*Por Julian Borba
Em artigo publicado neste espaço, o Professor Armando Lisboa, citando Albert Hirschman, propõe que aqueles com diferentes visões sobre greve deveriam participar do debate público desarmados de suas convicções. Que através da livre discussão é que se poderia formar a opinião e tomar decisões sobre a continuidade ou não do movimento paradista na UFSC. Indica ainda que aqueles contrários à greve e que subscreveram o abaixo-assinado (entre os quais estou incluído) solicitando Assembleia Geral da Apufsc para deliberar sobre a proposta do governo não estariam dispostos a dialogar, pois não participaram de uma dita Assembleia convocada pelo Comando de Greve. A proposição seria louvável, não estivesse cheia de contradições.
Em primeiro lugar, trocas de argumentos, discussões e deliberações devem acontecer em espaços institucionais com regras previamente definidas, conhecidas e compreendidas: as ditas regras do jogo! A aceitação das regras é o pressuposto de qualquer processo deliberativo, no qual os participantes deveriam se comprometer, sobretudo, com a “incerteza de resultados”, para usar uma expressão de Adam Przeworski. Ora, no caso em análise, tais regras estão claramente definidas no estatuto da Apufsc, Título III, Capítulo II.
A aprovação da adesão dos docentes da UFSC à greve nacional se deu por maioria em votação eletrônica, conforme preconizado no Estatuto da Apufsc. Não li nenhum texto de Armando Lisboa contestando essa deliberação. Pelo contrário, escreveu sobre os “fura greves” e seu dever moral de aceitar o que foi aprovado na decisão da categoria.
A criação do Comando de Greve foi uma “jabuticaba”, pois o próprio Estatuto da Apufsc prevê unicamente o “Conselho de Representantes” como espaço institucional representativo da Associação. Dito isso, não caberia a tal Comando convocar qualquer assembleia deliberativa da categoria. Quando muito, ele seria um espaço informal de mobilização para as ações de greve, mas nunca com qualquer competência decisória.
Em 22 de maio, o Comando de Greve enviou email aos Associados da Apufsc com a seguinte mensagem: “Considerando que a proposta do governo (15/05/24) apresenta reajuste salarial insuficiente, piora a condição dos aposentados e não sinaliza nenhuma recomposição do orçamento das Universidades Federais, o Comando Local de Greve, respeitando as assembleias de 20 e 21/05/24, recomenda que os professores sindicalizados participem da votação online da Apufsc-Sindical e rejeitem a proposta do governo, para seguirmos em greve” (grifos no original).
Vejam que no texto do email, o tal Comando Local de Greve “recomenda” a participação na consulta eletrônica e pede “voto” pela rejeição da proposta governamental. Ora, isso indica que estão cientes e de pleno acordo com as “regras do jogo”. Porém, logo após o resultado da votação que deu a vitória pela opção de saída da greve, o mesmo Comando manifesta-se pela não aceitação do resultado das urnas! Ao fazer isso, estamos num outro campo que não o da democracia.
Rompeu-se ali com o mínimo necessário para sua existência: o compromisso com a incerteza de resultados. Nem o questionamento bolsonarista ao resultado das eleições presidenciais de 2022 desceu tão baixo!
Professor Armando, a história de vida de Albert Hirschman fez com que ele tivesse um compromisso sério e profundo com a democracia. Suas obras e palavras não mereciam ser colocadas num texto que exalta a democracia, renegando-a. Ao invés de Hirschman talvez fosse mais apropriado citar Lenin ou Stalin! Pensando bem, poderia ficar com Bolsonaro mesmo!
*Julian Borba é professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC