hoje. Não apenas no contexto da recente Greve e o seu desfecho, mas principalmente em como estes grupos avaliam que essa preocupação deveria se refletir na atuação diária do Sindicato de Professores da UFSC como entidade política nestes tempos sombrios. Embora seja natural olharmos o mundo com o filtro da nossa própria condição financeira, como o próprio Marx ensina, o futuro dos novos docentes e técnicos é, de fato, o futuro da universidade brasileira. Não reconhecer a crise atual de financiamento das universidades, que inclui salário, financiamento de infraestrutura, da pesquisa científica de ponta e da extensão, não é sinónimo de saber fazer política. Contemporizar e naturalizar a destruição ou decadência da Educação e da Ciência brasileira não é sinônimo de amadurecimento, nem de estar fazendo “Realpolitik”; é, na verdade, servir como massa de manobra dos piores interesses do topo da pirâmide econômica brasileira, direcionados, em última instância, à privatização e elitização do ensino superior no Brasil.
Neste contexto, tenho feito o exercício de tentar entender o “outro lado”, o dos colegas que acharam o acordo de saída da greve um sucesso e que estamos caminhando na direção certa. Acho ilustrativo olhar o quantitativo da votação da saída da greve. Apesar de não termos todos os dados publicizados — por que será? — alguns estão disponíveis e são interessantes. Separando o universo de professores entre aposentados e ativos, a proposta teria sido rejeitada entre os professores ativos por 51,6% dos votos, enquanto no universo dos aposentados ela seria aprovada com 61,9% dos votos. Esses dados materializam o que conversas aleatórias com colegas deixam à mostra no dia a dia da universidade: a maioria dos docentes no topo da carreira docente hoje, o que inclui uma parcela significativa dos aposentados recentes, não conhece, ou, se conhece, não considera de gravidade a marcada deterioração da carreira acadêmica de quem recém começa sua trajetória como docente/pesquisador na universidade. Sei que esta é uma afirmativa forte, mas há uma incompatibilidade essencial entre reconhecer a atual inviabilização da carreira docente para novos professores e achar que a situação atual é tolerável ou que vivemos um ponto de inflexão e que a situação está prestes a melhorar.
A Greve de 2024 não foi uma vitória para nós, e não foi, não apenas porque não se conseguiu nenhum compromisso sério com o Governo em relação à criação de condições para reverter o desmonte da Educação e da Ciência, que já dura mais de uma década no Brasil, mas porque mostrou como nossa categoria não tem consciência de classe. Demonstrou como uma elite de professores titulares, mais interessados no mundo político do que no bem-estar da academia brasileira, pode costurar um pseudo-acordo com o Governo e usar as próprias estruturas sindicais para domar a massa de docentes inconformados com a falta de perspectivas profissionais na universidade hoje. É de fato conhecido que o atual presidente da Chapa 1 participou ativamente, como representante da Apufsc, na construção de um acordo do agrado da ala mais neoliberal do Governo. Sempre achei curioso que, sendo uma pessoa tão ligada ao nosso sindicato e que, a princípio, participava de tais discussões como um de nossos representantes, o mesmo não se dispusesse a nos explicar porque o acordo era de fato um ponto de inflexão no fim de festa da educação e da ciência no Brasil.
Como professor adjunto, que sabe que a sua carreira como docente e pesquisador, no fim do mandato do presidente Lula, estará em condição similar ou até levemente pior do que a deixada pela aberração Bolsonaro, sinto-me na obrigação de conclamar todos e todas as colegas a repensarem, de forma crítica, nosso papel na triste situação em que nos encontramos hoje. Gostaria muito que essa reflexão se traduzisse na eleição de uma direção para o nosso sindicato que não negue mais a crise que vivemos, no mais puro estilo “Don’t look up” de Adam McKay, e que logo chegue o dia em que, ao olhar para a Apufsc, nós não tenhamos mais esse Frankenstein de clube de carteado às sextas com quinta-columna para tomar de assalto a reitoria da UFSC. No Departamento de Física, há um mantra que se repete periodicamente em todas as reuniões oficiais: se a UFSC está caindo aos pedaços, é devido à gestão ineficiente da reitoria. Só que todas as universidades que dependem essencialmente dos recursos federais estão no mesmo estado de deterioro. Deve ser porque todos os gestores de todas as universidades federais são igualmente incompetentes.
Un abrazo a todas e todos!
*Alejandro Mendoza é departamento de Física da UFSC