*Por Fábio Lopes
Na semana passada, circulou nas redes sociais um vídeo em que, em desajeitado jogral, o reitor e a vice-reitora abordam o que eles mesmos chamam de retomada das atividades na UFSC (querendo, por suposto, se referir ao fim da greve dos TAEs). Ora, tudo na peça é esquisitíssimo, para não dizer grotesco. Se a ideia era gerar simpatia e proximidade com as pessoas, o resultado foi um rematado fracasso. A dupla está visivelmente desconfortável sob a mira das câmeras. De resto, a química entre os dois é nenhuma. Não é de bom alvitre submeter adultos da espécie – sobretudo quando ocupam cargos de alta responsabilidade – à estética inevitavelmente pueril dos tiktokers & afins. Dá no que deu.
Mas o pior mesmo é o conteúdo das falas. Que história é essa de que – cito literalmente as palavras ditas no vídeo – “estamos retomando as atividades na UFSC nesta semana”? Nós quem, gente boa? A maior parte dos professores aderiu à greve docente por brevíssimo tempo ou nem mesmo paralisou as aulas e projetos de pesquisa. Para estes, o ritmo de trabalho segue normal há muito tempo. Ignorar tal fato é – em nome da demagogia com certas parcelas da universidade – virar as costas para um enorme número de indivíduos, suas decisões, critérios e valores. Não se trata simplesmente de manifestar clara preferência por uma determinada categoria; trata-se, na verdade, de agir como se uma parte da comunidade universitária simplesmente não existisse. Pior: ao recorrer à primeira pessoa do plural (“estamos retornando às atividades”), reitor e vice nem se dão ao trabalho de remarcar a necessária diferença entre sindicato e gestão.
Em qualquer circunstância, tais condutas seriam absurdas. Mas elas são ainda mais inaceitáveis em tempos de crise como os que estamos vivendo, que exigiriam justamente a celebração de um grande pacto em defesa da institucionalidade e da universidade – ou seja, o oposto da divisão, da discriminação e da cooptação.
O vídeo termina com a vice-reitora exortando os espectadores a reconstruir a UFSC. Mas como isso seria possível se o próprio discurso que ela e o reitor formulam dá mais uma estocada nas regras elementares da vida institucional e despreza os docentes que seguiram a votação organizada pela Apufsc ou os estudantes que não acompanharam a vanguarda que se lançou na assim chamada greve estudantil? Que reconstrução é possível quando parte considerável dos agentes que deveriam dela participar nem mesmo é levada em conta?
Vamos combinar: na novilíngua praticada pela atual gestão, reconstrução significa destruição (assim como inclusão significa exclusão, teletrabalho significa não trabalho, empatia significa discriminação, e universidade significa corporação).
Não por acaso, o vídeo – com aquela olímpica irresponsabilidade típica da linguagem das redes sociais – não apresenta nem sombra de um diagnóstico a respeito da crise universitária, que dirá um esboço, por mais elementar que seja, de um plano de “reconstrução” da UFSC. Reconstruir a UFSC? Não parece que algo desse tipo esteja no horizonte próximo. Considerem, por exemplo, o que neste ano nos espera em matéria de qualidade do uso do orçamento disponível. Senão, vejamos.
Na Administração Pública, os recursos recebidos por uma instituição em determinado ano precisam ser gastos naquele mesmo ano, sob pena de terem que ser devolvidos ao Erário. Historicamente, a UFSC nem sempre tem se revelado uma executora exemplar do dinheiro que lhe chega. Com frequência, a universidade recai na constrangedora situação de ver suas verbas recolhidas ou de, na melhor das hipóteses, ter que despendê-las às pressas, no apagar das luzes, sem critério ou planejamento. Isso é ainda mais deprimente quando se leva em conta o grande número de obras e aquisições necessárias ao bom funcionamento da Casa que, mercê de nossas deficiências, permanecem ao deus-dará, na longa e crescente fila das demandas não atendidas.
Em outros tempos, o próprio Prof. Irineu costumava reconhecer esse limite interno da UFSC. Suas quatro campanhas a reitor repisaram o argumento de que, a par da insuficiência de recursos, faltava à universidade desenvolver instrumentos e procedimentos eficientes para que os montantes em caixa sejam bem utilizados. Pena que, no exercício de seu reitorado, ele esteja bem longe de ter conseguido implantar ou mesmo esboçar esse prometido aperfeiçoamento das formas de consumir as receitas da UFSC. Pelo contrário: resta claro que, desde o início de sua gestão, há uma sensível queda na produtividade de muitos dos setores da Administração Central responsáveis pelo planejamento das ações, elaboração de compras/contratos e execução dos serviços contratados. Infelizmente, a UFSC parece cada vez mais propensa a perder oportunidades proporcionadas pelo seu já parco orçamento.
Cabe acrescentar que, curiosamente, de uns tempos para cá, o discurso do reitor mudou da água para o vinho. A antiga ideia de que a UFSC apresenta falhas importantes nos processos de utilização das verbas públicas simplesmente desapareceu de suas manifestações sobre o tema. Em lugar disso, ele entoa incansavelmente a litania de que, sem mais, o desfinanciamento explica a degradação da universidade.
Por isso, a recente paralisação de TAEs e de parte – certamente minoritária – de estudantes e docentes lhe caiu como uma luva. Uma perigosa simbiose se estabeleceu entre reitor e ao menos algumas fatias do movimento paredista: ao martelarem a ideia de que a falta de verbas é a causa única da ruína física da universidade, certas lideranças grevistas deram de presente ao reitor a possibilidade de ele se evadir da responsabilidade de corrigir as grotescas ineficiências de sua gestão; em troca, o reitor institucionalizou a greve, proporcionando ao movimento um fôlego que suas lideranças por si sós não eram minimamente capazes de obter.
Nesse jogo perigoso em que decidiu se envolver (e envolver a instituição), a Reitoria acabou por se meter (e meter a instituição) em uma enrascada adicional: como a paralisação atingiu em cheio os setores responsáveis pela elaboração dos contratos/compras e aqueles que, a exemplo da prefeitura universitária, realizam os serviços contratados, a execução do orçamento corre sérios riscos de, neste ano, ficar bem abaixo da já combalida média histórica da UFSC. Afinal, sobrará muito pouco tempo para que contratos e compras pendentes sejam concluídos ou para que a consecução dos serviços necessários se dê. Os centros de ensino têm uma infinidade de ações que dependem disso, sem o que as atividades-fim da universidade, já dramaticamente comprometidas, se tornarão ainda mais precárias e desassistidas.
A bola está com a Pró-Reitoria de Administração (PROAD) e a Prefeitura Universitária, que operaram a passos de cágado durante a greve e agora precisam compensar o tempo perdido antes do fim da vigência do orçamento da universidade disponível para 2024. Caso recursos tenham que ser devolvidos ou sejam mal gastos, a PROAD, a Prefeitura Universitária e principalmente seus superiores na Reitoria terão que ser duramente cobrados.
E serão.
*Fábio Lopes é diretor do CCE da UFSC