*Por Nildo Ouriques
Na longa transição da ditadura para o regime liberal burguês, o sindicalismo combativo cresceu sustentado por duas forças fundamentais. A primeira – o economicismo – foi uma resposta até certo ponto “espontânea” contra a superexploração da força de trabalho, pilar do desenvolvimento capitalista dependente; a segunda força – a defesa intransigente da autonomia sindical diante do Estado e dos partidos – era uma resposta necessária diante do sistema bipartidário criado pelo AI-2, que opunha Arena e PMDB, um obstáculo à existência de partidos operários e socialistas. Embalado no progresso burguês, cuja expressão maior foram as taxas de crescimento do PIB de dois dígitos (13,97% em 1973), emergiu o sindicalismo combativo contra os pelegos garantidos pela legislação sindical da ditadura e seus crimes contra os nacionalistas, trabalhistas, socialistas e comunistas que sofreram o exílio, a tortura e a morte.
A atual geração de políticos profissionais da esquerda liberal (Lula no comando) é produto daquela articulação entre o economicismo e a defesa intransigente da autonomia sindical contra o tacão de ferro da ditadura de classe (1964-1985). A criação do Partido dos Trabalhadores (PT) – com a resistência inicial de Lula e os sindicalistas em criar um partido proletário! – fortaleceu a defesa intransigente da liberdade e autonomia sindical, um valor supremo à toda a esquerda, principalmente os petistas e sindicalistas nascidos naquele período.
A adesão do PT à ordem burguesa consolidou a completa submissão do partido à razão de estado e, em consequência, mesmo que de maneira vacilante, os sindicalistas assumiram com rapidez o “pragmatismo”, ou seja, aquela conduta que renuncia a luta pelo socialismo e reduz a política ao refúgio da moral ou à impotente política pública destinada à redução de danos num mar de exploração e violência. Cada qual à sua maneira, mesmo quando torciam o nariz, a verdade é que lenta e inexoravelmente os petistas se reconheceram como filhos bastardos de Francis Fukuyama, um obscuro acadêmico estadunidense que decretou a “fim da História” em benefício de Washington. Ocorre que não vivemos nos Estados Unidos ou na Europa e, portanto, na periferia, a vida é bem mais difícil.
A adesão pragmática à ordem burguesa parecia expressão da mais absoluta racionalidade e, de quebra, recebeu não só a aprovação, mas também o elogio da classe dominante (com a popularidade medida em votos), na qual todos os ex-sindicalistas combativos ocupando cargos em governos (municipais e estaduais) definiam a política como “a arte do possível”. Após a primeira vitória do PT na disputa presidencial (2002), a submissão do partido e dos sindicatos a uma razão de Estado – algo muito distinto de um partido de Estado – parecia confirmar a astúcia e as aparentes vantagens da luta dentro da ordem sob comando de Lula, expressão mais vulgar e visível dessa “concepção”. A despeito dos “erros” hoje inocultáveis, deixou uma legião de desavisados que atualmente paralisa o combate sindical e constitui um obstáculo importante para a superação de nossos problemas.
Na greve nacional do setor federal da educação em curso, o colapso da herança petista-lulista apareceu sob a luz do sol e revela os desafios imensos que temos pela frente na afirmação da universidade necessária para a superação da dependência e do subdesenvolvimento. Na aparência, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico (Proifes-Federação) representam polos opostos na luta sindical, mas não é preciso muito esforço para perceber que são, ambos, filhos do mesmo pai.
O Proifes ganhou força em 2007 na gestão de Fernando Haddad no MEC, destinado a sabotar o “radicalismo” do Andes-SN, então acusado de pretender nada menos do que a queda do governo de Lula/Alencar. Após a reforma da previdência que Lula promoveu contra nós (2003), o Andes abandonou a CUT e vinculou-se à Central Sindical e Popular Coordenação Nacional de lutas (CSP-Conlutas), central sindical à esquerda da CUT, onde permaneceu até o 41° Congresso, realizado em fevereiro de 2023, quando a maioria dos delegados (262 x 127) determinou – com forte apoio petista – a ruptura com os “radicais”.
Portanto, desde sua aparição e fortalecimento sob orientação do governo petista, nunca alimentamos ilusões em relação ao Proifes: uma farsa completa! Entretanto, ao contrário de sua miserável situação atual (apenas cinco ou seis sindicatos alinhados na “federação”), durante os governos petistas, o Proifes já contou com maior apoio e foi útil a seus governos. A decadência da federação pelega acelerou após a reeleição de Dilma em 2010 e posterior destituição em 2016: mesmo sob o cínico bordão da “Pátria Educadora”, a ex-presidente cortou radicalmente os recursos para a educação para o orçamento de 2016 em nada menos do que… R$ 10 bilhões!! Desde então, o gráfico do investimento e custeio para as universidades é uma violenta queda, origem da gravíssima crise de infraestrutura que sofremos.
Os governos posteriores – Temer e Bolsonaro – seguiram na mesma linha tal como demonstram os estudos disponíveis na página do Andes-SN. A sucessão de ministros petistas – Cid Gomes, Renato Janine Ribeiro e Aloizio Mercadante – revelou que o antigo orçamento bilionário do MEC deixava de ser um lugar confortável para carreiras políticas em tempos de austeridade. A destituição de Dilma representou forte revés naqueles que entre nós apostavam no “diálogo” com o governo e a recusa com o “radicalismo” tradicional alimentado por nosso sindicato nacional. Michel Temer, o escolhido por Lula para ser vice da ex-presidente, assumiu na plenitude e sem vacilação a política de austeridade fiscal (uma verdadeira guerra de classes contra a educação!). Em consequência, o futuro do Proifes estava completamente comprometido pois sua eficácia dependia essencialmente da disposição governamental no “diálogo” com a categoria.
A base petista nos professores foi lentamente percebendo que a maré tinha virado e sob o argumento liberal e fantasioso da “luta contra o fascismo”, atuou em consequência. Nesse contexto, sob razão de partido, ocorreu a reaproximação petista com o “radicalismo” do Andes quando o lulismo na base do Andes fortaleceu a mobilização pela a ruptura de nosso sindicato nacional com a CSP-Conlutas em 2023 e, na sequência, na última disputa pelo controle do sindicato, exibiu sua força não somente apresentando uma chapa competitiva.. Hoje, cada partido tem sua central e mesmo diminuído em suas forças, o Andes não deixa de ser atrativo para cultivar a fidelidade ao lulismo.
O Proifes, nascido da costela petista, sempre caracterizou sua existência na mais absoluta servidão voluntária. No jargão pedestre: um sindicato pelego. Agora, sob circunstâncias mais difíceis e sem o encanto do passado, constitui apenas um artifício jurídico para a razão de Estado arrochar salários e limitar a luta por novas conquistas. O Andes, filho legítimo e rebelde do sindicalismo combativo petista, amargou dias difíceis, mas se manteve firme na defesa do útero que lhe deu vida. Em consequência, atua nos marcos da ordem, mas mantém firmeza na defesa corporativa de nossos salários e carreira, na suposição de que assim, sustentamos a existência da universidade no Brasil sob o bordão tão anacrônico quanto inútil da “universidade pública, gratuita, laica de qualidade e socialmente referenciada”.
Na greve atual o confronto entre os dois filhos do petismo ilustra nossas misérias e limites. A miséria do Proifes não requer muito esforço para se elucidar; basta reconhecer que a “federação” possui menos de cinco ou seis sindicatos filiados a despeito de pretender um protagonismo impossível mesmo com a simulação de falar pela dor dos professores exibindo uma “responsabilidade” que ninguém mais possui. O Andes, orientado desde sempre pela antiga tradição e escolado na luta contra a queda dos salários e a deterioração da carreira, exibe os dentes, mas sem a antiga aderência. Aqui na UFSC – para dar apenas um exemplo – não conseguimos paralisar a maioria e não foram poucos os erros estratégicos cometidos pelo comando local. Além da divisão, o Andes não consegue atuar com sentido de vanguarda, lucidez e realismo diante das novas condições; de resto, vacila feio diante do espelho lulista.
A última reunião do Comando Nacional de Greve com o governo não poderia ter sido mais expressiva do fim de linha daquela tradição combativa e do trágico encontro dos dois irmãos diante do espelho lulista. Em nome do governo, um tal Feijoó mostrou a feição acabada de um sindicalismo sob razão de Estado; “firme e hábil”, segundo indicam alguns de sus companheiros, ele conduziu as “negociações” com mão dura sob orientação de Haddad, o ministro liberal da economia. Em maio de 2023 Feijoó foi festejado como novo secretário de relações do trabalho, anunciado por Esther Dweck. A carreira do rapaz autoriza seu lulismo: metalúrgico da Ford, coordenador da primeira comissão de fábrica, secretário geral entre 1999 e 2002 no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e cargos na CUT, além de “assessor especial” do presidente nas duas primeiras gestões de Lula. É homem de confiança do presidente, mas sem exagero podemos caracterizá-lo como serviçal, pois a submissão dos cutistas a Lula não admite ambiguidade.
Na mesa, o Comando Nacional de greve sob condução de uma delegação do Andes reivindicava a continuidade das negociações concluídas pelo governo por meio de um miserável e-mail enviado à nossa entidade nacional. Na oportunidade (27 de maio), o tal Feijó não vacilou em afirmar enfaticamente o “limite do governo”, o fim das negociações e, de quebra, o acordo com o Proifes. Os protestos e apelos de nossa entidade para arrancar um reajuste qualquer nesse ano (3%, por exemplo), não comoveram o ex metalúrgico. A frustração de nossos representantes foi completa como podemos ver no instagram do Andes e, em parte, no comunicado número 52 do Comando Nacional.
Há algo valioso na indignação que orientou o protesto de nosso Comando Nacional na reunião com o secretário de relações do trabalho do governo Lula. No auge da rebeldia, um brado originado no fundo da alma de um membro do Comando Nacional perguntou a Feijoó se o governo daria “um tiro no pé” ao assinar o acordo com o Proifes enquanto recusava nova negociação com o Andes. Outra representante de nossa delegação perguntou se o governo daria as costas para uma “categoria que contribuiu muito para a eleição do governo Lula”? Um cartaz do Sinasefe foi ainda mais longe no apelo: “Lula, assuma a negociação”.
O burocrata sindical, sob razão de partido, não vacilou: “sim, vamos dar um tiro no pé”. A referida cena circula nas redes digitais e desperta indignação, mas, na verdade, é trágica. O bate-boca não é destituído de importância. Nossa representação sindical declara em alto e bom som sua importância na eleição de Lula e cobra o amor não correspondido. No entanto, sabemos que o burocrata – todos os burocratas! – não possui coração: em consequência, Feijoó descarta qualquer possibilidade de atendimento e mantém a conversa com a mesma pressa dos passos que o afastam da sala onde o “diálogo” tinha se iniciado. No mesmo ritmo, os membros de nossa delegação o perseguem ávidos por qualquer ponta de esperança noutra oportunidade para arrancar algo de nossa vasta pauta de reivindicações. Entretanto, o caminhar de Feijoó é pleno de convicção e desaparece nos corredores do ministério; exceto, é claro, se o chefe Lula mudar de opinião.
A indignação e o protesto moral – a expressão mais eloquente da impotência em ação, como indicou Marx – orientou nossos representantes. Numa espécie de jogral, a delegação do Andes protestou, lamentou e como um náufrago que recebe uma boia, anunciou que no dia 3 de junho o governo confirmou nova reunião. É uma pálida e cruel versão do antigo bordão segundo o qual “a esperança venceu o medo”.
A preocupação do Comando Nacional é justificada. A greve vive, de fato, um impasse; em circunstâncias difíceis, é um teste importante para o amadurecimento político da categoria que já exibiu no passado força e vitalidade, mas cuja herança é desconhecida de uma categoria renovada e sem vida sindical ativa e fecunda. Ao contrário, os novos doutores nascem do ambiente acadêmico esterilizado no sistema de pós-graduação e distantes tanto do sindicato quanto da política em geral. Ademais, assumiram a carreira no ambiente criado pela adesão do PT à ordem burguesa com a carga de cinismo e miséria que podemos ver no Feijó e na ministra Esther Dweck, uma “professora como nós” disse alguém desavisado. De resto, o processo de “politização” é conduzido por professores educados nas bases da esquerda liberal onde Lula expressa o horizonte do possível num governo religiosamente apegado ao teto de gastos; de resto, o flerte com o identitarismo, cuja marca mais deletéria pode ser vista na adoção infantil da “linguagem neutra”, alimenta todas as ilusões no pluralismo, da diversidade, na tolerância e no “diálogo”, os valores da burguesia em tempos de paz, mas não em tempos de crise.
O impasse de nossa greve é produto de necessidades objetivas e ilusões corrosivas. A inflação degrada o poder de compra do salário, o orçamento das universidades é uma miséria e a universidade não figura como prioridade nem no discurso presidencial. A eleição de Lula foi considerada pela esquerda liberal uma condição necessária para “derrotar o neoliberalismo” e o fim da época das vacas magras para as universidades. Entretanto, o orçamento para a educação apresentado pelo novo governo foi inferior àquele deixado por Bolsonaro em pouco mais de 300 milhões de reais! Ademais, a administração democrática da economia política do rentismo convive com um mercado de trabalho marcado pela superexploração de 90% dos trabalhadores, responsável por cancelar de maneira definitiva o projeto da “universidade inclusiva” de Haddad e Janine Ribeiro, pois, entre trabalhar e estudar, o banco escolar sobra! Aos que duvidam da escolha basta ver a queda acentuada da relação candidato vaga do miserável vestibular em escala nacional. E, nós, os professores? Pois bem, a categoria – mais precisamente nossos representantes – julgavam que a eleição de Lula “estancaria o neoliberalismo” e permitiria uma importante alteração na “correlação de forças” favorável às nossas reivindicações. O reajuste linear de 9% permitido pela Medida Provisória 1170/23 em maio de 2023 renovou esperanças e a ingênua suposição de que o “governo está em disputa” motivou em larga medida o recurso à greve. Afinal, um governo que contou com o apoio massivo dos universitários não nos negaria um tratamento civilizado e próprio de “companheiros”.
A economia política do rentismo, no entanto, não tolera ilusões. Diante da adesão petista às razões de Estado, as classes dominantes perderam qualquer temor em relação ao protesto dos trabalhadores. O governo não é somente débil; até mesmo neófitos percebem que Lula e Alckmin não possuem qualquer iniciativa capaz de mudar o rumo. Ao contrário, todos os vícios acusados na campanha – teto de gastos, autonomia do BC, justiça tributária, respeito aos mínimos constitucionais em saúde e educação, etc – são agora transformados em virtudes republicanas! Ademais, se a classe dominante perdeu o medo dos trabalhadores, o governo sabe que os “rebeldes andesianos” já incorporaram a verdade segundo a qual a vida é “ruim com o atual governo, pior sem ele”…
A coesão burguesa tem a seu favor a conversão petista ao conto de fadas segundo o qual, nos marcos da ordem burguesa, podemos alcançar cidadania ao nosso povo via programas sociais assemelhados à filantropia. Feijó, mais do que nossos representantes, conhece a lição perfeitamente. O limite é imposto por Lula e Haddad, nessa ordem! A contrário do que supõe o cartaz do Sinasefe, Lula está no comando das negociações! Ora, conceder reajuste aos professores universitários impõe a tarefa de atender também os trabalhadores técnicos administrativos. Uma concessão aqui, autoriza outra greve ali. As carreiras que ganharam polpudos reajustes são aquelas “carreiras de Estado” estabelecida por Bresser Pereira no projeto de reforma administrativa dos tucanos tragada de bom grado pelo petismo. Professores não são fiscais, nem responsáveis pelo controle das aduanas e portos e, menos ainda, policiais! A economia política do rentismo dispensa educação, cultura, ciência e tecnologia! De resto, a “prioridade” do governo são os institutos federais e não as universidades, como repete com orgulho Lula em cada nova e modesta inauguração!
A greve esta diante de um impasse. O Comando Nacional não comanda e recusa a politização do movimento. Nos informes nacionais divulgados com frequência, não existe uma avaliação sobre as possibilidades de vitória ou a necessidade de recuo. O Andes não dirige a greve, se limita a representar a greve. As tendências políticas ou organizações que compõem a diretoria do sindicato nacional (PSOL, PCB, Petistas de coração) atuam nas assembleias locais sem, contudo, apontar um rumo para o movimento. Ora, num contexto de fragilidade política e ideológica do movimento docente, a direção não pode ser apenas uma representação das “bases” sem compromisso com o estabelecimento de novas exigências que a categoria requer para enfrentar com êxito a economia política do rentismo cuja expressão é a “austeridade fiscal” contra a educação em geral e as universidades em particular.
Ademais, a autonomia sindical – em relação aos partidos e ao Estado – deveria ser o fio condutor do processo de politização, único caminho para enfrentar a ofensiva do governo petucano contra a universidade pública em vias de extinção ou completa marginalidade. Aos que duvidam desse diagnóstico basta recordar que hoje existem mais de 3 milhões de alunos no sistema virtual (EaD) e a expansão dos Institutos Federais via emendas parlamentares ocorre sem qualquer conexão com um projeto educacional capaz de reverter a dependência científica e tecnológica do país.
Nesse contexto, a despeito do mal-estar, não cabe apoiar o voluntarismo que supõe a existência de uma greve da educação. Uma greve da educação é algo qualitativamente distinto de uma coincidência de greves! Ora, até mesmo a negociação salarial ocorre em mesas separadas e esperar alguma solidariedade efetiva entre categorias historicamente distantes e apenas unidas nas ilusões sobre as possibilidades de um governo liberal é incapaz de produzir frutos duradouros.
Portanto, a denúncia andesiana do “acordo golpista” realizado entre o governo e o irrisório Proifes, não produz efeitos concretos. A recente carta de professores petistas dirigida a Gleisi Hoffmann – presidente nacional do PT – expressa precisamente os limites da falta de autonomia do sindicato diante da razão de estado pois segundo a missiva a situação é “profundamente preocupante para o futuro do governo, do partido e do movimento sindical docente”. Não há como evitar um juízo sobre a origem intelectual da carta. Por um lado, o texto expressa a preocupação sincera com o “governo, o partido e o movimento”, nessa ordem! Por outro lado, é inegável que também representa mais um lance na vã tentativa de legitimação política dos professores petistas diante das ilusões segundo as quais o “governo está em disputa”. Afinal, qual o efeito de uma carta dirigida a Gleisi, a mais lulista entre os lulistas?
De resto, basta pensar que um partido sob razão de Estado e cativo de uma concepção parlamentar de política, está dominado por governadores, prefeitos, vereadores, sem qualquer compromisso ou interesse em mudar a orientação do MEC. A propósito, Lula não depende do PT; ao contrário, o PT é cativo de Lula! E, agora, para piorar, o presidente e seu governo petucano têm a seu favor a existência imaginária da “ameaça fascista”…
O lamento de nossos representantes sindicalistas, a desilusão que exibem com o “diálogo” diante de um governo insensível, a tristeza confessada abertamente, a melancólica repetição de que nossa pauta é justa, o caráter “tenso” das reuniões com Feijó, indicam que a velha ilusão com o petismo tem mil faces. No interior de nossa greve, o Proifes apenas expressa de maneira cínica o pragmatismo como virtude e “realismo”; o Andes, ao contrário, pretende a defesa de nossos salários, carreira e, na medida do possível, a recomposição orçamentária para nossas universidades. Entretanto, um movimento que não tenha total e completa independência do governo – inclusive na dinâmica do voto – estará condenado ao fracasso mesmo que agora, no apagar das velas, ainda possa arrancar uma migalha na mesa de negociação destinada antes de mais nada a manter as aparências. É possível que a greve nos deixe a dura e necessária lição das derrotas. Nesse caso, não seria a primeira vez e nem por isso devemos baixar a guarda. De minha parte, não temo afirmar que, além das perdas salariais e de carreira, deveríamos também sacrificar no altar das perdas, as ilusões na esquerda liberal, que, finalmente, nos trouxeram para esse beco aparentemente sem saída.
*Nildo Ouriques é professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)