O que restou sob a luz do dia?

*Por Raphael Grazziano

Os participantes das últimas assembleias da Apufsc se lembrarão do mote da Diretoria do sindicato, segundo o qual A democracia só se faz à luz do dia. O lema é mencionado sempre que há oposição à transmissão pelo YouTube, o que a Diretoria defende como uma “tradição” local imprescindível para o acompanhamento de todos os filiados, em especial aqueles de campi distantes.

Ignoremos por um instante esse fatalismo técnico de aparente impossível revisão, como se o universo digital pós-pandêmico não nos oferecesse nenhuma outra ferramenta de comunicação; como se os próprios editais das assembleias já não apresentassem uma saída ao indicarem a realização de videochamadas, mas não de transmissão pública. Ignoremos por um instante essa máxima solar, a luz do dia atingindo igualmente a todos os sujeitos políticos distribuídos em uma planície equalizadora de um mundo sem contexto, sem disputas de poder com grupos reacionários lacradores, sem big techs rentabilizadas pela radicalização conservadora. Nessa hipotética ágora digital, todos expõem seus argumentos e colaboram na construção dos interesses da categoria. Todos discutem em um consolidado e “tradicional” espaço de debate. Nessa neo-ágora, seria de se imaginar que a própria Diretoria colaboraria com o debate…

Mas não é esse o caso. Desde a última assembleia sindical no dia 21 de maio, proliferam as contra-evidências: a condução por murmúrios entre Mesa e assessoria jurídica, distantes dos microfones; a aversão a meros informes das outras categorias da universidade; a votação sem qualquer debate coletivo sobre a proposta do governo; o abandono da assembleia quando a posição da Mesa não foi acatada. Longe da luz do dia, a Diretoria preferiu despachar desde o seu gabinete aclimatado, de onde disparou ao longo da semana suas opiniões, suas interpretações de dados, sua curadoria de notícias, utilizando-se para isso de seu site e de mensagens, emails e mídias sociais, tantas ferramentas que, depois de toda a instabilidade política da última década e das muitas dificuldades no isolamento pandêmico, qualquer um reconhece serem aparatos de rebaixamento político e discurso de mão única. Eis o paradoxo: uma assembleia chamada por um grupo de docentes ausente, um grupo que não debate nem mesmo por procuração. Qualquer debate sobre a proposta do governo é tachado, como lembra o prof. Armando Lisboa1, como “assembleísmo”; contra esse dito assembleísmo, o antídoto adotado é o dirigismo digital.

Pois há, sim, divergência de posições. Dados discutidos nas assembléias mostram como a última proposta do Executivo federal, ainda que aumente a recomposição salarial de parte dos professores, o faz pelo achatamento de outras parcelas. A proposta cumpre uma fórmula mágica que, em meio às porcentagens, consegue dedicar uma fatia menor do orçamento federal.

E a recomposição orçamentária das universidades federais, ignorada pelo Proifes na negociação? A Diretoria defende, em seus disparos online, que o orçamento está sendo negociado em outra mesa, e que por isso não poderia ser atrelado ao desenrolar da greve. Fantástica inversão a realizada por esta Diretoria: é a greve que se adequa à mesa de negociação, e não a negociação que busca a resolução da greve.

Os dados já foram muito comentados, mas seu caráter escandaloso precisa ser registrado, como continuamente comentado em nossas assembleias. O orçamento universitário continua próximo à mínima dos últimos quinze anos (fig.1); a queda de poder econômico das universidades pode ser percebida ano a ano (fig.2) e especialmente quando comparamos o valor por matrícula de 2022 e 2010 (fig.3).

Fig. 1. Orçamento discricionário, fonte do Tesouro, sem emendas parlamentares, das universidades federais, com IPCA. Fonte: Ofício Andifes nº 107/2024.

Fig. 2. Empenho real por matrícula discente de universidades selecionadas. Em vermelho, a UFSC. Fonte: DIEESE.

Fig. 3. Variação 2021/2010 do empenho real por matrícula discente de universidades selecionadas. Em vermelho, a UFSC. Fonte: DIEESE.

As pautas da greve não são apenas dados contábeis, mas representam aquilo que somos contra: a precarização educacional e a pauperização dos aposentados. Se fosse interesse da Diretoria Apufsc-Proifes, os contra-argumentos a todos esses dados, amplamente levantados e discutidos por colegas nas assembléias, seriam feitos à luz do dia. Não é o caso, e o Proifes se congratula, em suas redes sociais, de um processo dito democrático mas em verdade de gabinete, que culminou na assinatura do acordo com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos em 27 de maio.

  1. Cf. Armando Lisboa, “Convicções e democracia”, nessa mesma seção de Opiniões da Apufsc: https://www.apufsc.org.br/2024/05/23/conviccoes-e-democracia/ ↩︎

*Raphael Grazziano é professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC