40 anos de eleições diretas para a Reitoria da UFSC: relembre a história e a participação da Apufsc

A consulta democrática foi uma reivindicação do movimento docente, de técnicos-administrativos e de estudantes

Em 2023 completaram-se 40 anos das primeiras eleições diretas e paritárias para a escolha de reitores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Aquele momento da história teve o envolvimento de movimentos que começavam a se consolidar e atuavam diretamente no ambiente universitário, como a criação da então Associação dos Professores da UFSC, hoje Sindicato dos Professores e Professoras das Universidades Federais de Santa Catarina (Apufsc-Sindical) anos antes, em 1975. O site “UFSC: 60 anos de excelência” relembra aquela eleição da seguinte forma:

“Em 1983, a UFSC iniciava o processo de escolha do novo reitor. Reivindicação dos movimentos estudantis e de servidores, a consulta democrática para escolher o reitor começou com a votação da comunidade universitária, nos dias 10 e 11 de novembro daquele ano. Em abril de 1984, o Jornal Universitário abordava a nomeação do novo reitor, enquanto a UFSC aguardava que o presidente da República referendasse a escolha da comunidade universitária. ‘Houve uma participação maciça. Foi uma eleição igual a qualquer outra, precedida de campanhas, comícios e promessas. A exceção: foi limpa e transcorreu em alto nível’, diz a edição do jornal. Os mais votados, pela ordem, foram: Rodolfo Pinto da Luz, Oswaldo de Oliveira Maciel, Alvaro Reinaldo de Souza, Alzira Hessmann Dutra, Arno Bollmann e Ana Maria Beck. O processo de escolha foi paritário, com peso de um terço para cada categoria (docente, técnico e discente)”.

Ainda segundo o site, após a consulta, a lista foi homologada pelo Colégio Eleitoral, formado pelos membros dos três Conselhos da Universidade – o Conselho Universitário (CUn), o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) e o Conselho de Curadores. “O compromisso de todos os candidatos: encampar, para reitor, o nome mais votado”, diz a matéria do JU, que entrevistou todos os candidatos e apresentou algumas promessas comuns: “a defesa do ensino público e gratuito, mais verbas, melhores salários e mais democracia”.

Mudanças no processo de escolha foram consequência do momento político

O livro “UFSC 50 anos: Trajetórias e Desafios”, organizado pela professora Roselane Neckel e pela jornalista Alita Diana Corrêa Küchler, relembra as mudanças na forma de escolha dos gestores da universidade. Até a década de 1970, os reitores eram escolhidos pelo governo militar.

Campus da UFSC na Trindade no início dos anos 1970 (Foto: Acervo Agecom/UFSC)

“Em janeiro de 1976 foi nomeado o reitor Caspar Erich Stemmer pela Resolução nº 01/762, assinada pelo então reitor Roberto Mündel de Lacerda. No dia 10 de maio de 1976, Caspar Erich Stemmer assinou sua primeira portaria, a de número 280/76, assumindo efetiva e administrativamente o cargo de reitor da universidade”. O livro conta que:

“O processo de escolha foi realizado no Conselho Universitário. No entanto, o primeiro colocado na lista sêxtupla, que foi enviada a Brasília, era o professor João Makoviecky. Porém governo militar indicou o professor Eric Gaspar Stemmer. Esse processo eleitoral, porém, não foi admitido tranquilamente no meio estudantil. A efervescência, dos estudantes da universidade, contrários ao processo de nomeação do professor Stemmer, pode ser observada na ata de 20 de janeiro de 1976 do Conselho Universitário, na qual os representantes estudantis da época, João Carreirão Neto e Antônio J. F. de Andrade, declararam explicitamente a opinião da categoria quanto à nomeação de Stemmer, de que tal processo eleitoral representou ‘os conchavos políticos e os jogos de interesse entre as pessoas e grupos, onde o futuro da universidade era relegado a plano secundário’”.

A reação dos estudantes foi um exemplo de como “o movimento pela democracia na universidade começou a se fortalecer, vindo da parte dos seus estudantes, professores e servidores técnicos-administrativos, que se organizaram e se mobilizaram para lutar pelos seus direitos”, descreve o livro.

Ernani Bayer (Foto: Henrique Almeida/UFSC)

Em 1975, a Apufsc tinha sido criada, e a década seguinte foi marcada por outros fatos que confirmavam o descontentamento da comunidade universitária com a situação política e educacional do país, especialmente uma série de greves.

“Em 17 de novembro de 1980, sob a gestão do reitor Ernani Bayer, a UFSC aderiu à Primeira Greve das Federais Autárquicas. Foi o primeiro movimento grevista de servidores públicos federais no regime militar, ainda às sombras do AI-5. A greve durou 26 dias. Reivindicavam-se melhores salários e a destinação de mais verbas para a educação no orçamento federal. Participaram docentes da UFSC e de outras 18 universidades autárquicas, além de professores de sete escolas isoladas”, descreve a página UFSC 60 anos.

Na gestão de Ernani Bayer outras greves ocorreram. Professores que atuavam na universidade naquele momento lembram que a atuação política de Bayer foi fundamental para a construção do novo processo de escolha de reitores, mais democrático e com ampla participação da comunidade. Ele faleceu em 2022 e, na nota de pesar, a Apufsc destacou que “como reitor, Bayer teve um papel fundamental no processo de redemocratização da universidade. Além da criação da EdUFSC, que contribuiu para isso, o professor também revogou a proibição de manifestações no campus e enfrentou com equilíbrio um período de muitas greves nas universidades, que culminaram com a edição do Plano de Carreira no Magistério Superior”.

Importância da Apufsc

Inauguração da sede da Apufsc, 24 de junho de 1975 (Foto: Acervo Agecom/UFSC)

Nesse contexto, o livro “UFSC 50 anos: Trajetórias e Desafios” destaca a importância da Apufsc, especialmente a eleição para Diretoria realizada em 1978, que elegeu o professor Osvaldo de Oliveira Maciel presidente e o professor Jorge Lorenzetti como vice. “Tal fato consistiu em uma grande vitória para a Apufsc, pois as eleições passaram por conturbadas tentativas de boicotes e também por ser a primeira eleição direta”, conta o livro, que complementa:

“Essa eleição adquiriu como característica, em outras visões dentro e fora do campus, uma forma de protesto ao governo autoritário, pressionando a troca desse pela liberdade de escolha de representantes, nacionais, estaduais, municipais, bem como nos órgãos representativos de poder dentro da UFSC. A vitória desta chapa, entre os profissionais da educação da Apufsc, significou uma mudança no foco central de atenções na universidade, da Reitoria, pois passou a conviver com um grupo articulado e organizado de docentes com propostas de modificações, tanto administrativas quanto econômicas”.

Com a eleição direta na Apufsc, a UFSC tornou-se reconhecida nacionalmente, destaca a obra, “como uma força expressiva do movimento dos profissionais docentes e também dos estudantes”. Esse fato foi um dos impulsionadores da primeira eleição direta também para a Reitoria da universidade, a partir dos anos 1980.

“Havia nesse momento, na UFSC, uma mudança de estruturação administrativa e também política, pois foi quando começavam a ocorrer reformulações no Estatuto Interno, modificando as normas sobre as eleições de chefes de departamentos, de centros de ensino e também para reitores. Então, nessa época, as eleições diretas começaram a se fortalecer e conseguir espaço dentro da universidade, fossem elas para chefes de departamentos, coordenadores de curso e outros cargos administrativos. Essa reforma no Estatuto fez emergir a questão da participação dos docentes, estudantes e técnicos nas eleições”, conta o livro “UFSC 50 anos: Trajetórias e Desafios”.

Primeiro reitor eleito teve três mandatos

Capa do jornal da Apufsc em 1983 sobre a eleição para a Reitoria
(Fonte: Comissão da Memória e Verdade na UFSC)

No livro, o reitor eleito em 1983, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, lembra que aquela “foi a primeira eleição direta para reitor, e foi uma eleição paritária entre os técnicos, professores e estudantes, com pesos equivalentes – um terço, um terço e um terço.”

A primeira gestão do professor Rodolfo foi de 1984 a 1988. Ele lembra que naquele momento todos estavam em uma “grande efervescência” para eleições de prefeitos, governadores e presidente, e no caso das universidades não foi diferente. “Houve uma mobilização por parte da comunidade para elaborar todo o processo, visando uma eleição direta”, recorda o professor, ouvido nesta semana pela equipe de Comunicação da Apufsc-Sindical.

Rodolfo lembra também que esse processo organizado por entidades representativas como a Apufsc, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e a Associação dos Servidores da UFSC, foi essencial para a mudança do processo de escolha de reitores.

“Foi o primeiro caso no país em que uma eleição direta em universidades levou à nomeação do primeiro da lista, e daí em diante houve uma tendência de que as eleições fossem diretas, organizadas pelas universidades. Foi a UFSC que acabou liderando esse processo nacionalmente”, destaca.

Apesar do grande número de votantes na eleição para a Reitoria de 1983, ele lembra que muitos não participaram por acreditarem que o resultado não teria respaldo.

O livro “UFSC 50 anos: Trajetórias e Desafios” trata também de como foi aquele mandato: “Na primeira gestão do professor Rodolfo, os técnicos-administrativos conseguiram consolidar e implantar sua representação política, como um sindicato organizado, trazendo mais presença e participação da categoria dentro das decisões da UFSC. Na gestão de 1984 a 1988, do professor Rodolfo, no momento inicial da administração, a chapa fez um projeto de mudança administrativa da universidade, e conseguiu a sua aprovação e execução, realizando uma Reforma Estatutária na UFSC, modificando pró-reitorias e outros elementos administrativos”.

Rodolfo Pinto da Luz sendo entrevistado por alunos do Colégio de Aplicação em 1985 (Foto: Acervo Agecom/UFSC)

Rodolfo Pinto da Luz ingressou na UFSC em 1967, no curso de Direito, e participou também do Diretório Acadêmico, começando assim sua estruturação política na universidade. Foi reitor da universidade por três vezes. A segunda gestão foi entre 1996 e 2000 e a terceira entre 2000 e 2004.

Professor aposentado do Departamento de Direito da UFSC e ex-conselheiro do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, Rodolfo reflete sobre a importância do feito. “Foi um longo processo de consolidação, mas a gente reconhece que foi pioneiro no processo democrático, de fortalecer a autonomia [universitária]”, e acrescenta que “foi um avanço que as universidades alcançaram por iniciativa própria e forçando.”

Confira a lista de reitores da UFSC

1961-1972
Reitor: João David Ferreira Lima
Vice-reitor: Luiz Osvaldo D’Acâmpora (1962) / Roberto Mündel de Lacerda (1968)

1972-1976
Reitor: Roberto Mündel de Lacerda
Vice-reitor: Hamilton N. Ramos Schaefer

1976-1980
Reitor: Caspar Erich Stemmer
Vice-reitor: Roldão Consoni

1980-1984
Reitor: Ernani Bayer
Vice-reitor: Nilson Paulo

1984-1988
Reitor: Rodolfo Joaquim Pinto da Luz
Vice-reitor: Aquilles Amaury Córdova Santos

1988-1992
Reitor: Bruno Rodolfo Schlemper Junior
Vice-reitor: Osvaldo Monn / José Carlos Zanini

1992-1996
Reitor: Antônio Diomário de Queiroz
Vice-reitora: Nilcéa Lemos Pelandré

1996-2000 / 2000-2004
Reitor: Rodolfo Joaquim Pinto da Luz
Vice-reitor: Lúcio José Botelho

2004-2008
Reitor: Lúcio José Botelho
Vice-reitor: Ariovaldo Bolzan

2008-2012
Reitor: Alvaro Toubes Prata
Vice-reitor: Carlos Alberto Justo da Silva

2012-2016
Reitora: Roselane Neckel
Vice-reitora: Lúcia Pacheco

2016-2017
Reitor: Luiz Carlos Cancellier de Olivo
Vice-reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann

2018-2022
Reitor: Ubaldo Cesar Balthazar
Vice-reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann

2022-2026
Reitor: Irineu Manoel de Souza
Vice-reitora: Joana Célia dos Passos

Stefani Ceolla e Karol Bernardi
Imprensa Apufsc