Demiurgos sindicais

*Por Armando Lisboa

“É da natureza das ciências exatas que as ideias mudem: isto quer dizer que se aprendem coisas novas. Não se trata de teologia. Não se fazem declarações que se conservam intactas durante a vida toda. Ao contrário, nas ciências sociais as posições frequentemente são personalizadas. Quando se toma uma posição, deve-se defende-la a todo custo. Torna-se uma questão de honra pessoal não mudar, isto é, não aprender. Será acusado de contraditório se modificar sua posição”.

(N. Chomsky)

“Ser derrotado em uma greve faz parte da vida. Cometer erros também.
Mas ser pelego é uma arte, não é para qualquer um”.

(Valter Pomar)

Caro Bebeto,

Teu texto trouxe-me um misto de alegria e profunda tristeza. A satisfação advém de constatar que sequer uma vírgula dos meus três sucessivos artigos dissecando criticamente o Proifes foi arranhada: “Proifes, simulacro depressor”; “Pilotando para o inferno”; “Farsa sindical”. Ou seja, concluo que tudo que expus se sustenta.

A face deprimente deriva de ver o quanto te apequenastes… Na ausência de qualquer elemento impreciso ou falso a ser questionado na minha descrição do Proifes, recorres e abusas dos argumentos ad hominem, narrativas fraudulentas e muitas inverdades1. Este estilo sinistro, ardiloso e maldoso, fulanizando e envenenando a discussão, deprime horizontes e sinergias comuns e nos faz adentrar no inferno, como denunciei naqueles artigos.

Ao invés da pequena e corruptora política de agredir a moral deste ou daquele cidadão, nosso diálogo deveria se pautar nos argumentos postos. E eu levantei inúmeros. Por isto, relutei muito em responder. Apenas o faço em respeito ao movimento docente, pois não rebaixas um colega simplesmente, mas procuras atingir o processo político de renovação sindical em curso na UFSC.

Se sempre escrevi inúmeros artigos de opinião, na época da ruptura com o Andes eles foram ainda mais abundantes. Todo o processo foi conduzido sem manipulações, de forma aberta, sem pressa e com amplo debate.

Sim, incompreensões e feridas daquele momento perduram, ainda que tenha colocado minhas posições de forma clara e substantiva, sem apelar e baixar o nível. Como nunca ataquei algum colega como inimigo, hoje circulo nos mais diversos ambientes do campus e dialogo, olho-no-olho, com aqueles que, em algum momento, foram adversários. Não sei se o mesmo posso dizer de ti. Nem mesmo nas AGs conduzidas pela Diretoria tens sido visto…

Naquele momento de “refundação” da Apufsc (2007/2009) o Proifes já entoava seu canto de sereia. Dele tomei conhecimento apenas quando assumi a presidência da Apufsc. ‘Inexperiente”, e com as divididas de bola aqui postas, seria fácil escorregar naquela casca-de-banana. Tentações não faltaram… Tão logo entendi seu caráter pelego, logo me desentendi com suas principais lideranças nacionais. Até hoje elas não me suportam, e tu hoje deves bem saber disto, pois muitos dos seus dirigentes ainda são os mesmos.

Nossa crítica ao Proifes estava explícita muito antes da greve de 2012, momento em que ele escancarou seu peleguismo. Por exemplo, quando (em 2011) expusemos nossa concepção sindical.

Lutar contra a partidarização e aparelhamento dos sindicatos docentes universitários federais sempre foi o âmago do meu esforço neste campo nas últimas duas décadas. Como já afirmei2, a camisa de força partidária e centralizada aplicada ao sindicalismo é um figurino dos séculos XIX e XX que ainda perdura. Cabe costurar, com habilidade, uma unidade maior entre os polos opostos que hoje se engalfinham e, assim, deixam de corresponder às necessidades da categoria.

Mas não se pode equalizar Andes e Proifes, pois as diferenças não são puras nuances, nem uma questão de escala ou de moralidade, mas de natureza. Estas foram definidas no momento da sua concepção. Os vícios de origem do Proifes retratamos naqueles artigos: pau que nasce torto, morre torto…

Deves ter ficado, Bebeto, além de cansado, frustrado, ao procurares algum elogio meu ao Proifes, nas dúzias de artigos que publiquei… Nadinha, nenhum sinal de afeição ou consideração. Apenas encontrastes uma presença, a convite, num seminário em Goiás, como prova de minha “preciosa colaboração” com o Traifes. Algum problema? Como dirigente de uma categoria nacional, obviamente estive em atividades por todo país promovidas pelas mais distintas entidades, inclusive em Comando Nacional de Greve do Andes (indicado pela AG de então)…

Bebeto, me atribuis um poder que apenas a categoria tem. É ela, e não a vanguarda, quem ergue e mantém a estrutura sindical e, de tempos em tempos, com a experiência acumulada, a revisita e refaz. Este movimento de zigue-zague denota que nosso sindicato está vivo e buscando o natural aperfeiçoamento. Importa é que a mais ampla maioria se expresse e o conduza. Tens algo a temer?

Ninguém pode falar de cátedra diante do novo mundo das redes digitais. Assim como na vida, no meio sindical também todos somos aprendizes. É verdade: alguns de nós fomos mais aprendizes de feiticeiro, desencadeando forças que acabaram se voltando contra a categoria… Mas, se a vida é processo de aprendizado, sempre podemos nos reposicionar e melhorar. Por não talhar em pedra minhas posições, elas vão se modificando com a alteração diária das circunstâncias da vida. Todos evoluímos e aprendemos, pessoas e instituições.

Antes de pensar que a busca do maravilhoso e da melhoria do mundo é uma platitude romântica restrita aos poetas, dê uma olhada nos economistas, tribo inquestionavelmente hard e mais que realista. Uma floração recente dos mesmos, já coroada com o Nobel, defende o market design: podemos melhorar os mecanismos de alocação pois, “no caso dos mercados, é frequente um desenho ruim persistir” (Alvin Roth). Isto ocorre devido aos mercados serem instituições regidas por regras muitas vezes pautadas por autoridades externas (públicas/privadas) que influenciam seu funcionamento.

Ora, se até mercados são construções humanas passíveis de aperfeiçoamento, por que persistir com o desenho ruim do sindicalismo universitário? Somos, que eu saiba, a única categoria de trabalhadores com um racha organizacional mortal a nível nacional (Andes x Proifes). Isto resulta dum desenho sindical mais que errático para os docentes universitários. Se, como é sabido, a configuração atual de nosso precário sindicalismo é mais que arcaica e inadequada para os tempos presentes, se o divisionismo nos é fatal e rebaixa nossas possibilidades, como vimos na recente greve, por que mantê-lo?

Do Andes me posiciono com tranquilidade, pois, se vivenciei os tempos de sua fundação e participei do seu 1º Congresso, na UFSC realizado, há muito exponho minhas críticas ao seu ecossistema sindical (não é momento de aqui repeti-las) bem como mantenho uma posição política muito distinta da sua atual direção.

Assim, não é defender o Andes reconhecer que, sem dúvida, a regra da evolução vale para este sindicato nacional. Para além da sua troca de gênero, o Andes, por exemplo, recentemente desfiliou-se da central sindical Conlutas.

Mas, a lei evolutiva, ao que parece, não se aplica ao Proifes, pois este, ao contrário, aparenta involuir… Tudo indica que sua direção, ao lutar contra a vontade de sua base, trai-la, está empenhada em fazer haraquiri. O Proifes dispensa ajuda, até deste modesto escriba, para completar a tarefa da autodestruição.

  1. Por exemplo, quando me imputa de buscar destituir a atual Diretoria/Apufsc. Outras mentiras trarei ao longo deste artigo.
    ↩︎
  2. Em 2022 no debate sobre a filiação ao Proifes (ao invés de ter me omitido dele, como imputou Bebeto). ↩︎

*Armando Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Socioeconômico (CNM/CSE) da UFSC e ex-diretor da Apufsc-Sindical (2006-2010)