*Por Rafael Gallina Delatorre
A nossa Constituição de 1988 foi conquistada a duras penas, sendo estruturada com base na democracia e na promoção de justiça social, fazendo com que o Estado garanta saúde e educação para todos os brasileiros. Lá estão os pilares que seguram nossa democracia, de modo que o respeito à Constituição é respeito à democracia. Assim, democracia está estruturada em nossa sociedade através de um conjunto de regras de conduta, leis, direitos e deveres que devemos todos seguir para que a funcione para todos. Mais ainda, democracia é antes de mais nada uma prática social e política. Sei que todos sabemos essas coisas, mas em tempos de falta de conceitos é bom relembrar. Qualquer atitude “fora das quatro linhas da Constituição” é uma atitude golpista, muitas vezes com a intenção de promover um golpe de Estado. Por essa razão chamo de tramoia o impeachment de Dilma Rousseff.
Digo tudo isso para falar dos sindicatos, como o da Apufsc-Sindical, o meu sindicato. De modo geral, os sindicatos se preocupam em organizar os trabalhadores para a lutas por direitos negados pelos patrões, e isso é regulado e garantido pela Constituição, pela legislação sobre greves e pelo Estatuto do sindicato. É o Estatuto que contém o conjunto de regras a que todos os filiados estão submetidos de maneira que seu respeito garante o andamento democrático da entidade. Assim, em uma instituição de trabalhadores feita para sua organização política, está claro que a democracia deve ser o sistema de governo do sindicato e isso é regrado pelo seu Estatuto.
Pois bem, foi baseado no Estatuto da Apufsc-Sindical que mais de 5% de filiados exigiu a convocação de uma Assembleia Geral que acabou decidindo entrarmos em greve. O mecanismo de decisão colocado neste documento garante uma decisão democrática universal, e não feita por poucos em Assembleias presenciais na maioria das vezes esvaziadas. É o Estatuto que garante que votação seja feita online, ao longo de três dias, possibilitando que mais filiados possam decidir sobre assuntos importantes. Foi baseado nesse tipo de processo que me decidi aderir a greve mesmo tendo votado contra entrarmos em greve. Respeito às decisões democráticas. Só a democracia permite isso, tanto quanto é um direito daquelas pessoas que decidiram não aderir à greve. É isso que está na Constituição e na Lei de Greve. Tudo “dentro das quatro linhas”.
Entretanto, vejo que o caminho que estamos pegando nesse atual momento está ficando muito perigoso. Primeiro que, a partir da decisão democrática de entrarmos em greve, se criou o que se chama de Comando Local de Greve (CLG) para organizá-la, diga-se de passagem, instância não prevista no Estatuto, mas apenas uma “tradição” no meio sindical. Entendo que esse tipo de comissão possa ser adotada para auxiliar na condução da greve, mas de modo algum para substituir a Diretoria do sindicato, que foi eleita por votação pela maioria dos filiados. Insisto, não há nenhuma regra que normatize o funcionamento deste CLG, não é regulamentado, logo não tem DEVERES a cumprir, não tem direitos em nada, muito pelo contrário, tem o dever de cumprir o Estatuto da Apufsc. Não pode se querer usar o CLG para usurpar poderes da Diretoria, ao contrário é jogar “fora das quatro linhas”.
Na quinta feira a UFSC em Florianópolis amanheceu fechada por barricadas. Estou lotado em Joinville, porém o atual “capitalismo de plataformas digitais” nos permite saber os eventos em tempo real, qualquer coisa em qualquer lugar. Como se estivéssemos da França do século XVIII, os “comandos de greve” de estudantes, TAEs e docentes fecharam o acesso ao campus de Florianópolis. Estavam eles impedindo a entrada das forças de segurança das elites burguesas? Estavam eles impedindo a entrada do capitalismo rentista no orçamento da Universidade? Nada disso, isso seria impossível desta forma, pois no mundo atual se atravessam barricadas pelos mesmos sinais eletromagnéticos e plataformas que usaram para divulgar o ato. Não, esses militantes radicais estavam em guerra contra os docentes que não aderiram à greve. Como mencionei acima, não aderir à greve é constitucional, logo este grupo agia “fora das quatro linhas”. Atitude essa tomada em nome do CLG da Apufsc, como dito em vídeo nas mídias sociais. Logo, a que está prestando e pretendendo este Comando? Estão pensando em ações para cobrar o Governo mais orçamento? Estão pensando em ações para cobrar a Reitoria que cumpra suas obrigações e responda sobre os graves problemas de nossa universidade? Estão construindo nossa pauta local, estabelecendo alguma negociação com a administração central da UFSC? Não, pelo contrário, o que se percebe é que mexer com a Reitoria não passa pelo CLG, mas exclusivamente combatem o Governo Federal, o qual dizem não representar os trabalhadores, e que está em Brasília e não em Florianópolis.
Aparentemente, o que querem da greve é apenas ganhos políticos internos e muito pouco a resolução para nossos salários, carreira e condições de trabalho.
Na última sexta feira, a Diretoria da Apufsc convocou uma nova Assembleia Geral para discutir a proposta do Governo Federal e votamos a saída ou não da greve. Fez isto baseado em requerimento de mais de 5% de filiados, como aconteceu para entrarmos em greve. Respeitou o Estatuto, a democracia, a responsabilidade e legitimidade que sua eleição garantiu. Se o CLG fosse sério isto deveria ter partido dali, porém foi necessário haver este movimento de filiados para que a AGE viesse a ser chamada para o próximo dia 21 de maio.
Várias atitudes ao longo deste ano têm colocado em dúvida o respeito à democracia que tem um grupo de docentes (autodenominados Docentes em Luta, nada mais que o velho grupo do Andes que mantinha um sindicato paralelo, agora proibido pela Justiça de atuar aqui na UFSC), que agora “tomam de assalto” o CLG. Respeitar a democracia é uma das cláusulas pétreas de qualquer indivíduo que busca justiça social. Espero que esta próxima Assembleia do dia 21 ocorra bem e que TODOS e TODAS as professoras possam decidir democraticamente se querem continuar ou não em greve, após esta novidade de uma proposta final do Governo Federal. Porém, pelo que temos assistido, pode haver muita balbúrdia e ataques contra a realização da Assembleia, com o escopo de não deixar a categoria votar e assim nos manter em greve pelo maior tempo possível, bem ao contrário do que diziam várias manifestações observadas nas outras Assembleias. E isto tem um nome bem claro: GOLPE. Isto sim seria um golpe. Golpe pra que? Contra quem? Golpe é o que esse grupo ruidoso e antidemocrático quer fazer. Pra mim é esta a resposta. Não tem compromissos e práticas democráticas. Não respeitam o Estatuto e não agem em favor da categoria, mas aparentemente tão somente pelos seus interesses políticos, agindo como se donos da verdade fossem.
*Por Rafael Gallina Delatorre é professor do Departamento de Engenharias da Mobilidade da UFSC Joinville