Professor da UFSC pode representar o Brasil na Surdolimpíada 

O professor Alexandre Bet, do Departamento de Libras do CCE, foi recentemente convocado para a seleção catarinense de vôlei de quadra e disputa o campeonato nacional da modalidade neste sábado e domingo, dias 14 e 15, em Brasília

A delegação brasileira encerrou a participação nas Paralimpíadas de Paris com recorde de pódios e a melhor classificação da história: a quinta posição no quadro geral de medalhas, sendo 23 de ouro, 25 de prata e 38 de bronze. A audiência percebeu, no entanto, que atletas com deficiência auditiva não disputaram a edição dos Jogos na capital francesa. Isso ocorre porque os surdoatletas não concorrem em Paralimpíadas e contam com eventos próprios em seu calendário esportivo oficial. A próxima Surdolimpíada Mundial (Deaflympics) será realizada em 2025 e um representante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tentará vaga no time de vôlei do Brasil.

O professor Alexandre Bet, do Departamento de Libras do Centro de Comunicação e Expressão (CCE), foi recentemente convocado para a seleção catarinense de vôlei de quadra e disputa o campeonato nacional da modalidade neste sábado e domingo, dias 14 e 15, em Brasília (DF). Surdo desde antes dos dois anos de idade, a ligação do docente com o mundo dos esportes iniciou ainda na infância. “Desde pequeno, sempre tive uma grande paixão pelo esporte. Pratiquei diversas modalidades, como basquete, futebol, futsal, handebol, vôlei de praia e vôlei de quadra. Minha trajetória em competições começou cedo, participando de vários campeonatos para surdos em Santa Catarina, na Copa do Sul e em eventos nacionais no Brasil”, recorda.

Pela Federação Desportiva de Surdos do Estado de Santa Catarina (FDSESC), Alexandre chegou a ser convocado para a seleção brasileira de handebol, em 2014, participando do Sul-Americano para surdos. Mais recentemente, em 2021, enquanto jogava vôlei de praia com amigos surdos, surgiu a oportunidade de participar da Surdolimpíada Nacional. “Fui convidado a treinar vôlei de quadra, o que despertou meu interesse em me dedicar a essa modalidade. Participei dos treinamentos com o objetivo de ser convocado para a seleção catarinense e, felizmente, fui selecionado para competir na Surdolimpíada Nacional. Embora não tenhamos conquistado a vitória, a experiência foi incrível e enriquecedora”.

O contato com a Libras

Para além do currículo de atleta, o professor Alexandre Bet tem também uma carreira consolidada como docente na UFSC, onde leciona há mais de uma década. Em seu perfil no Instagram, plataforma na qual acumula 36 mil seguidores, o professor atribui à Língua Brasileira de Sinais (Libras) as muitas das oportunidades que apareceram em sua trajetória. Nascido em Florianópolis, ele pondera que a principal barreira que enfrentou na infância foi a comunicação, por muitas vezes limitada a interações superficiais com familiares, amigos e colegas.

Nas redes sociais, onde atualmente dá dicas para fluência no contato com a comunidade surda, o professor revela que, embora não se sentisse excluído durante as brincadeiras com outras crianças, a dificuldade surgia na hora das conversas. Por isso, passou a ensinar vizinhos e amigos para poder melhor se comunicar e se integrar. “Não conseguia acompanhar tudo nas conversas (discussões, relacionamentos, histórias, piadas). Minhas conversas eram muito simples e básicas. Não conseguia entender e nem expressar meus sentimentos mais profundos”, escreveu em uma postagem.

A comunicação com a família ocorria por sinais caseiros até ter seu primeiro contato com a Libras, aos 12 anos, quando conheceu uma associação de surdos. No entanto, Alexandre só começou a aprender Libras efetivamente aos 15, contando com a ajuda de um amigo surdo com quem mantém vínculo até hoje, sendo inclusive seu compadre. Foi também através da comunidade surda que conheceu sua esposa, há 17 anos. “A Libras foi essencial para romper as barreiras de comunicação que eu enfrentava e permitiu que eu me conectasse profundamente com outras pessoas, tanto no âmbito pessoal quanto profissional”, avalia.

Professor na vida real e nas telas

Motivado pela necessidade de aprofundar o conhecimento acerca da língua, Alexandre prestou vestibular para licenciatura em Libras em 2008, com o intuito de estudar em um ambiente em que pudesse ter uma comunicação plena com colegas e professores. Após se graduar, começou a lecionar em uma escola municipal em 2011 e, dois anos mais tarde, iniciou a trajetória como docente na Universidade. Na instituição, também cursou o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET), atuou como coordenador de ensino no Departamento de Libras e, atualmente, exerce a função de chefe do Departamento de Libras do CCE. Em 2023, defendeu também sua tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Engana-se, no entanto, quem considera que suas realizações se limitaram às quadras ou às salas de aula. Seu talento se estendeu às telas: Alexandre interpretou o professor Miguel na produção Crisálida (2019), obra que integrou o acervo da Netflix e foi exibida pela TV Cultura. Foi a primeira série brasileira de ficção bilíngue, em português e Libras, e retratou as histórias de pessoas surdas que vivem em Florianópolis e precisam lidar com relacionamentos amorosos, familiares e com o mercado de trabalho. Criada por Alessandra Pinho, egressa do curso Letras Libras na UFSC, e dirigida por Serginho Melo, a produção teve quatro episódios na primeira temporada. A segunda tem estreia prevista para outubro, pela TV Cultura.

Alexandre interpretou o professor Miguel na produção Crisálida (2019), obra que terá segunda temporada exibida pela TV Cultura. Foto: Divulgação

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 10 milhões de brasileiros – aproximadamente 5% da população – apresentam algum grau de deficiência auditiva. Assim, o professor Alexandre Bet também ampliou o contato com a comunidade surda (e também com aqueles que se interessam pelo tema) pelas redes sociais. Incentivado pela esposa, passou a criar conteúdo para promover a inclusão e melhorar a comunicação entre surdos e ouvintes. No Instagram, ele produz conteúdos educativos sobre Libras e cultura surda.

Em meio aos desafios e conquistas, no mundo acadêmico e esportivo, o professor ressalta que seu foco no momento está em aprimorar suas habilidades no vôlei. O processo de seleção para os atletas que irão integrar a equipe brasileira na próxima edição da Surdolimpíada Munidial contará com diversas etapas, realizadas neste e no próximo ano. A 25ª edição dos Jogos será sediada em Tóquio, no Japão, em novembro de 2025.

Por que os surdoatletas não participam dos Jogos Paralímpicos?

Segundo explica a Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), suas competições são regidas pelo International Committee of Sports for the Deaf (ICSD), órgão que organiza internacionalmente o desporto de surdos e possui uma versão no verão e outra no inverno. A primeira edição Surdolimpíada Mundial (Deaflympics), antes chamada de Jogos Internacionais Silenciosos, foi realizada há 100 anos, em 1924, em Paris, na França.

Já as competições esportivas para pessoas com deficiência física só ganharam força após a Segunda Guerra Mundial, como parte do processo de reabilitação de soldados feridos nos combates. Em 29 de julho de 1948, foi organizado o primeiro campeonato para atletas em cadeiras de rodas, um torneio de tiro com arco, chamada de Jogos de Stoke Mandeville. Em 1952, militares holandeses aderiram ao movimento e os Jogos de Stoke Mandeville se tornaram internacionais. Os primeiros Jogos Paraolímpicos, sob esse nome, foram realizados em Roma, na Itália, em 1960. Desde então, são promovidos a cada quatro anos, assim como os Jogos Paraolímpicos de Inverno, que tiveram sua primeira edição em 1976, na Suécia.

Em 1985, o Comitê Olímpico Internacional realizou um movimento para que o ICSD se juntasse ao Comitê de Coordenação Internacional (entidade antecessora ao Comitê Paralímpico Internacional). Entretanto, muitas das organizações nacionais desportivas de surdos, que antes tinham vínculos diretos e harmoniosos com seu comitê olímpico local, viram-se forçadas a se unir a uma organização desportiva nacional de deficientes, perdendo autonomia e grande parte de financiamento. Outro obstáculo enfrentado com a união dos dois comitês foi a incapacidade dos Jogos Paralímpicos de acomodar o número crescente de surdoatletas, bem como as exigências para comunicação de surdos devido ao alto custo de fornecimento de intérprete de língua de sinais. Assim, poucos anos depois, as competições voltaram a ser realizadas separadamente.

De acordo com nota publicada no site da CBDS, os Jogos Paraolímpicos já enfrentam limites sobre o número de competidores. Em Paris, por exemplo, cerca de quatro mil paratletas competiram. E apenas os Jogos Surdolímpicos geralmente atraem cerca de 2,5 mil surdoatletas. “É óbvio que a Paralimpíada não seria capaz de absorver um número tão grande surdoatletas, seria necessário haver cortes em modalidades esportivas de atletas com outras deficiências, prejudicando tanto os paratletas quanto os surdoatletas”.

Para a Confederação, hoje a falta de visibilidade e de reconhecimento dificulta a obtenção de financiamento das empresas públicas e privadas para atletas surdos no Brasil e em vários outros países. Os competidores sem motivação e patrocínio acabam desistindo das disputas ou necessitam eles próprios arcar com as despesas de treinamento e competições. “A sociedade precisa entender e reconhecer as especificidades dos surdos no que se refere à comunicação, à questão da identidade linguística e cultural. Estar fora da Paralimpíada não prejudica nossa inclusão social, o que prejudica é a falta de divulgação, incentivos financeiros e valorização dos Jogos Surdolímpicos”, traz a nota.

Fonte: Notícias UFSC