O bom menino não faz xixi na cama

*Por Armando Lisboa e Paulo Horta

“A política é o esforço interminável de imaginar e criar um mundo e um futuro comuns.”
(Achille Mbembe)

Na sexta, dia 19, ocorreu, finalmente, uma “mesa de negociação específica da educação”, após mais de um ano de espera. Na véspera, a Diretoria do Proifes foi recebida no Palácio do Planalto, no gabinete do ministro da Comunicação Social: https://www.apufsc.org.br/2024/04/18/proifes-cobra-proposta-concreta-do-governo/.

Como é sabido, a grande tese do Proifes nesta “negociação” é elevar o piso inicial docente nas IFES ao nível do piso nacional do magistério. Lá foram não apenas para uma visita de cortesia e tomar um cafezinho, mas para arrancar este ganho no dia seguinte. Em vão. Naquela sexta o Governo, além de nada falar em relação ao piso, manteve zero % para 2024.

A notícia traz uma bela foto dos nossos comportados bons meninos. Como sabemos, “o bom menino não faz xixi-na-cama, o bom menino não faz malcriação” … Sabemos também que no seio de uma família, em geral, quem recebe mais atenção é a criança birrenta, “problemática”, que reclama e esperneia pelos seus desejos. Biblicamente, aliás, o filho pródigo ganha mais carinho e afeto que o bem comportado.

Isto é ainda mais válido na cena política. O “papai-governo” vai se mexer e coçar apenas quando sinais de protesto despontarem (ou seja, greve …). Aí é que se instalam, verdadeiramente, negociações. Este é o exato script que está a transcorrer.

Cadê as meninas (professoras) na foto? Não querem também posar de “boazinhas”, ou será que, absorvidas na batalha do empoderamento, são cada vez mais rebeldes?

Nada contra seguir bons modos e etiquetas, pelo contrário. Também não é maldade usar das suas redes pessoais e políticas para obter vantagens para a categoria. Mas, é ingenuidade acreditar que ganhos efetivos advirão usando prioritariamente destas relações e práticas, sem privilegiar a mobilização da base docente, como faz o Proifes. 

Este viés decorre de erros conceituais sobre a lógica do poder e do mundo sindical. Este gravita em torno da organização e politização de uma categoria. O bom caminho sindical é fazer pressão em defesa dos interesses da mesma. O contrário é apostar que basta sensibilizar moralmente as elites, “negociar” diretamente com elas sem exalar o bafo da resistência dos de baixo. Esta é a má prática sindical – pois infrutífera para os trabalhadores. Os que a adotam foram, pela história, classicamente denominados de “pelegos”: lideranças que traem a base e acabam se enamorando com as classes patronais nos seus salões.

Como estamos vendo, o Proifes joga com as cartas do governo, adotando o núcleo das suas teses financistas e austericidas que impõem zero de reajuste em 2024.

Em verdade, como braço sindical de um governo escolado no mundo do trabalho (e por ele ardilosa e espertamente concebido), o Proifes sabe que ele só tem “peso” diante do sindicato rival, Andes, cuja força deve anular e se contrapor. Ou seja, só existe para contrabalançar a pressão andesiana, e permitir ao governo forjar uma resultante que lhe seja mais favorável.

Uma analogia com as palavras do fisiologista alemão I. Brucke é desveladora: “o Andes é como uma mulher sem a qual o Proifes não consegue viver, mas com a qual tem vergonha de ser visto em público”. 

De certo modo, o Proifes é um artifício que busca ter o gozo de representar o galinheiro e, simultaneamente, defender o interesse do lobo. Assim, ele expressa a apoteose obscena da velha conhecida história, a do conluio estreito entre poder e ilusórias ambições carreiristas.

 *Armando de Melo Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais (CNM/CSE);  Paulo Horta é professor do Departamento de Botânica (BOT/CCB)