Ignorância ou dissimulação?

*Por Fábio Lopes

Deus sabe há quanto tempo, neste e em outros espaços institucionais, venho tratando dos problemas de manutenção na universidade. Em fórum oficial da UFSC, há mais de dois anos, previ que, por causa da precariedade de nossas instalações, estávamos prestes a conhecer um acidente greve. Na ocasião, fui tratado com desdém por altos representantes da gestão, que se julgam portadores de causas muitos mais profundas do que comezinhas preocupações com a infraestrutura de nossos prédios. Deu no que deu: exatos três dias depois da minha advertência, uma luminária despencou sobre o colo de uma aluna durante aula no Prédio A do CCE, impondo-lhe danos psíquicos e físicos permanentes.

Pensam vocês que alguém me agradeceu pelo alerta e passou a escutar meus protestos? Qual o quê! Meus dotes de pitonisa não tiveram qualquer efeito sobre a disposição das almas superiores que administram a UFSC. O Bloco D do CCE, que àquela altura padecia de desabastecimentos constantes de água por motivos absolutamente ridículos, seguiu vivendo secas regulares. Já o Bloco A – o mesmo em ocorreu o desabamento da luminária – desceu ainda mais a ladeira. Falhas no processo de impermeabilização de sua cobertura resultaram na interdição de doze salas de aula.

Diante de tamanha irresponsabilidade, decidi usar técnicas mais audíveis. Literalmente aos berros, em evento em que estavam presentes todos os diretores de unidade, exigi do reitor e do prefeito universitário intervenções nos dois edifícios.

De lá para cá, a coisa melhorou um pouco – mas não muito. O sistema hidráulico do Bloco B mereceu um pouco mais de atenção da Reitoria, mas a solução definitiva para a falta de água – em que pese o fato de ser extremamente simples e barata – ainda aguarda na fila. Já a cobertura do Bloco A vem sendo objeto de algumas ações da equipe de manutenção. A questão, nesse último caso, é a velocidade do atendimento. Meses e meses já se passaram sem que o teto deixe de se transformar em cachoeira quando chove. 

É verdade que, das doze salas interditadas, apenas duas seguem sendo atingidas por inundações recorrentes. Em compensação, a água agora está caindo sobre os corredores do prédio, coisa que não acontecia antes. Fotos feitas durante os temporais da semana passada valem mais do que mil palavras. O primeiro prédio construído especificamente para a UFSC – um patrimônio histórico e arquitetônico de 63 anos – não pode ser tratado dessa maneira.

O que mais me espanta é o grau de passividade e alienação da comunidade universitária. Afora este humilde servidor público que vos escreve e muitos poucos colegas, todo mundo parece conformado com a situação do CCE e dos demais centros de ensino.

Venceu a conversa mole de que tudo por que estamos passando se deve à falta de orçamento federal para a universidade. Ou, ao menos, as pessoas fingem acreditar nessa lenga-lenga, uma vez que isso as dispensa de ter que enfrentar os dilemas internos da UFSC, a incompetência que grassa no campus, os limites e a miséria de nossos dirigentes. Bem mais fácil é agir como se as causas de nosso drama se resumissem a fatores externos, incontroláveis, muito acima de nosso escopo de atuação. Como diz um célebre poema de Pessoa, “quanto é melhor, quando há bruma, esperar por D. Sebastião, quer ele venha ou não”.

O problema desse tipo de conduta é o vexação a que ela submete doutores, pós-doutores e afins. Afinal, para que possamos atribuir a responsabilidade por nossa condição de penúria exclusivamente ao fascismo, ao neoliberalismo ou a Satanás, é preciso que a gente feche os olhos para um mundo de coisas erradas que todos os dias cruzam o nosso caminho. 

Precisamos fechar os olhos, por exemplo, para o fato de que, enquanto a cobertura do Bloco A aguardava meus berros e seus poderes mágicos, o teto do prédio da Reitoria já vinha sendo reparado há mais de um ano, no centro do campus, à vista de todos.

Precisamos fechar os olhos para o fato de que, ao passo que a universidade cai aos pedaços, membros do primeiro escalão da Reitoria acumulam milhas aéreas e ganham diárias nacionais e internacionais às dúzias, sem que essas missões tenha qualquer repercussão perceptível sobre nossas vidas (a propósito, faz seis meses que o diretor do CCS e eu solicitamos do Gabinete do Reitor a lista da viagens feitas pelos membros da Administração Central, com discriminação dos destinos, valores, resultados esperados e resultados obtidos. Nenhuma resposta foi-nos até agora encaminhada).

Precisamos fechar os olhos para o fato de que o Templo Ecumênico e a Igrejinha da UFSC, por razões certamente tão inefáveis quanto os Desígnios do Senhor, foram reformados muito antes que a intervenção urgente em espaços voltados a atividades-fim fosse feita.

Precisamos fechar os olhos para o fato de que, passados mais de dois anos desde o início da gestão atual, seguimos sem contratos tão básicos quanto os que viabilizam a manutenção de aparelhos de ar-condicionado e bebedouros.

Precisamos fechar os olhos para o fato de que centros como o CTC, embora tenham muito dinheiro arrecadado via projetos, precisam dar tratos à bola para gastar os recursos, uma vez que a instituição não fornece os instrumentos para isso (contratos, processos de compra, etc.)

Precisamos fechar os olhos para o fato de que a UFSC devolve anualmente grandes volumes de recursos à União (ou os gasta mal, às pressas) porque o setores de planejamento, elaboração de contratos/compras e execução de serviços ou bem não conversam entre eles, ou bem padecem de gargalos internos que paralisam os trabalhos. 

Haja ignorância. Ou será, antes, dissimulação?

*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC