Com impasse na negociação contratual, Livros & Livros anuncia que deixará a UFSC

Depois de meses de espera por um novo contrato, sócios da livraria falam sobre incertezas. Entenda como foram as negociações

Localizada no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a livraria Livros & Livros anunciou que deixará o local neste ano. Isso porque o contrato entre o estabelecimento e a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc) encerrou em 2023, junto com a concessão que a fundação tinha do espaço. Um novo contrato deveria ser negociado diretamente com a Reitoria da UFSC, que deve lançar um edital de licitação para o espaço com condições que ainda não foram divulgadas.

Em nota publicada na manhã desta quinta-feira, dia 1°, a Livros & Livros afirmou: “Depois de mais de um ano tentando resolver a nossa permanência na universidade, informamos que teremos que encerrar nossas atividades dentro do Centro de Cultura e Eventos. Infelizmente a atual gestão da UFSC não cumpriu com o que havia sido acordado conosco”. Os sócios ainda agradeceram “todos os alunos, professores(as) e servidores(as) que sempre nos apoiaram e que continuam a fazer um trabalho de excelência”. Não foi divulgado para onde a livraria irá.

Como foi a negociação

“A gente está desde o ano passado tentando resolver, tentando entender o que a universidade queria para o espaço”, conta Pétula Rodrigues, que é sócia da Livros & Livros ao lado de Lauro Cesar de Almeida. Desde fevereiro de 2023, já cientes de que o contrato do espaço com a Feesc acabaria, eles buscam informações sobre o futuro do local, e em agosto começaram a negociar com a Reitoria.

A área, ocupada pela Livros & Livros desde 2009, foi concedida à Feesc por 20 anos como contrapartida a investimentos feitos para a conclusão das obras e aquisição de materiais e equipamentos para o prédio. Sendo assim, as negociações contratuais da livraria aconteciam diretamente com a fundação. Com o fim da concessão, em dezembro de 2023, o espaço passou a ser administrado pela UFSC.

Espaço ocupado pela livraria Livros & Livros no Centro de Cultura e Eventos da UFSC (Imagem: Michel Vieira)

“A UFSC disse que tentaria adiantar a licitação”, conta Pétula sobre o começo da negociação com a Reitoria. Inicialmente, os sócios contam que tiveram a informação não-oficial de que o preço do aluguel na nova licitação subiria conforme o metro quadrado da região da Trindade, chegando a R$ 56 mil, quase cinco vezes maior do que o valor do contrato anterior, de R$ 12 mil. Depois de algumas conversas, o valor caiu para R$ 30 mil, ainda acima do que a livraria conseguiria pagar. “É difícil bancar uma situação na qual, por exemplo, dois meses fica sem aula [janeiro e fevereiro], julho também”, diz Lauro. “Não abre aos finais de semana, todo o feriado emenda”, complementa Pétula.

Em reunião feita em agosto com o Gabinete da Reitoria e a Pró-Reitoria de Administração (Proad), setor responsável pelas licitações na UFSC, surgiu a possibilidade de prorrogar o contrato atual por dois anos, para compensar o período que a livraria foi prejudicada pela pandemia. A Administração Central, conforme conta Pétula e Lauro, depois de analisar a situação, informou aos sócios da livraria que não havia impedimento legal para a prorrogação. A partir disso, a Feesc, responsável pelo espaço, entrou com o pedido de prorrogação da concessão para manter o contrato com a Livros & Livros.

Sem resposta da Administração Central, no dia 5 de novembro a livraria fez uma publicação nas redes sociais sobre a possibilidade de deixar o espaço. O objetivo da postagem, contam os sócios, era baixar o estoque para a possível mudança e avisar os clientes. A publicação repercutiu entre a comunidade acadêmica e dois dias depois a Reitoria publicou uma nota em resposta. No texto, a gestão afirmou ser favorável à prorrogação do contrato de concessão com a Feesc, e que considerava “o serviço de livraria no campus da UFSC como extremamente relevante para toda a comunidade acadêmica.”

“Todos entenderam que tinha dado certo [a prorrogação], mas não tinha”, lembra Pétula sobre a repercussão da nota. No dia 24 de novembro, faltando duas semanas para o fim do contrato de concessão, a livraria resolveu fazer mais uma publicação em suas redes sociais para informar que ainda aguardava “decisão oficial da universidade”.

Após análise de documentos financeiros da Feesc, a Proad concluiu que não havia mérito do pedido de prorrogação da concessão para compensar o período de pandemia, visto que a fundação não teve problemas financeiros. A análise não levou em consideração as finanças da livraria, defendem os sócios.

Pétula e Lauro contam que no dia 7 de dezembro foram informados pelo chefe do Gabinete da Reitoria, Bernardo Meyer, que a Procuradoria da universidade analisaria a possibilidade de um termo de compromisso para a Livros & Livros permanecer no espaço até que saísse a nova licitação. A Procuradoria concluiu que não havia impedimento legal.

Apesar de os sócios da livraria afirmarem que havia o entendimento de que o documento seguiria os moldes do antigo contrato com a Feesc, no dia 29 de dezembro, a Livros & Livros recebeu o termo de compromisso da Proad com um texto diferente do esperado. Entre as mudanças, o termo de compromisso, que não tem período pré-estabelecido, não prevê o desconto de 50% no aluguel durante os meses de férias da universidade, impõe multa de R$ 10 mil por atraso de aluguel, solicita a contratação de um seguro incêndio e responsabiliza a livraria por quaisquer danos diretos e indiretos no espaço. Outro ponto importante é a falta de prazo para desocupação do imóvel em caso de rescisão do termo, que no contrato anterior era de 60 dias.

A Livros & Livros não assinou o termo de compromisso e decidiu deixar a universidade, conforme anunciou em publicação nas redes sociais. “Sabendo a realidade da livraria, que a gente não consegue pagar um aluguel integral no mês de janeiro, não temos como assumir essa questão”, diz Pétula, que explica que durante as férias dos alunos e o horário especial de verão da universidade, que faz com que todos os prédios fechem às 13h30, diminui o movimento do campus e consequentemente da livraria.

Para os sócios, ao cobrar valores de mercado, a Reitoria mostra que desconhece a realidade do campus. “Se a nota da UFSC do ano passado é verdadeira e eles querem uma livraria, tem que dar condições para uma livraria existir”, finaliza Lauro.

O que diz a Reitoria

Procurada pela reportagem da Apufsc-Sindical, a Reitoria da UFSC informou que, no termo de compromisso proposto para a livraria ficar no espaço até a nova licitação sair, “não havia possibilidade de assegurar a manutenção das condições do contrato anterior, pois este não envolvia a universidade, foi firmado entre a Feesc, pessoa jurídica de direito privado, e a Livros & Livros.”

Já quanto à nova licitação, a universidade diz que os termos e condições serão conhecidos de todos os interessados a partir do lançamento do edital, portanto, “não há informações oficiais sobre valores, condições de pagamento e outros”. O edital, que ainda não tem data prevista para publicação, deverá oferecer “condições isonômicas em relação a outros contratos de cessão de espaços da UFSC.”

Nota da UFSC

No fim da tarde desta quinta-feira, dia 1°, a UFSC emitiu uma nota sobre o assunto. Confira na íntegra:

A Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) informa que continua em busca de alternativas para viabilizar a permanência da livraria Livros & Livros no espaço que ocupa no Centro de Cultura e Eventos, no campus da Trindade, até que seja realizada a licitação para concessão de uso do espaço físico.

A Universidade reconhece a relevância de ter uma livraria no campus e este é também um dos anseios de estudantes e servidores da UFSC, conforme demonstrou pesquisa realizada pela Pró-reitoria de Administração (Proad) em 2023.

Desde o ano passado, antes mesmo do encerramento do contrato que a livraria mantinha com a Fundação Stemmer para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (Feesc), a Universidade tem debatido medidas para sua permanência. A livraria havia firmado contrato de aluguel com a Feesc, que por sua vez mantinha com a UFSC contrato de direito de uso de um espaço no Centro de Cultura e Eventos, em ressarcimento a investimentos feitos pela Fundação para conclusão das obras e aquisição de materiais e equipamentos para o Centro de Cultura e Eventos.

Com a iminência do encerramento destes contratos, no final de 2023, a UFSC avaliou a possibilidade de prorrogação do seu contrato com a Feesc, para que a Fundação pudesse atender ao pedido de prorrogação feito pela livraria, que alegou prejuízos sofridos durante a época da pandemia de Covid-19. No entanto, a análise técnica realizada não constatou desequilíbrio econômico-financeiro no contrato da livraria com a Fundação, condição imprescindível à prorrogação da relação jurídica, conforme parecer da Procuradoria Federal junto à UFSC.

No fim do mês de dezembro, a Universidade apresentou à empresa a proposta de um Termo de Compromisso para permanência no espaço até que ocorra a homologação do resultado da nova licitação, ainda em fase de planejamento. O Termo de Compromisso reproduz grande parte das condições do contrato com a Feesc, tal como a manutenção do valor do aluguel, sem qualquer reajuste. As mudanças sugeridas foram basicamente condições irrenunciáveis pelo poder público, tal como a necessidade de contratação de um seguro contra incêndio.

Esse Termo de Compromisso não foi aceito pela Livros & Livros, que pleiteava a manutenção integral das cláusulas do contrato com a Feesc. Neste sentido, cabe esclarecer que a UFSC, por ser uma instituição pública, não tem a mesma flexibilidade na assinatura de contratos que as organizações de direito privado, devendo observar estritamente os princípios e regras da administração pública federal.

Em relação a valores de aluguel e condições do contrato da nova licitação, a Universidade reitera que não existe ainda nenhuma informação oficial. Esses termos serão conhecidos por todos os interessados quando do lançamento público do edital da licitação, que está em fase final de preparação.

Karol Bernardi e Lais Godinho
Imprensa Apufsc