Federalismo versus verticalismo como modelo sindical

*Por Carlos Alberto Marques

O modelo federativo é o melhor modelo organizativo para o sindicalismo docente universitário. É mais democrático, de participação mais direta dos/as filiados, garante a expressão de interesses, identidades múltiplas e singularidades consideradas mais importantes (trabalhista, acadêmico, interesses regionais etc) dos/as filiado/as. A síntese dos interesses e demandas se dá no debate entre iguais e por meio de um colegiado formado por sindicatos independentes, que aceitam ou não as deliberações da Federação.

O modelo confere protagonismo local, regional e nacional a todos os sindicatos federados, não apenas à diretoria nacional eleita em um determinado momento e contexto, como aquela conferida e praticada em um modelo de sindicato único nacional, a exemplo da Andes-SN. A diretoria de uma Federação é uma entidade sindical de grau superior com abrangência nacional, sendo composta por representações dos sindicatos federados autônomos, podendo ser os diretores substituídos quando os sindicatos federados necessitarem. Essa é uma diferença importante com o centralismo da estrutura e da organização da Andes Sindicato Nacional, que, como o nome e sua composição representacional exprime, é sindicato único, reunindo universidades públicas em todos as esferas da união. Portanto, é imperativo que se estruture de forma hierarquizada, comprometendo a democracia direta, baseando-se, pois, na outorga de representação quase permanente. 

A verdadeira democracia sindical não deveria depender apenas da prática sindical das lideranças e muito menos da posição de poder (cargos) que elas ocupam nessa estrutura organizativa. A democracia sindical deve ser permanente, vigorosa, dialética, dialógica e transparente. Portanto, o formato da organização sindical em si determina muita coisa, inclusive seu caráter autoritário, burocrático e de elevando custo financeiro.

Em algumas entidades sindicais autônomas, as oposições têm ferrenhamente defendido a necessidade de se sair do modelo Federativo e voltar a se incorporar a uma estrutura única e centralizada. Isso implicaria em se incorporar numa espécie de matriz e os atuais sindicatos autônomos passariam a ser suas filiais (no caso o Andes-SN). Ser incorporado significa estar na geleia homogênea do centralismo das estruturas decisórias e assumir que as demandas e proposições que surgem localmente serão “avaliadas” pela diretoria, destacada da base e de certo modo também dela independente, bem como por outras e sucessivas instâncias e níveis de deliberação (no caso da ANDES, a diretoria é composta por quase 80 diretores/as). Como nem tudo cabe nas letras de um estatuto, o que é próprio de organizações sociais, os “patrolaços” políticos de diretoria são muito frequentes, ainda mais em uma entidade como a Andes cujo método de decisão não permite consultas online. Portanto, a forma de decisão e participação, e os conteúdos decisórios são expressão do modelo organizativo sindical.

Os graves problemas que enfrentamos, como os relacionados aos salários, carreira, condições de trabalho e financiamento das IFES e da pesquisa, requerem amplos debates e decisões representativas com o uso de instrumentos que permitem ampliar e diversificar a nossa participação. Isso tem ficado claro agora, com parte da categoria docente das universidades federais decidindo entrar greve, em alguns casos há 60 dias.

O tenso e até violento processo de discussões e de decisão sobre entrar ou não em greve, de aceitar ou não a proposta do governo, nos desafiam ao debate sobre o movimento sindical docente, incluindo sobre formas que garantam a ampla participação. O processo de deflagração da greve e sua insistência em mantê-la tem se dado na ausência da ampla maioria da categoria nos processos deliberativos, ou seja, via de regra, as decisões importantes são tomadas por assembleias presenciais pouco representativas. Assim, pelo modo como foi construída, a greve não pode de forma alguma ser considerada resultado do embate amplo e verdadeiramente público, e de participação democrática da categoria. Os instrumentos de consulta parecem comprometer os resultados deliberados.

Não se trata de negar a importância das assembleias para a coordenação e articulação de interesses coletivos, mas não é razoável, porém, sustentar que as assembleias presenciais sejam o único espaço e momento de deliberação, sobretudo para decisões que afetam fortemente a vida de todos os docentes e especialmente dos estudantes, alterando as rotinas da vida universitária.

Como descrito em um manifesto de docentes das bases da Andes que reivindicam votação online, ao todo somos mais de 100 mil docentes, distribuídos em 69 universidades por todo território nacional, com mais de 1 milhão de estudantes. Uma comunidade desse porte, e mesmo cada unidade em particular, algumas com mais de 4.000 docentes, não pode restringir o seu processo de tomada de decisão à deliberação em assembleias presenciais, com os problemas que todos e todas conhecemos. Em um sindicalismo universitário moderno, pressupor que docentes não sejam capazes de interpretar e julgar um determinado problema, de modo a tomar decisões sem antes ter ouvido presencialmente algum dirigente ou militante sindical, parece-nos uma afronta à inteligência alheia. Em um mundo digital, onde informações e opiniões circulam diuturnamente, é muito positivo a utilização de instrumento de votação online que possibilita e inclua o maior número possível de docentes nas deliberações importantes. Esse instrumento democratiza e incentiva a participação, conferindo maior peso às bases e legitimidade às decisões, sobretudo naquelas que produzem resultados mais drásticos e de impacto na vida universitária e social.

Essa questão da votação eletrônica é apenas um dos vários problemas sobre a necessária reforma sindical, que envolve a questão sobre o fim da unicidade sindical.  É imperativo que se debata sobre o melhor modelo ao sindicalismo docente, que não tenho dúvida é o federativo, formado por sindicatos independentes (com carta sindical). É um debate e uma reforma necessários se de fato queremos que o sindicato não definhe diante do avanço do individualismo em detrimento da identidade coletiva/comum do trabalho docente e da crescente perda de nossos direitos trabalhistas. A forma como nos organizamos e nos fazemos representar influencia muito no reconhecimento do papel e no respeito ao sindicato e a seus dirigentes.

*Carlos Alberto Marques é professor CED/UFSC, ex-presidente da Apufsc-Sindical e diretor do Proifes-Federação