*Por Camilo Buss Araujo
No atual governo, enquanto houver mesa de negociação, há diálogo. Essa talvez seja uma das grandes diferenças do atual governo para os seus antecessores, Temer e Bolsonaro. A constatação parece óbvia. No entanto, na atual conjuntura política, se faz necessária. Gostaria de apresentar alguns fatos que talvez mereçam atenção em virtude da Assembleia Geral Extraordinária da Apufsc marcada para o dia 3 de abril com pauta única: greve dos professores.
- O atual governo, logo quando eleito, concedeu reajuste de 9% para os servidores públicos federais. É um reajuste suficiente? Por óbvio que não. Mas traz um indicativo de que há o reconhecimento da importância dos servidores públicos no atual projeto de governo;
- Não havia reajuste salarial para os professores das universidades federais desde o acordo feito em 2015, durante o governo de Dilma Roussef – que viria a ser deposto no ano seguinte;
- Desde então não só não houve qualquer reajuste salarial para os professores como não foi sequer aberta qualquer mesa de negociação;
- O governo anterior não apenas não deu um único centavo de reajuste aos professores, mas também expressou seu desprezo pelos servidores públicos. Quem não lembra da reunião ministerial em que Paulo Guedes sugeriu que se aproveitasse a pandemia de Covid-19 para “colocar a granada no bolso dos servidores públicos”?
- Os ministros da educação trabalharam arduamente para implementar mudanças como o “Future-se” que, na prática, extinguiria o conceito atual de universidade pública, deslocando sua manutenção e financiamento para os investimentos privados;
- Diante desse cenário, é importante marcarmos algumas diferenças e refletir sobre algumas manifestações, tanto da extrema-esquerda quanto da extrema-direita;
- Há uma Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) que engloba membros do atual governo e representantes de sindicatos das categorias de servidores públicos (excetuando aquelas que se recusam a negociar);
- Está marcada para abril uma reunião da MNNP que pode definir o reajuste da categoria e enviar para o Congresso a revisão da Lei de Diretrizes Orçamentárias em maio;
- Está claro que o reajuste zero é inaceitável. Isso está expresso tanto na página do sindicato (APUFSC) quanto nos documentos do Proifes-Federação (Reajuste zero é agressão, todo esforço na negociação). A diferença consiste na estratégia de luta: negociar, mobilizar e, caso não haja acordo, entrar em greve ou entrar em greve e, durante esse período, aumentar a mobilização e o poder de pressão;
- Visões distintas sobre estratégia e que merecem ser analisadas em sua essência e não distorcidas;
- Para a maior parte daqueles professores que ocuparam o microfone da última Assembleia Geral Extraordinária (AGE), a greve deveria ser deflagrada o quanto antes por alguns motivos, entre eles: salários, contra o arcabouço fiscal (o qual, em que pese suas limitações, conseguiu quebrar as imposições do “PEC do Teto de Gastos”), por solidariedade aos TAEs, contra a EBSERH;
- Durante AGE, os professores que fizeram uso do microfone para expressar uma opinião distinta foram recompensados com interrupções, vaias e deboches. Curiosa compreensão de democracia, para dizer o mínimo;
- No outro extremo, páginas de redes sociais da extrema-direita usaram as falas de alguns professores na última assembleia da Apufsc para atacar o governo Lula, refletindo o saudosismo do governo anterior: “professores da UFSC que fizeram o L estão arrependidos”. Outro fato curioso é observar que servidores públicos admiradores do ex-presidente fazem coro ao esquerdismo e defendem a entrada na greve imediatamente.
Diante da complexidade do cenário político, é fundamental termos ciência da responsabilidade das nossas ações enquanto categoria. Eu não descarto a greve enquanto instrumento de luta. Ao contrário, a considero legítima e justa. Mas não quero que a minha luta por melhores condições de vida e de trabalho seja usada para colocar na berlinda um governo que simboliza a união das forças democráticas contra o
autoritarismo.
As premissas estão dadas: 1. reajuste zero é inaceitável; 2. Enquanto houver negociação, há diálogo e busca pelo consenso. Greve, portanto, derivaria da impossibilidade de se alcançar um acordo e não
antes do fim das negociações.
Uma greve antes de encerradas as negociações talvez sirva para os projetos políticos próprios tanto da extrema-esquerda quanto da extrema-direita. Os extremos se unem, uns de olho na disputa pelo “aparelho sindical” outros com objetivo de ganhar espaço na universidade. Mas a categoria de professores certamente fica mais frágil e dividida. Talvez seja a hora de apostarmos naquilo que nos impediu de sucumbir ao autoritarismo: diálogo e unidade.
“Reajuste zero é agressão, todo esforço na negociação”.
*Camilo Buss Araujo é professor de História e Estudos Latino-americanos do Colégio de Aplicação (CA/CED/UFSC) e ex-vice-presidente da Apufsc-Sindical