*Por Adriano Duarte
Esse texto terá duas partes bem distintas. A primeira fará um balanço da última reunião do Conselho de Representantes e pode ter interesse geral. A segunda, muito menos importante, é apenas uma avaliação particular de um movimento, nada surpreendente, que venho notando nos últimos meses, de aproximação entre a extrema esquerda e a extrema direita no movimento de professores, não apenas na UFSC, mas em todo o país.
Parte I
Na última reunião do Conselho de Representantes da Apufsc-Sindical, no dia 8 de março de 2024, foi apresentado um resumo do processo de negociação salarial em curso, um balanço político dessa negociação, bem como o posicionamento da Diretoria do sindicato acerca do processo.
Em síntese:
- Na última Mesa de Negociação Salarial, realizada em 28 de fevereiro, o governo reafirmou o reajuste zero no salário em 2024 e, novamente, apontou reajuste de 4,5% em 2025 e 2026, mas manteve a proposta de aumento nos auxílios-alimentação, saúde suplementar e creche – o que totaliza um reajuste de 51,06%, nos benefícios. Lembramos, na ocasião, que auxílio-alimentação e auxílio-creche não alcançam os aposentados;
- Em reunião no dia 22 de fevereiro de 2024, o Proifes-Federação apresentou uma contraposta de reposição das perdas ao governo em dois aspectos: a) uma reestruturação da carreira; b) o pagamento do piso nacional do salário da educação para quem ingressa no magistério superior por 40h. Hoje, o salário inicial é R$ 3.412,63, mas o piso nacional da educação é R$ 4.580,57. Se o piso fosse aplicado na base da nossa carreira, necessariamente deveria estender-se para os demais níveis;
- Reafirmamos que o índice zero de reajuste é inadmissível, uma vez que os professores, pelos cálculos de janeiro do ano corrente, estão com uma defasagem salarial de quase 35% – o que afeta seriamente a vida de cada docente;
- Também destacamos que, na Mesa de Negociação do dia 28 de fevereiro, o tom geral do governo parecia ter mudado ligeiramente, com a informação do superávit de fevereiro em US$ 5,45 bilhões. O negociador do governo já havia sinalizado que, em caso de crescimento da arrecadação, o aumento salarial previsto para 2025 poderia ser antecipado para 2024;
- Argumentamos também que, no cenário político atual, R$ 57 bilhões do orçamento da União estão amarrados no Congresso. Portanto, a batalha orçamentária é um jogo pesado e mostra que o governo é refém do Centrão;
- Enfatizamos que, na Câmara Federal, o bloco mais progressista (PT, PV, PCdoB, PSB, Psol e Rede) tem 109 deputados. As bancadas mais à direita (PSDB, Cidadania, Republicanos, Podemos, PRD, PL, MDB, PSD, União Brasil, PP, Avante, PDT) somam 404 deputados. Ou seja, não contamos com força numérica para nosso pleito;
- Por fim, destacamos que os retrocessos políticos e sociais têm sido ininterruptos. Basta considerar a eleição para Comissão de Constituição e Justiça e para a Comissão de Educação. No entanto, o governo atual tem sido, ao menos, respeitoso para com as entidades sindicais, e isso foi um enorme avanço, considerando o verdadeiro desprezo dos últimos seis anos, em que nenhuma entidade foi recebida e não houve qualquer negociação salarial;
- Diante da situação, propusemos a ampliação e intensificação do diálogo com a categoria. Defendemos uma rodada de visitas aos centros de ensino e aos campi da UFSC, como etapa necessária para o esclarecimento da categoria e para a construção de um calendário de mobilização e luta, como condição prévia para uma Assembleia Geral.
Como se vê, tentei, neste texto, apresentar as condições gerais da negociação salarial do modo mais claro e objetivo possível. Reitero que nenhuma forma de luta deve ser descartada, mas que a decisão sobre os rumos da nossa ação deve ser tomada pelo conjunto da categoria: seja o que for que fizermos, essa decisão não nos será imposta de cima para baixo.
Esse texto poderia ser encerrado aqui. Portanto, se o leitor não tiver paciência para as filigranas, em geral desagradáveis, da vida sindical local, pode parar por aqui. Mas seria importante comparecer à Assembleia Geral convocada pela Apufsc-Sindical, que irá ocorrer no dia 27 de março, às 15h, no Auditório Henrique Fontes, no Centro de Comunicação e Expressão da UFSC.
Parte II
Penso que, de modo geral, o conjunto dos professores presentes na reunião do CR entendeu os esclarecimentos e as proposições apresentadas pela Diretoria da Apufsc-Sindical. Portanto, não deixa de ser um tanto irônico que o Proifes-Federação e a Apufsc, no artigo de opinião intitulado “Desmobilizando a categoria”, sejam acusados de defender o governo. A descrição do processo não é apoio, é apenas esforço de compreensão. Mas eu entendo o desconforto do autor do texto quando dizemos que este governo trata os servidores com respeito, e que já foram realizadas mais dez reuniões, gerais e setoriais, da Mesa Nacional de Negociação. Afinal, nós todos sabemos que o autor celebrou o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e comemorou a prisão do atual presidente. Talvez ele preferisse o “silêncio” e a “ordem” dos últimos seis anos.
Mas a ironia carrega mais uma sutileza. Afinal, o autor foi o responsável (não sozinho, evidentemente) por uma reforma estatutária em nosso sindicato que amarrou e engessou seus debates políticos numa burocracia abominável, levando a Apufsc-Sindical a um completo isolamento das entidades locais e nacionais e a uma década da mais abjeta despolitização da sua história, na qual sua mais importante “ação política” eram os bailes realizados no Lagoa Iate Clube. Por isso, ponderar, refletir, avaliar devem causar-lhe certo incômodo.
O sindicato é, antes de qualquer outra coisa, um órgão de luta. Um instrumento de defesa dos interesses de uma categoria de trabalhadores, sejam eles econômicos, políticos ou sociais. Portanto, sindicatos são, por definição, organizações políticas, mas não devem ser organizações partidárias. Ao defender uma categoria profissional, o sindicato coloca-se em defesa de todos os seus membros, sejam eles de qualquer espectro político. Seria, contudo, cinismo ou cegueira não reconhecer que hoje temos melhores condições de negociar nossas perdas salariais.
Isso não é pouca coisa e deve ser considerado em qualquer análise política que se faça sobre o cenário da luta salarial. O sindicato é de todos nós. Inclusive do autor do texto citado que, ao que parece, sente saudades dos últimos seis anos dos governos que quase nos levaram a um golpe, que aumentaram a desigualdade social e a pobreza, além de fomentar o ódio como política. É seu direito, afinal o sindicato é dele também.
Por tudo isso, a suprema ironia é ver o missivista (mas ele também não está sozinho nessa, digamos, “guinada” à esquerda) brandir a bandeira do radicalismo político e a defesa da greve, da ocupação das ruas, da ação política a qual ele nunca praticou.
Por fim, mas não menos importante, a estratégia que o sindicato tem usado para conversar com o maior número possível de professores tem sido a de organizar cafés de boas-vindas em cada um dos centros da universidade. É a melhor maneira de alcançar a categoria? Não sei, mas estamos abertos a sugestões. Quando não se têm ideias, quando não se têm propostas, quando não se quer colaborar em absolutamente nada, quando o único objetivo é a crítica pela crítica – porque expressar rebeldia e radicalidade parece render alguma autossatisfação narcísica –, até os cafés e os botecos são atacados. Miséria intelectual e pobreza política andam sempre de mãos dadas.
*Adriano Duarte é professor do Departamento de História e vice-presidente da Apufsc-Sindical