*Por Tiago Kramer de Oliveira
Temos motivos de sobra para insatisfação. Os professores que ingressaram nos últimos 11 anos estão em uma carreira pouco atrativa. Os degraus no interior da classe de adjunto são quase imperceptíveis e a mudança de classe – de adjunto para associado – poderia trazer algum alívio, mas chega tão tarde (depois de 11 anos) que serve apenas para recuperar parte do poder de compra após longos anos sem recomposição. A escolha de prestar um novo concurso para ingressar em universidades de maior prestígio, onde poderão atuar em pós-graduação e compor grupos de pesquisas, implica em voltar ao começo da carreira novamente, incluindo o estágio probatório.
É preciso considerar que as políticas adotadas desde os anos 2000, na era Lula, oportunizaram a um maior número de jovens, de famílias de classes mais baixas, estudar em universidades públicas e em programas de pós-graduação. Jovens que hoje são significativa parte dos professores universitários e muitos deles estão ou ingressaram no magistério superior em universidades ou cursos do REUNI. Esses professores fazem parte da primeira geração da família a ter um diploma universitário.
Após mais de dez anos de formação com bolsas ou salários que mal garantiram alimentação e moradia, esses professores ingressaram na universidade por volta dos trinta anos de idade, com uma mão na frente e outra atrás, começando do zero (ou melhor, abaixo de zero, com dívidas acumuladas). Em um país tão desigual, marcado pelo trabalho precário e informal, reclamar de um salário bruto de mais de dez mil reais pode parecer falta de sensibilidade e empatia. No entanto, são justamente profissões como a da docência no ensino superior que abrem caminho para a ascensão social, fomentam a formação de melhores quadros para contribuir com o desenvolvimento social e econômico do país e servem para tornar a universidade mais diversa, plural e qualificada para todos.
Essa mesma geração sabe que terá que trabalhar 40 longos anos para se aposentar com 100% da média salarial, o que estará bem abaixo do salário que receberá no fim da carreira. Manter esses docentes tantos anos em níveis baixos da carreira tem, portanto, impacto enorme em suas aposentadorias. Sobre os atuais aposentados, o grande prejuízo foi para a conta dos que saíram da ativa antes da criação da classe de associado e ficaram retidos no último degrau da antiga carreira. Já se passaram 18 anos da criação da nova classe, mas em razão da possibilidade de aposentadoria antes dos 60 anos e da longa esperança de vida da classe média urbana, é muito significativo o número de professores aposentados que amargam a condição de estarem no último degrau de uma carreira na qual os vencimentos são muito inferiores ao último degrau da carreira atual. Sem mais delongas, é preciso melhorar os salários e corrigir distorções na carreira. Ingresso mais atrativo com progressão mais rápida para os novos e alguma justiça para os docentes que se aposentaram antes de 2006 parecem pontos que deveriam estar no topo da lista.
Sobre as condições de trabalho, é desnecessário dizer o quanto pioraram e o quanto precisamos de reposição orçamentária. Ter motivos de sobra para reivindicar melhores salários e condições de trabalho são requisitos importantes para iniciar uma greve, mas não são suficientes. O esgotamento de formas alternativas de mobilização (negociações, manifestações, paralisações), a movimentação ativa das bases e certa unidade do movimento são fundamentais. Atualmente, tudo nos falta.
A deflagração de uma greve nacional docente para o primeiro semestre foi proposta no Congresso do Andes, realizado no final de fevereiro deste ano. A votação no congresso do Andes, de longe o maior sindicato que representa os docentes federais, já demonstra a divisão no interior da categoria. A “greve já” foi aprovada por 156 professores, enquanto 136 se posicionaram de forma contrária (registre-se, optaram pela mobilização que poderia ou não resultar em greve) e houve 36 abstenções. Mesmo com a nítida divisão, a direção do Andes trabalhou para fazer a greve vingar, do centro para as bases. O que se viu nas bases foi a continuidade da divisão original. Assembleias nas universidades federais definiram pela greve ou não greve com resultados muitas vezes apertados e calorosos embates. Hoje, a greve atinge menos da metade das universidades federais (23 das 63, de acordo com dados disponíveis em 23 de abril).
A UFSC não é filiada ao Andes, mas não ficou alheia ao debate. De forma legítima, professores propuseram a deliberação sobre greve em sincronia com o calendário das demais Ufes, em 15 de abril. Após imensa participação docente, a votação definiu pela não adesão à greve, por uma diferença de apenas 70 votos. Seguiu o mesmo caminho de outras grandes universidades que escolheram não aderir. Inegavelmente, é um movimento dividido. Os que viveram as agruras da greve de 2012, que teve adesão inicial muito superior, podem ter noção do quanto pode ser penosa uma greve em meio a profundas divisões na categoria.
Esperava-se que com o encerramento da votação o movimento se unificasse em uma mobilização sem greve, para acompanhar as negociações, comparecer às manifestações, deflagrar atos e paralisações pontuais. O que também deveria ocorrer no caso de uma deflagração, ou seja, os contrários à greve juntarem-se aos que saíram vitoriosos. Contudo, em uma atitude legal, mas politicamente questionável, um significativo grupo de professores utilizou um artigo do estatuto da Apufsc para impor a realização de uma assembleia para deliberarmos novamente pela greve, no dia 30 de abril. Um dispositivo que, aparentemente, pode ser usado ao infinito ou até a obtenção do resultado desejado.
A negociação salarial não estava esgotada ou suspensa na última assembleia que não deflagrou greve, e as conversas sobre mudanças na carreira ainda têm muito a avançar. Na reunião do dia 19 de abril, o governo apresentou uma proposta melhor do que as anteriores, porém longe de ser satisfatória. Mais uma vez, essa proposta não representa a palavra final, e a negociação segue em curso. É uma opinião pouco fundamentada a de que a deflagração da greve tenha influenciado essa nova proposta. A carta da greve sempre esteve em nossas mãos, e o governo sabe que, primeiro, a categoria está cada vez mais atenta – estamos em estado de greve, lembrem-se – e que, segundo, uma greve de grande porte pode ser organizada se as negociações não avançarem. O mês de maio é crucial, pois foi o prazo que o próprio governo estabeleceu, antes da deflagração da greve, para avaliar a possibilidade de oferecer algum índice de recomposição para este ano, após verificar o aumento da arrecadação.
Decidimos, de forma democrática, aguardar as negociações sem deflagrar greve. Era de se esperar que agora fosse o momento de avaliar a proposta que recebemos após a decisão tomada em Assembleia e retornar à mesa de negociação. Aliás, alguns pontos foram pelo CD do PROIFES: “O Conselho Deliberativo (CD) do PROIFES-Federação, reunido remotamente no dia 22 de abril, ao analisar a última proposta de acordo apresentada pelo Governo Federal em 19/04, avalia que houve avanços em relação à proposta original. No entanto, este CD entende que há necessidade de melhorar a proposta e, para tanto, reivindica que o Governo: apresente um índice de reajuste ainda em 2024; aumente o índice de reajuste proposto para 2026; cumpra o Piso Salarial do Magistério até 2026; valorize a entrada na carreira do magistério federal, substituindo as classes A/DI e B/DII por uma classe de entrada; aumente os steps das classes C/DIII e D/DIV para 5%; equipare os valores dos auxílios alimentação, saúde suplementar e creche dos servidores do Poder Executivo com os dos servidores dos demais Poderes até 2026”. Tendo em vista a decisão já tomada de não entrarmos em greve diante do que estava colocado na mesa na primeira quinzena de abril, vejo como pouco razoável a categoria deliberar novamente por greve depois da apresentação da proposta atual, antes do esgotamento das negociações.
A construção de uma greve forte ainda é possível. Ela precisa ser construída a partir do esgotamento das negociações, com pauta objetiva e crível. Precisa ser ampla e rápida. Sobretudo, ela precisa emergir de uma mobilização crescente. Uma vitória oportunizada por quóruns mais baixos em votações, manobras regimentais ou por pressões externas, pode fazer com que a greve seja aprovada. Muitos vibrarão. No capítulo seguinte, vários centros da UFSC funcionarão normalmente, outros ficarão às moscas com carteiras empilhadas em frente às portas das salas. Não será a primeira vez.
Quando receberem em seus e-mails o chamado para deliberar o que já foi deliberado, não se enganem, não é dèja vu, não é conteúdo repetido, é uma nova votação.
*Tiago Kramer de Oliveira é professor do Departamento de História da UFSC