Pesquisas da UFSC analisam uso de águas termais em tratamentos pelo SUS

Terapia alivia dores crônicas, melhora da circulação sanguínea, redução do estresse, tratamento de doenças dermatológicas e reumatológicas

O termalismo ou balneoterapia refere-se ao uso terapêutico de águas termais e minerais e seus derivados. Quando o acesso a esses tratamentos ocorre por meio de um serviço de saúde pública ou de seguridade social, com o intuito de promover bem-estar e tratar diversas condições de saúde, a atividade recebe o nome de termalismo social. Algumas pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) abordam as potencialidades da inserção dessa prática no Sistema Único de Saúde (SUS).

As águas minero-medicinais se diferenciam das águas comuns por apresentarem características físico-químicas com potencial terapêutico. Entre as modalidades disponibilizadas estão os banhos termais, duchas, massagens, inalações de vapores de água termal, aplicação de lamas e exercícios aquáticos. Os benefícios associados a esta prática incluem alívio de dores crônicas, melhora da circulação sanguínea, redução do estresse, tratamento de doenças dermatológicas e reumatológicas, além de reabilitação com evolução na mobilidade e na qualidade de vida geral dos pacientes.

Diante de tantos proveitos, a incorporação dessa linha de tratamento no SUS tornou-se realidade em algumas locais. No entanto, conforme avalia o professor Fernando Hellmann, do Departamento de Saúde Pública da UFSC, a integração do termalismo social ao sistema de saúde ainda é limitada, contando apenas com poucas iniciativas locais. “Não há um financiamento público específico e ainda existe desconhecimento dos benefícios potenciais desta prática no sistema público”, afirma Hellmann.

Em algumas localidades, o serviço é oferecido pelo SUS como parte de tratamentos. A população pode acessá-lo por meio de programas específicos, oferecidos em estâncias termais e geralmente ofertados pelos municípios. Nos lugares onde o serviço é prestado, ele pode ser feito por meio de encaminhamento médico através do SUS ou diretamente nas clínicas e balneários que oferecem tratamentos termais de forma privada.

Segundo Hellmann, o termalismo não depende necessariamente de uma fonte termal, mas sim do potencial terapêutico das águas e seus derivados. Assim, o Brasil tem um grande potencial para esta prática. Embora o termalismo seja uma terapia que pode beneficiar todas as idades, o principal público-alvo são os mais idosos. É nesta faixa etária que se encontram a maior parte dos pacientes com condições crônicas, doenças reumáticas, além de pessoas que necessitam de reabilitação física.

O termalismo no Brasil

No Brasil, o termalismo associado à saúde e à medicina remonta ao período colonial, quando as propriedades terapêuticas das águas termais começaram a ser exploradas. Um marco histórico ocorreu em 1818, ano em que Dom João VI, após transferir a corte portuguesa para o território brasileiro, ordenou a construção de um hospital termal em Caldas da Imperatriz, no município de Santo Amaro da Imperatriz, em Santa Catarina. A obra foi inspirada no modelo de Caldas da Rainha em Portugal, fundado em 1485 pela rainha Leonor de Avis.

De acordo com o professor Hellmann, a popularização desta prática nacionalmente aconteceu, sobretudo, na primeira metade do século XX, com o desenvolvimento de estâncias hidrominerais e fundações de cidades nos arredores das termas, em vários estados brasileiros. “Porém, com o avanço da ciência farmacêutica e a proibição de cassinos no Brasil, os quais eram numerosos nas termas, o termalismo perdeu sua popularidade. Uma mudança significativa foi com a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS, quando o conceito de termalismo social ganhou maior força, a partir de 2006”, destaca o docente.

Atualmente, as principais termas do país, descreve Hellmann, estão localizadas nos municípios de Santo Amaro da Imperatriz, Irineópolis, Gravatal e Piratuba, em Santa Catarina; Águas de Lindóia e Águas de São Pedro, em São Paulo; Caldas Novas, em Goiás; Poços de Caldas, Araxá, Caxambu e São Lourenço, em Minas Gerais; Machadinho e Iraí, no Rio Grande do Sul; e Itaipulândia, no Paraná. Outras localidades de Santa Catarina, como Quilombo, Palmitos, Ouro, Tubarão, Santa Rosa de Lima e São João do Sul, merecem destaque por seu potencial.

Pesquisas da Pós em Saúde Coletiva

No momento, o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da UFSC tem em curso uma parceria com o Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa e a Universidade de Pádua, na Itália, para a elaboração do mapa de evidências científicas em termalismo com objetivo de fomentar políticas públicas. O professor Fernando Hellmann está orientando uma pesquisa de doutorado da estudante Tatiana Leite Müller, em um estudo sobre as diretrizes, protocolos e fluxos necessários para a prática do termalismo social no SUS. Este ano, Tatiana fez estágio-sanduíche na Cátedra de Hidrologia Médica da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha.

Outro trabalho orientado por Hellmann foi a dissertação Análise comparada do termalismo social nos sistemas de saúde europeus: contribuições para o SUS, de autoria de Natália Nair Soares. A pesquisa buscou comparar a inserção do termalismo social nos sistemas de saúde da Espanha, França, Itália e Portugal, por meio dos componentes como acesso e cobertura, financiamento, força de trabalho, insumos e técnicas, organização, regulação, rede de serviços e prestação de serviços, entre outros.

No trabalho, Natália pondera que o termalismo é considerado um tratamento menos custoso, sendo uma alternativa economicamente viável de promoção de saúde, que tende a evitar o excesso de consumo de fármacos. Como exemplo, a autora cita um estudo de impacto socioeconômico em programas portugueses. “Segundo dados deste estudo, um em cada três participantes reduziu a frequência de consultas médicas; mais de 40% dos participantes indicaram ter ocorrido uma diminuição da necessidade de terapia para as doenças musculoesqueléticas; 38% dos participantes diminuíram o consumo de fármacos após o tratamento termal, sendo que esta redução foi maior quando o tratamento termal incidiu sobre idosos de menor idade”, descreve no texto.

Na dissertação, Natália ressalta que o número de dias do ciclo de tratamento termal cobertos nos sistemas analisados na Europa varia entre os países: Espanha, 10 a 12 dias; França, 18 dias; Itália, 12 dias, e Portugal, 12 a 21 dias. “No Brasil, não há indicações específicas. Assim, é conveniente que o ciclo de tratamento tenha certa constância, com no mínimo de nove dias, e não apenas dias espaçados ou banhos unitários”, sugere.

Para a autora, para que a prática avance no país é essencial que o termalismo se desenvolva em seus aspectos científicos, sociais, culturais e ambientais. O professor Fernando Hellmann corrobora e acredita que os desafios para a integração aos serviços de saúde pública no Brasil são muitos. Eles compreendem desde a infraestrutura, passando pela necessidade de capacitação de profissionais de saúde e a resistência a práticas integrativas, até a falta de políticas públicas e a escassez de recursos financeiros específicos para o termalismo.

A infraestrutura necessária para o uso terapêutico das termas exige instalações com piscinas adaptadas, equipamentos para hidroterapia, tais como inaladores termais, banheiras de hidromassagem, cabines de vapor, sauna, além de profissionais qualificados, como fisioterapeutas, médicos, enfermeiros e técnicos especializados. “Na França, este tratamento é coberto pelo sistema público de saúde. Em outros países, como na Itália, parte do tratamento é coberto. No Brasil, existem alguns programas municipais e iniciativas locais que recebem apoio governamental, mas as abrangências estadual e nacional são limitadas”, avalia Hellmann.

Fonte: Notícias da UFSC