Sem que haja parâmetros claros, não é possível dizer se o Fies e o Prouni estão cumprindo aquilo que prometem, segundo reportagem da revista Piauí
Keisse Batista, de 25 anos, estudou a vida toda em colégios públicos de Manaus. Na hora de prestar vestibular, contudo, não conseguiu uma nota alta o suficiente para que pudesse ingressar em universidades do governo. Decidida a cursar ciência da computação, conformou-se em estudar numa faculdade particular, o Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa). Não tinha dinheiro para custear a mensalidade, que na época era de 450 reais, e por isso se cadastrou no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O programa, criado pelo governo federal em 1999 e expandido durante as gestões do PT, custeia a mensalidade de alunos que, por conta própria, não conseguiriam arcar com os boletos de uma universidade privada. O financiamento pode ser parcial ou integral. O governo dá, mas cobra: depois de se formar, o estudante que contraiu empréstimo deve quitá-lo integralmente, com o benefício de pagar uma taxa de juros inferior à praticada no mercado de crédito.
O cadastro deu certo, e Keisse entrou para a faculdade. O Fies arcava com R$ 350 por mês; ela completava os R$ 100 restantes com a ajuda do pai, um marceneiro autônomo que sustentava a casa. A jovem manauara seria a primeira da família a obter um diploma universitário. Em 2019, porém, sofreu uma crise de lúpus e precisou trancar o semestre. Estava no terceiro ano de faculdade. Depois vieram a pandemia e outras complicações – Keisse perdeu amigos para a Covid, o que a deixou muito abalada, e passou a ajudar o pai no trabalho, para complementar a renda da família. Nunca voltou à sala de aula. Sem diploma, não conseguiu emprego na área de ciência da computação; hoje, está desempregada. De sua passagem pela universidade, restou somente a dívida com o Fies, que este ano chegou a R$ 14 mil.
Até o início deste ano, ao menos 1,2 milhão de pessoas estavam na mesma situação, o que fez com que o governo federal lançasse um programa para socorrer os inadimplentes do Fies. Já foram renegociados R$ 13 bilhões em dívidas.
O endividamento em massa, que por vezes acarreta piora na qualidade de vida dos estudantes, é uma das principais críticas que especialistas em educação fazem ao Fies. Eles argumentam que o programa é uma alternativa insustentável para garantir o acesso dos brasileiros mais pobres ao ensino superior. Os defensores do Fies, por outro lado, afirmam que as dívidas são um efeito colateral pequeno se comparado à transformação social possibilitada pelo programa, que nas últimas décadas ajudou a diversificar o perfil de quem vai à universidade. Os dois lados dessa disputa costumam concordar num ponto: o Fies é uma política paliativa, que pode no máximo dirimir, a médio prazo, as desigualdades estruturais da educação.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu, contudo, que o Ministério da Educação nunca elaborou um plano claro para o Fies e o Prouni – programa que tem o mesmo propósito, mas que, em vez de financiar mensalidades, isenta as universidades de impostos em troca da concessão de bolsas a estudantes de baixa renda. O governo, segundo o TCU, não estabeleceu objetivos gerais nem metas específicas para medir se os dois programas garantem, de fato, acesso pleno à graduação, permanência no curso e empregabilidade. Sem que haja parâmetros claros, não é possível dizer se o Fies e o Prouni estão cumprindo aquilo que prometem: a ampliação e a democratização do ensino superior.
Leia na íntegra: Revista Piauí