Lei do Narayama e política sindical

*Por Edna Garcia Maciel

Por vezes, parábolas nos dizem mais sobre uma determinada condição humana do que tratados que a descrevem. Ao refletir acerca da situação dos aposentados da Apufsc, é difícil evitar a lembrança de um conto: A Balada de Narayama.

Diz a lenda que num lugar montanhoso e remoto do Japão, havia uma comunidade de famílias deveras pobres. Todos moradores eram obrigados a trabalhar nas plantações, cuidar dos animais, caçar e cuidar dos afazeres domésticos, inclusive crianças e velhos. Como sabemos, à medida que as pessoas envelhecem, vão perdendo forças e capacidade de trabalhar. Acabam se tornando um fardo para a família.

Foi nessa aldeia que inventaram uma lei social, um estatuto, quem sabe, que ordenou: todos os velhos próximos de completar 70 anos deveriam ser levados, no início do inverno, para o pico gélido do Narayama. Lá, deveriam deixar seus velhinhos para morrer.

Porém, um aldeão resiste em cumprir a regra: levar sua amada mãe para o exílio fatal. Assim, ele é pressionado pela esposa, pelo neto e pela comunidade. Todos tinham que cumprir a lei para evitar que a desgraça e a desonra se abatessem sobre a aldeia. Foi com regozijo que a nora e o neto viram a velha partir. Agora, teriam uma boca a menos para alimentar. Além disso, a garantia de que os mais novos pudessem se dedicar aos seus afazeres, ao invés de gastarem tempo com seus inúteis idosos.

Hoje, quando vemos a situação em que se encontram os velhinhos aposentados sendo abandonados pela Apufsc, não podemos deixar de pensar que essa diretoria, não sabemos bem porquê, vendeu sua alma ao diabo, tal como Fausto, o protagonista de Goethe. Se não o fosse, o que os leva à defesa de humilhantes migalhinhas salariais para seus filiados? Ainda, não há justificativa plausível em aceitar acordos com o governo que excluam aposentados, dos que são a maioria do sindicato.

Aliás, a política da Apufsc fundamentada num estatuto que cerceia e condena o direto constitucional de greve, de luta de trabalhadores contra condições adversas de vida, somente serve para aumentar o grande leprosário social que se expande sem cessar, inclusive no Brasil.

Só esperamos que a Apufsc não inclua no estatuo um parágrafo que obrigue velhinhos, os que se tornaram inúteis à grande aldeia moderna, a se exilarem nos cumes geladinhos dessa prodigiosa ilha de Santa Catarina. Impossível?

O recém acordo assinado entre Apufsc/Proifes e governo evidencia o que? Um duro golpe nos aposentados e, na mesma medida, uma traição ao movimento docente. Talvez, não seja possível fazer uma espécie de ajuste de contas com a Apufsc. A história certamente fará. Como serão lembrados?

A greve continua, apesar da Apufsc. O Proifes não nos representa. Há em curso um forte movimento grevista nacional e unificado, com outras categorias de trabalhadores. A greve local continua e precisa do apoio dos colegas aposentados. Participem desse aguerrido coletivo nas lutas contra a precarização da própria vida e da educação.

*Edna Garcia Maciel é professora aposentada e membro do Conselho de Representantes da Apufsc