*Por Rodrigo Otávio Moretti-Pires e Fabrício de Souza Neves
Ao término da sessão especial do Conselho Universitário da UFSC realizada no dia 30 de abril de 2024, a imprensa local noticiava atônita a rejeição do título de Professor Emérito ao ex-reitor Professor Rodolfo Pinto da Luz, pela proeminência acadêmica e relevância em sua atuação na história do Estado de Santa Catarina. Aos que participaram da reunião como eu, ou a assistiram pelo Youtube no canal oficial do CUn, se tratou de uma longa, conturbada e penosa sessão de quase quatro horas de duração. E aí surge uma questão: de quem é a responsabilidade desse desfecho?
A polêmica ao redor da concessão iniciou-se em novembro de 2023, quando alguns setores da comunidade universitária questionaram as circunstâncias do início da vida política do Prof. Rodolfo no movimento estudantil e, por pouco, a sessão inicial em que a temática foi levada a baila, não termina em um desfecho semelhante ao ocorrido, mas com um número muito mais expressivo que os 5 votos contrários na sessão de 30 de abril. Um dos conselheiro, Prof. Alex Degan, Diretor do CFH, pediu vistas ao processo.
Passados cinco meses, a presidência do CUn traz o assunto de volta. O parecerista de vistas chega à mesma conclusão da parecerista original, a Pró-Reitora de Extensão, Profa. Olga Regina Zigelli: sim, o Prof. Rodolfo mereceria a honraria universitária. Mas ele acrescenta uma análise importante sobre o contexto e um pedido de desculpas do Conselho Universitário a estudantes da chapa de oposição ao estudante Rodolfo Pinto da Luz, que foram prejudicados pela cassação de suas candidaturas ao Diretório Central dos Estudantes pela reitoria, no contexto político da época.
Mesmo assim, com um parecer original e um parecer de vistas com esse mesmo desfecho, diferindo nesse elemento contextual e pedido de restauração histórica dos acontecimentos da ditadura militar que avizinhavam o início da carreira política do Prof. Rodolfo, não se chegou a concessão. Estranho caminho, não?
Pois então… infelizmente não é fato estranho para quem vive desde julho de 2022 a UFSC. A chapa vencedora, então chamada de “Universidade Presente” desonra o passado de nossa universidade, e a encaminha a um futuro que assusta diariamente cada pessoa que dela faz parte.
Apesar da imprensa ter aludido a movimentos ideológicos de esquerda, o fato é que não foram questões ideológicas que geraram o desfecho em uma análise pormenorizada e racional. Vejamos: a sessão inicia-se, como pode ser observado no canal já mencionado em seu minuto 20m:22s, com o Reitor perguntando a Secretaria do Conselho se o quórum de 42 conselheiros foi atingido, número mínimo de votos necessários para aprovação da concessão. Ou seja, bastaria que apenas um conselheiro presente não votasse a favor, para que o desfecho estivesse determinado. Portanto, a presidência deveria saber, ao início da sessão, qual seria o desfecho. No final, 5 conselheiros presentes votaram contrários, e 38 a favor do parecer do Prof. Alex, que indicava a concessão.
Essa reunião fora agendada para ocorrer na modalidade híbrida, com a etapa presencial no Centro Socioeconômico (CSE). Pouco menos de 3 horas antes de seu início, foi modificada para modalidade online, por pura deliberação da presidência. Segundo o Reitor e a Diretora do CSE, “um cartaz do movimento de greve foi encontrado no auditório”, sem qualquer manifestação oficial do SINTUFSC ou do Comando de Greve sobre o fato, abrindo brechas a incertezas sobre a necessidade concreta da modificação.
Também chama a atenção que, ainda que outros centros tenham oferecido abrigo ao Conselho Universitário, o Reitor decidiu pela modalidade virtual. É digno de nota que essa sessão, que poderia ter sido convocada em qualquer momento desses últimos cinco meses, ocorreu em meio ao movimento de greve em franca ascensão, quando as tensões políticas naturalmente afloram.
Já no início, a presença de conselheiros foi baixíssima, como demora significativa para que o quórum mínimo fosse atingido. O que presenciamos ao início da discussão foi surreal: tanto conselheiros a favor como conselheiros contrários à concessão da honraria questionaram se não seria mais adequado que a reunião fosse adiada, já que havia poucos presentes e, que a modalidade remota prejudica tanto a discussão como as votações. Os contrários, provavelmente queriam a reunião presencial pensando que assim pressionariam mais efetivamente pelo voto contra; já os favoráveis à honraria, ao menos os que fazem contas, talvez estivessem reconhecendo que na sessão atual não haveria votos suficientes para alcançar os 3/5 necessários para à concessão, e pensavam que um número maior de presentes ocorreria numa próxima reunião.
Por uma clara intenção da administração central da Universidade, a presença física não foi a opção da Universidade Presente. No meio da sessão, problemas de conexão foram observados várias e várias vezes, incluindo na própria votação e contagem dos votos. Foi realmente uma semana de instabilidade na rede UFSC, fato também cada vez mais frequente.
Voltemos a questão do quórum. Inicia-se a reunião com o mínimo necessário, mesmo com os riscos de, ou não ter quórum até o fim da sessão, ou terem votos contrários suficientes para a não concessão. Quarenta e dois presentes é o quórum mínimo, tanto para Sessão Especial de Apreciação da proposta de título de professor Emérito, como também o número mínimo de votos a favor para a concessão, cujo universo de conselheiros é de 66. Desses conselheiros, 08 representam estudantes de graduação e pós graduação, 08 Técnicos em Assuntos Educacionais, 04 a sociedade civil e 46 docentes. Foram 38 votos a favor e 05 votos contrários, sendo que havia 36 docentes presentes, 4 representantes dos estudantes, 2 representantes da sociedade e 1 representante dos TAES, segundo a lista de presenças oficial. Portanto, 10 representações docentes não presentes na sessão.
De início já se avizinhava a derrota da proposta, com as falas contundentes dos setores que desde dezembro questionavam diversos aspectos da concessão. E o que a administração central fez? Insistiu. E perdeu.
Como já registrei, os dois pareceres indicavam a concessão do titulo ao Prof. Rodolfo, portanto não há culpa de um parecerista ou de outro parecerista. Não é razoável atribuir essa responsabilidade. Foi responsabilidade de quem e de como o processo foi conduzido. O relator de vistas, assim como alguns conselheiros relataram que antes da sessão, foram feitos contato de diversos atores da universidade para que a concessão fosse o desfecho. Inclusive por membros da alta administração da UFSC e que, insistimos, foi quem conduziu o processo como um todo. O abafamento de fatos e as tentativas de censura em sua divulgação não são as melhores e mais democráticas condutas (principalmente no ambiente acadêmico), e geram ressentimentos profundos.
A batuta está na mão do Reitor desde de julho de 2022, figura central da universidade que por diversas vezes se perdia no meio dessa lamentável sessão, assim como teve que ser lembrado sobre o funcionamento do regimento e a condução da reunião pelos conselheiros. A exemplo, um de nós autores (Rodrigo Moretti), teve que rememorar o Reitor que depois de votado, com quórum, não é legalmente possível refazer a votação. E, para quem defende democracia como central em todos os atos da universidade, o fato de aventar essa possibilidade é no mínimo assustador.
Os defensores da reunião online no início, ao final, registram que ela prejudicou o processo, apenas depois da abertura da urna virtual. Fica a reflexão: de quem foi a culpa da não concessão do título ao Prof. Rodolfo? Para nós, é meio evidente, porque no presente, a universidade que temos é ausente, desonra o passado e toma caminhos que anteveem um futuro temeroso. Esse é o relato de uma das mais tristes sessões da história do Conselho Universitário, e não apenas pelo Professor Rodolfo, mas por ser mais um registro da atual situação da universidade que temos nesse presente.
*Rodrigo Otávio Moretti-Pires é chefe do Departamento de Saúde Pública da UFSC, e Fabrício de Souza Neves é diretor do Centro de Ciências da Saúde.