*Por Fábio Lopes da Silva
As três recentes sessões abertas do CUn pareciam a antessala do inferno. Urros, vaias e ameaças despudoramente gritadas a conselheiros eram a língua oficial no recinto. Naquele carnaval macabro, valia tudo. Até piadas homofóbicas foram contadas ao microfone, para gáudio de multidões que, na esquina, dizem defender minorias oprimidas. Do alto da mesa de direção dos trabalhos, o reitor e a vice-reitora exibiam alegremente a sua total incapacidade e indisposição para colocar ordem no galinheiro.
Mas engana-se quem pensa que esse Sturm und Drang anunciava algum evento ainda mais espetacular – a Revolução Proletária, por exemplo. Nada como a tomada do Palácio de Inverno estava nos planos dos revoltosos. Passado o furor daquela autêntica saturnália, a UFSC mergulhou na mais profunda prostração. Quem circula pelo campus atualmente vê solidão e marasmo por toda parte. Mal dá para acreditar que, há não mais do que duas semanas, a universidade dançava convulsivamente à beira do abismo.
É que os manifestantes conseguiram o que queriam: não a libertação dos trabalhadores do mundo ou a salvação das almas danadas, mas bem menos que isso, a saber, uma resoluçãozinha capaz de proteger os direitos daqueles que participam do que, em rematado oximoro, se tem chamado de greve estudantil.
A resolução – que, aliás, teve o próprio reitor como relator da matéria – é de uma cretinice a toda prova. Por óbvio, ela é inaplicável, de vez que é impossível averiguar se um discente participou mesmo da soi-disant greve ou está apenas se beneficiando disso para vagabundear impunemente. Suponhamos por um segundo, contudo, que todos os nossos estudantes sejam seriíssimos e impolutos. Restaria ainda o fato de que o professor que eventualmente não tivesse continuada com suas aulas teria que, em troca da mesma remuneração, trabalhar duas vezes, a fim de contemplar os alunos não-grevistas e grevistas. Trocando em miúdos, a universidade inventou a primeira greve na história cuja pauta é violar direitos trabalhistas elementares. Parabéns aos envolvidos.
Mas a conquista suprema da resolução ainda não foi mencionada – e é, a rigor, a causa maior de a UFSC estar tão calma ultimamente. Trata-se do fato de que, como bom produto da miséria intelectual, moral e política em que a instituição hoje chafurda, o documento é amplo e aberto o suficiente para, sob o pomposo título de “reposição de atividades”, permitir qualquer coisa, de aulas mesmo até alguma falcatrua que substitua a cansativa tarefa de palestrar a jovens duas vezes por semana. Quem se disporia a gastar suas cordas vocais ensinando coisas úteis a efebos quando têm à disposição a pechincha de poder recorrer a alternativas muito melhores, como propor um trabalho para ser feito pelos alunos no recesso de seus lares?
Acho até compreensível que esse tipo de golpe pedagógico seja perpetrado por professores que não tenham feito greve, o que é uma maneira de resistir ao supracitado disparate de ter que trabalhar em dobro pelo mesmo salário. Mas o mais espantoso é que muitos professores grevistas estejam se valendo da vagueza da resolução para não ter que repor as aulas não ministradas durante o tempo em que eles mesmos permanecerem paralisados.
É claro que, para tanto, eles têm que contar com a cumplicidade dos estudantes, que precisariam guardar obsequioso silêncio em face do fato de que a formação a que têm direito fica assim prejudicada. Mas nada hoje é mais fácil do que obter esse curioso acordo de cavalheiros – perdão, cavalheires – em cujos termos “eu finjo que dou aula enquanto vocês fingem que aprendem”.
Outro triunfo fantástico das estupendas sessões abertas do CUn ainda não foi plenamente obtido mas está a caminho. É a proposta de postergar o início do próximo semestre para o dia 2 de setembro. Pouco importa se a greve que justifica esse atraso foi quase o tempo todo feita por uma minoria que quis – e ainda quer – impor a sua vontade à maioria. Pouco importa se o CUn recusou a ideia estapafúrdia de suspender o semestre 2024/1. Pouco importa se, para que o semestre 2024/2 possa ter seu início em setembro, ele precise ser reduzido a apenas dezesseis semanas, ao arrepio da ordem legal do país.
A mágica é simples:
- Reapresenta-se a questão da suspensão do calendário ao CUn sob uma nova roupagem.
- Obtém-se o aval de uma reitoria covarde e oportunista, mais preocupada com a reeleição do que com coisas comezinhas como a Lei ou a responsabilidade pedagógica.
- E vida que segue, com direito a férias prolongadas para grevistas.
Se preciso, é só pedir ao reitor mais uma sessãozinha aberta. Em sua Infinita Bondade, ele concede a Graça na hora. E ainda garante o principal: caso os Inimigos do Povo insistam em trair a Revolução – digo, Resolução –, é só permitir que o respeitável público dirija-lhes umas ameaçazinhas que tudo se acerta, tudo se arranja.
Assistindo a essas incríveis estocadas na institucionalidade e a essas fascinantes mudanças de humores que nos levam do hospício à paz dos cemitérios, e daí de volta ao hospício, costumo brincar que o verdadeiro nome da UFSC é Sodoma e Modorra. Depois das últimas sessões abertas do CUn, creio nunca mais precisar explicar a piada.
*Fábio Lopes da Silva é diretor do CCE da UFSC