*Por Edna Garcia Maciel
[…] bem vistas as coisas, um arquiduque, um
rei, um imperador, não são mais do que cornacas
montados num elefante
José Saramago
Em 1958 Eugène Ionesco (1909-1994) apresenta uma peça: O Rinoceronte. Seu teatro do absurdo mostra ao mundo o que acontece quando a sociedade moderna abre mão do movimento civilizatório. Ionesco foge para a Romênia quando a França, seu país de adoção, é invadido pelo exército nazista. Na Romênia presencia trabalhadores aderirem à estranha ideologia do Füher em uma manifestação delirante. Sua peça é uma sátira desconcertante ao nazifascismo, ao vazio existencial e à indiferença humana mediante horrores durante e pós Segunda Guerra Mundial.
O genial autor conta a história de uma cidadezinha em que indivíduos vão se metamorfoseando em rinocerontes: o filósofo, o lógico, o apologista do método científico e da razão, o indiferente, o burocrático, o político demagogo, historiadores, professores, sindicatos e operários. Aos poucos, pessoas perdem a pele lisa e a fala.
Mudam seus gostos e ideias. Mudam suas concepções de belo. Apreciam mais o grotesco, a força bruta e o barrido dos rinocerontes. No início, pensam que o processo de transmutação advém do contágio de uma doença: a rinocerontite. Mas, a partir de um certo ponto, a trágica bestialização já não é considerada anormal. Muitos sucumbem indiferentes a essa estranha metamorfose. Restam poucos os que se recusam à desumanização.
Enganam-se aqueles que pensam que nos livramos dos rinocerontes após eles destruírem parte do Velho Continente. Eles apenas se mantinham à espreita aguardando uma oportunidade para, de novo, se agigantarem. Os rinocerontes percebem que o Brasil é o país que tem mais terras férteis à sua reprodução em larga escala. Então, avançam com seu trote ensurdecedor sobre o território nacional.
Os rinocerontes de Ionesco são mamíferos de corpos maciços e muito pesados. Deixam um rastro de destruição por onde passam. Têm olhos pequenos e míopes. Como enxergam pouco, não suportam a diversidade, a crítica e a ciência. Indivíduos fora do seu clã, são vistos como inimigos. Assim, os atacam com seus cornos acerados. Possuem uma caixa craniana pequena, compatível com um cérebro diminuto, tacanho e parvo. Por isso, têm alucinações principalmente as de natureza política. Vivem à caça de fantasmas e de supostos sabotadores de suas ideias sobre educação e sociedade. A elite que os governa adora se refestelar na lama dos conchavos, da mentira e de golpes desferidos contra aqueles que ousam discordar de seu poder centralizado. Adotam uma ideologia selvagem e insana que consiste em aumentar a riqueza dos ricos.
Exemplo formidável dessa metamorfose é a estranha simbiose Apufsc/Proifes. Aliadas a insaciáveis rinocerontes capitalistas, chancelam a destruição de direitos sociais, a precarização das universidades federais, o rebaixamento salarial dos docentes, sobretudo, dos aposentados. Tanto é que assinam conluios com o governo em troca de migalhas nos níveis mais altos do plano de carreira docente. Defendem zero de reajuste salarial em 2024. Assim, chancelam o confisco geral de salários dos docentes. E, os aposentados? Que se virem com o confisco duplo de seus salários: zero de reajuste em 2024 e mais descontos de 11% mensais de seus salários destinados ao INSS. Além disso, nem se lembram da necessidade de reenquadramento de aposentados no plano de carreira, apesar de sua base ser maioria de aposentados. A eles, uma perversa indiferença animalesca. De vez em quando, para espantar a tristeza e o desalento docentes, oferecem um café, um churrasquinho, uma feijoada. Nada mais!
Apufsc/Proifes agem, concomitantemente, para acabar com o direito constitucional de greve a nível local e nacional. Não esquecemos da assembleia convocada pela diretoria da Apufsc a fim de encerrar a greve docente, uma das mais significativas após cerca de uma década e meia de paralisia política induzida pelo sindicato local. A mesa composta pelo presidente, pela secretária e pelo advogado do sindicato, causou enorme indignação na plenária lotada de professores. Essa composição, sabemos de cor de onde vem.
Como se não bastasse, o advogado, num dado momento, passa a conduzir a assembleia numa clara tentativa de intimidar e acusar grevistas de estarem desrespeitando o poderoso e ditatorial estatuto sindical. Rechaçada veementemente, a diretoria foge da assembleia e, em seguida, publica a mentira deslavada em um card: a greve terminou. Ainda bem que não lembraram de chamar o homem da capa preta que nunca se separava de sua fiel escudeira, Lurdinha, uma metralhadora capaz de convencer todos, sem discussão, ao pensamento político único.
A diretoria da Apufsc contaminada pela rinocerontite, tem alucinações persecutórias que servem para justificar a criminalização da militância docente e discente e, ainda, vilipendiar a própria UFSC. Aliás, precisa eleger como inimigos os docentes que discordam de sua política emparelhada com a Proifes, herdeira ímpar do liberalismo.
Não é por acaso que essa instituição faz de tudo para inviabilizar qualquer movimento de trabalhadores da educação. Mantida com milhares de nossos recursos, a Proifes os utiliza para desarticular nacionalmente formas de organização docente das Ifes.
Apesar de sua pequena representatividade, com apenas cinco associações docentes das Ifes, serve de escudo ao governo federal para o desmonte educacional das Ifes e a pauperização dos trabalhadores da educação.
O fato inegável é que diretoria da Apufsc não passa de mera extensão da Proifes-Federação. Foram os presidentes da Apufsc e da Adurgs que assinaram um acordo com o governo no dia 27/4, já que a Proifes à época, não poderia representar docentes federais sem registro sindical. Nesta condição, a diretoria da Apufsc se torna uma arma de luta contra interesses docentes de sua própria base. Ataca e tenta desarticular o movimento docente na UFSC. Ainda, afronta membros de órgãos do próprio sindicato. Impede que representantes dos aposentados do CR se comuniquem com seus representados via: e-mail, WhatsApp e correio. Recentemente, proibiu a secretaria do sindicato de enviar um texto de representantes de aposentados, para aposentados filiados ao sindicato. A diretoria censurou o texto! Traz à lembrança tempos sombrios da nossa história em que a liberdade de expressão é suprimida mediante censura de órgãos ditatoriais.
Por fim, a diretoria precisou varrer da Apufsc a autonomia, a independência, a liberdade e a solidariedade, princípios incompatíveis com o caráter político conspiratório da Proifes-Federação. Ademais, ambas se somam às forças sociais que aprofundam a precarização social no país. E agora? Novamente estamos diante do desafio histórico de resgatar politicamente a Apufsc e seus princípios éticos/políticos.
É hora de nos libertarmos da Proifes-Federação, condição imprescindível da autodeterminação do nosso sindicato.
*Edna Garcia Maciel é representante dos aposentados no CR da Apufsc