Obra “Encaracorlado”, de Roselete Fagundes de Aviz, venceu na categoria romance
“O livro só saiu porque estava imersa na etnografia no momento em que fazia literatura”, explica Roselete Fagundes de Aviz, quilombola, pesquisadora, professora da Universidade Federal de Santa Catarina e agora uma das vencedoras do Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres 2023 pela obra “Encaracorlado”, na categoria romance.
Roselete fazia trabalho de campo na Comunidade Quilombola Ribeirão do Cubatão, onde nasceu, quando recebeu a sugestão de participar do edital do Ministério da Cultura de uma amiga, Vanessa da Rosa – segunda mulher negra a tomar posse como deputada em Santa Catarina. Ela achou o prazo apertado, pouco mais de dois meses. “Disse: não posso. Escrevo, mas nunca expus nada, e achava que não teria fôlego”, comenta Roselete. Ela acreditava que, durante a pesquisa de pós-doutorado poderia produzir um romance, uma “ideia fixa”. Seria um momento mais livre, “mas a pesquisa não deixou, num primeiro momento, mas tinha aquele grilinho falante, e vi que não custava tentar”.
Na época, Roselete estava envolvida com a memória da comunidade, fazendo entrevistas e aí pensou que “realmente poderia render um livro. A história estava engarrafada dentro de mim”, conta. O enredo se passa em Joinville no tempo em que ainda era parte de São Francisco do Sul. “Em Joinville, a questão do negro é invisibilizada: tudo que poderia ser apagado, foi feito, de caso pensado, por alguns historiadores”, afirma, lembrando que eles passaram a destacar a imigração europeia em Santa Catarina, como se não houvesse uma historia anterior.
O contexto mostra muitas coisas vividas por Roselete no ambiente onde a história acontece. Ela cita a fala de uma personagem: “Pode ter coisas da vida, mas é ficção”. Com “Encaracorlado” escrito, ela mostrou para duas pessoas, conhecedoras de literatura, que a aconselharam “mandar o livro para o mundo”. Como não parou de se envolver com a pesquisa, nunca leu os detalhes do edital sobre direitos autorais, ou de que maneira poderia lançar a obra. “Estou trabalhando, fazendo a devolutiva da pesquisa para comunidade, envolvida numa exposição, só depois vou sentar e olhar tudo isso”.
A autora lembra que a localidade de Pirabeiraba é um bairro que muitos chamam de alemão, mas outros povos já tinham história por lá, bem antes deste tipo de colonização. “Aqui tem um sambaqui, uma forte influência indígena e uma população afroindígena. Os lusos receberam suas sesmarias, vieram com escravos e pouco se fala desta história”.
São dois quilombos reconhecidos, com muitos descendentes de pessoas escravizadas: “Minha avó materna era neta de escravos. Neste lugar, funcionava uma das usinas açucareiras mais importantes e modernas do Brasil em 1890. O lugar era uma fazenda, um bairro com escola e igrejas, evangélica e católica. Tudo foi destruído quando a usina faliu”. Roselete lembra que, na dissertação de Vanessa da Rosa, “ela pergunta: ‘Onde está a história dessas pessoas? Desses negros e negras? Que rumo tomou a vida desse povo? Seus descendentes, onde estão?’. Com o livro, posso responder: estamos aqui”.
Prêmio Carolina de Jesus
O prêmio recebeu 2.619 inscrições, com 1.922 habilitadas e avaliadas e 61 selecionadas – 12 de mulheres negras; seis PcD (pessoas com deficiência); três indígenas; três quilombolas; e 37 na categoria ampla concorrência. O número de escritoras premiadas saltou de 40 para 60, fruto do alto número de obras com alta avaliação, em sua maioria, notas máximas. Com isso, o recurso inicial de R$ 2 milhões também aumentou e passou a ser de R$ R$ 3.000.000,00. Após decisão da Comissão de Seleção foram disponibilizados mais R$ 50.000,00, passando o valor total do edital para R$ 3.050.000,00, e a premiação contemplou 61 obras literárias.
Das 61 selecionadas, 15 apresentaram obras no gênero conto (24,59%); quatro na crônica (6,56%); 14 na poesia (22,95%); uma no quadrinho (1,64%); 24 no romance (39,34%) e três no roteiro de teatro (4,92%). As mais de sessenta escritoras selecionadas com obras inéditas receberão R$ 50 mil cada. A Comissão de Seleção do concurso contou com 74 avaliadoras. O grupo incluiu professoras, escritoras, servidoras públicas e gestoras do livro e leitura de todo o país, que analisaram 1.922 obras literárias.
Fonte: Notícias UFSC