PNE deve assegurar rede inclusiva com escolas especializadas, aponta debate

A audiência foi conduzida pela Comissão de Educação do Senado

Representantes de entidades que defendem as pessoas com deficiência e educadores destacaram, durante debate na Comissão de Educação (CE), que o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2024-2034) precisa estar alinhado à Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Para os participantes da sexta audiência sobre o plano, o projeto (PL 2.614/2024) deve garantir que o sistema educacional inclusivo seja ofertado, preferencialmente, na rede regular de ensino, mas também assegure oportunidades diversificadas, como o atendimento em escolas especializadas. O debate foi conduzido pelo presidente da CE, senador Flávio Arns (PSB-PR). 

Atualmente a educação especial é uma modalidade de ensino ofertada para as pessoas com deficiência tanto nas unidades escolares regulares como nas unidades escolares especializadas. 

Entre as exigências da LBI (Lei 13.146, de 2015), estão a oferta de equipes multidisciplinares dedicadas a identificar e eliminar barreiras existentes nas escolas, incluindo o atendimento educacional especializado (AEE); de profissionais voltados ao apoio de estudantes que demandam cuidados de alimentação, higiene e locomoção e de profissionais com especialização como instrutores e intérpretes de língua brasileira de sinais (Libras), entre outros.

No entendimento dos debatedores, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, instituída em 2008, vem servindo de base para o Ministério da Educação e foi importante durante um período. No entanto, eles acreditam que, além do investimento e atenção na política de inclusão na escola regular, é fundamental investir nas escolas especializadas como uma ferramenta fundamental para o acesso, a permanência e o aprendizado do aluno com deficiência. 

A coordenadora nacional de Educação e Ação Pedagógica da Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), Erenice Natália Soares de Carvalho, lembrou que a Meta 9 do PNE fala da importância de universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação o acesso e a permanência na educação básica, preferencialmente, na rede regular de ensino. 

No entanto, para evitar interpretações diversas e acabar impedindo a atuação das escolas especializadas, ela defendeu que o texto englobe também “os ambientes, espaços, recursos, atendimentos e serviços especializados que integram os sistemas e as redes de ensino com a garantia do sistema educacional inclusivo”. 

“A gente sabe que as redes, os sistemas de ensino fazem suas parcerias com organizações não governamentais sem fins lucrativos. Nós entendemos que parar aqui no “preferencialmente” corremos o risco de, naquela interpretação de que o sistema de educação inclusiva é aquele que só oferece escola comum, nós estaríamos prejudicando milhares de crianças nesse país inteiro que precisam do sistema mais inclusivo”. 

Na percepção da vice-presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Viviani Guimarães, a proposta do novo PNE apresenta pontos importantes, mas carece de mais detalhes sobre estratégias e viabilidade de execução, levando em consideração os desafios reais, principalmente em relação à educação especializada. 

Para ela, é preciso investir na maior capacitação e valorização dos educadores das escolas comuns, garantir a contratação e a oferta do profissional de apoio especializado e assegurar métodos e assistência que estimulem o desenvolvimento e a permanência do aluno nessa rede. 

A representante da Moab considera o atendimento educacional especializado (AEE), que é a mediação pedagógica oferecida na educação básica e realizada no contraturno do estudante com deficiência, inacessível e pouco efetivo para muitas famílias que dependem da educação pública. 

“A gente precisa pensar em como vai fomentar a formação continuada desses educadores. A gente verifica o quanto os professores estão despreparados para conseguir receber a pessoa com deficiência. Então, temos muitos pontos importantes que precisamos levar para o dia a dia (…). A gente precisa muito se colocar no lugar dessas famílias, muitas famílias não têm condições de pegar seu filho, levar para o almoço, voltar, ficar lá mais ou menos uma hora e meia e voltar com ele para casa. O AEE é extremamente importante, mas para o público da educação pública muitas vezes ele não é efetivo porque as famílias não retornam. A gente precisa pensar em alternativas que pudessem ser feitas, por exemplo, durante o horário que a criança já está lá, ou ficar num horário mais estendido lá”.  

Aprendizagem 

Entre os 18 objetivos do projeto de lei para o novo PNE, que ainda tramita na Câmara dos Deputados, está o que busca garantir o acesso, a oferta de atendimento educacional especializado e a aprendizagem dos estudantes da educação especial e dos alunos da educação bilíngue de surdos, em todos os níveis, etapas e modalidades. 

A representante da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi), Mariuza Aparecida Camillo Guimarães, observou que o plano não pode tratar o objetivo da aprendizagem na educação inclusiva em segundo plano. Pelo contrário, na opinião dela, a educação direcionada ao aluno com deficiência não pode ser entendida apenas como um método de socialização, mas é necessário assegurar o nível adequado de aprendizagem com recursos de tecnologia assistiva, materiais pedagógicos acessíveis, acesso ao currículo correspondente e a formação continuada de professores. 

“Uma questão que nós devemos ter como foco e não está central nos objetivos é a aprendizagem. O objetivo fala em acesso à educação, não fala em permanência, foca em atendimento educacional especializado e coloca a aprendizagem após o atendimento educacional especializado. A aprendizagem não pode estar focada no atendimento educacional especializado. A aprendizagem vai se dar na classe comum. Portanto, o espaço de aprendizagem é a sala de aula. O atendimento educacional especializado é apoio. E nós temos visto muito isso, no momento da classe comum o aluno fica na sala de recursos. Hoje nós temos colegas pedindo um espaço a parte na escola comum para atender os alunos com autismo quando eles estão em crise. É uma coisa totalmente distópica porque é você criar classe especial, que é tão condenada por alguns grupos, nessa lógica de uma educação inclusiva”. 

Primeira infância 

Em outra frente, os debatedores defenderam a inclusão de uma nova meta que estaria alinhada com o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 14.880 de 2024). A legislação prevê que criança de zero a três anos terá acesso a serviço multiprofissional para potencializar o seu desenvolvimento, sendo priorizado o atendimento para aquelas da educação especial e para os bebês prematuros. O projeto de lei do novo PNE só trata da universalização da educação para a população com deficiência a partir dos quatro anos. 

“Se o plano não acolher uma atualização recente para oferecer, pelo menos, um atendimento educacional especializado, o plano vai está incompleto, do nosso ponto de vista”, disse Erenice Carvalho.

A opinião também foi compartilhada pelo senador Flávio Arns, que sugeriu a audiência. Ele observou a falta de dispositivo correspondente à atenção na educação especializada no decorrer da vida, como indicado na política estabelecida no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). 

“Eu só quero lembrar que há um erro na proposta do Plano Nacional de Educação enviada que é a educação dos 4 aos 17 anos. Não é dos 4 aos 17 anos, é do zero até onde for necessário na vida. Porque nós aprovamos no Fundeb o conceito de educação ao longo da vida e as entidades [filantrópicas] têm todo apoio para que isso aconteça”, enfatizou Arns. 

Educação bilingue 

Entre as metas do PNE, está o dispositivo que busca universalizar, para o público-alvo da educação bilíngue de surdos, de 4 a 17 anos, o acesso, a permanência e a conclusão, promovendo a qualidade da aprendizagem na educação básica. 

O texto também propõe como meta alfabetizar em Libras, como primeira língua, todas as crianças surdas, desde a educação infantil até o primeiro ano do ensino fundamental, e alfabetizar em português escrito, como segunda língua, todas as crianças surdas até o final do segundo ano do ensino fundamental.

No entendimento da diretora de Políticas Educacionais e Linguísticas da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), Mariana de Lima Isaac Leandro Campos, é “muito importante” que haja nesse arcabouço uma contemplação de todos os públicos com essa deficiência, assegurando o direito linguístico da comunidade surda e que leve em consideração maior investimento e incentivo na formação de profissionais em educação bilingue. 

“Nós temos poucos cursos de educação bilíngue. Nós temos apenas duas instituições de ensino que se dedicam a essa formação”. 

Novo PNE 

O novo PNE, com diretrizes para os próximos dez anos, cria 58 metas para a educação, com 252 estratégias para alcançá-las. Atualmente, vigora o PNE 2014-2024, que foi prorrogado até 31 de dezembro de 2025, enquanto o projeto de lei é analisado.

Fonte: Agência Senado