Professoras Marina Hirota e Regina Rodrigues são autoras de documentos que alertam sobre mudanças climáticas
Três pesquisadores da UFSC estão entre os autores de alertas de mudanças sem precedentes emitidos pela comunidade científica em meio a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, a COP 28, evento que ocorre até terça-feira, dia 12, em Dubai. As professoras Marina Hirota, do departamento de Física, e Regina Rodrigues, da coordenadoria de Oceanografia, projetam um cenário cada vez mais agravado e de emergência no mundo e também nas diferentes regiões do país.
Marina é co-autora do Global Tipping Points Report 2023, um relatório sobre os chamados “pontos de não retorno” coordenado pela Universidade de Exeter, com mais de 200 pesquisadores, entre eles o também pesquisador da UFSC Bernardo Flores, do Programa de Pós-graduação em Ecologia. Já Regina integra o comitê editorial do New Insights in Climate Science, do World Climate Research Programme.
Os dois documentos traçam um panorama baseado no aumento de 1,5 graus de temperatura na Terra, que causa uma série de efeitos para os ecossistemas e que leva o planeta a um patamar no qual não seria mais possível um retorno ao que existia antes do aquecimento. Esse cenário, que no Brasil está sendo visualizado a partir da intensificação de secas e de inundações provocadas pelo alto volume de chuvas, é mapeado pelos cientistas, que apontam também medidas urgentes a serem tomadas.
No relatório global dos pontos de não retorno – a avaliação mais abrangente realizada até hoje pela comunidade científica –, a constatação é de que “a humanidade está atualmente numa trajetória desastrosa”. O documento indica que as ações atuais são inadequadas para a escala do desafio, em que há, pelo menos, cinco pontos de ruptura do sistema terrestre – incluindo o colapso de grandes mantos de gelo e a mortalidade generalizada dos recifes de coral de águas quentes. O prejuízo para a agricultura e a alimentação são certos. “À medida que os pontos de ruptura do sistema Terra se multiplicam, existe o risco de uma perda catastrófica da capacidade de cultivo de culturas básicas”.
Marina Hirota assina o levantamento sobre os pontos de não retorno na Biosfera, com autores do mundo todo e 111 páginas de levantamentos e discussões – no caso dela sobre a região amazônica. As recentes secas extremas, por exemplo, causaram extensa mortalidade de árvores, mesmo até 36 meses após o seu pico. As árvores – ou a “floresta em pé” são um dos elementos centrais para a descarbonização, um dos pontos a serem implantados no combate ao aquecimento da Terra.
No caso das florestas, o documento ainda destaca que mesmo mudanças sutis na sua estrutura podem afetar os ciclos do carbono e da água. Na região da Amazônia, a perda de resiliência já é sentida e promove impactos. “Entre as florestas tropicais, a floresta amazônica tem mais evidências de possíveis pontos de não retorno”, indicam. O relatório aponta ainda que a região mais impactada é aquela que está mais próxima da área urbana.
Os pesquisadores sugerem apoio aos meios de subsistência sustentáveis e direitos para os povos indígenas e comunidades locais. Também indicam que é essencial investir em observações de campo e sensoriamento remoto e em experimentos para monitorar e detectar o declínio da resiliência dos ecossistemas e potenciais sinais de alerta precoce. Ainda, argumentam que é preciso promover maior compartilhamento de dados e colaboração internacional
As seis recomendações principais do relatório dos pontos de não virada
O documento recomenda seis ações para que os cenários não se agravem ainda mais. A eliminação dos combustíveis fósseis e das emissões provenientes do uso do solo deveriam ser interrompidas muito antes de 2050, segundo os especialistas. Além disso, seria necessário reforçar a adaptação, reconhecendo a desigualdade entre os países. O grupo também sugere a inclusão dos pontos de não retorno no inventário climático mundial.
Por fim, o relatório indica que se coordenem os esforços políticos para desencadear pontos de virada positivos, com uma convocação urgente para a condução de esforços relacionados aos pontos de não retorno. Para isso, é necessário aprofundar o conhecimento sobre esses pontos. A equipe de investigação apoia os apelos à elaboração de um Relatório Especial do IPCC sobre este assunto.
Kelly Levin, Chefe de Ciência, Mudança de Dados e Sistemas do Bezos Earth Fund, que também integra o relatório, pontuou que a mudança climática é a questão que define o nosso tempo. “É essencial que façamos avançar a ciência sobre os pontos para enfrentar as ameaças e oportunidades que se avizinham”.
Insights das ciências climáticas
O documento científico assinado pelas organizações Future Earth, The Earth League e WCRP traz contribuições da professora Regina Rodrigues, que já participou ativamente de outras edições da COP, com relação a insights sobre as ciências climáticas. Os cientistas apontam que são necessárias políticas robustas para alcançar uma escala razoável de descarbonização – medida com a qual os países da COP se comprometem ao longo dos últimos anos.
Regina faz parte do corpo editorial do documento com outros 19 pesquisadores do mundo todo – sendo ela uma das duas cientistas representantes do Brasil dentre os organizadores do material. Sobre o país, o documento aponta que secas severas e ondas de calor marinhas no passado levaram recentemente a escassez de água e geraram impactos no abastecimento de alimentos em níveis globais.
O documento também aponta que os esforços na redução de emissões de carbono devem ter prioridade imediata, já que é impossível prever se os sumidouros naturais responderão ao atual nível de mudanças climáticas. Ainda, os cientistas dizem que as soluções baseadas na natureza (NbS) servem para aumentar os sumidouros de carbono num papel complementar.
Outro ponto de destaque diz respeito ao que os cientistas chamam de “reforma dos sistemas alimentares”, que teriam um papel fundamental para desempenhar na ação climática, com mitigação viável e opções que vão da produção ao consumo. “No entanto, as intervenções devem ser concebidas com e para equidade e justiça como resultados interligados, e a implementação de medidas de mitigação deve ser feita com diversas partes interessadas em múltiplas escalas”, sugerem. Isso porque, sozinhos, os sistemas alimentares são responsáveis por 31% das emissões globais e são capazes de impulsionar aquecimento global para 2°C até 2100.
“Ao mesmo tempo, mais de 700 milhões de pessoas enfrentam a fome e grupos marginalizados, como mulheres e meninas, grupos raciais, étnicos e grupos minoritários, povos indígenas e os pequenos agricultores são desproporcionalmente afetados pela insegurança alimentar e pelas alterações climáticas”, diz o documento.
O relatório ainda indica que é urgente a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, além de uma governança conjunta interligando o clima a emergências de biodiversidade.
Os pesquisadores também advertem que a perda de geleiras nas montanhas está se acelerando. Eles alertam também para a urgência de novas ferramentas para operacionalizar a justiça e permitir uma adaptação climática mais eficaz.
O relatório 10 New Insights in Climate Science é uma iniciativa conjunta da Future Earth, da Earth League e o Programa Mundial de Pesquisa Climática. A série anual sintetiza as últimas alterações climáticas relacionadas em pesquisa para a comunidade internacional. O documento de 2023 foi preparado por um consórcio de 67 investigadores líderes de 24 países e responde a apelos claros por orientação política durante esta década crítica para o clima. As percepções científicas do documento facilitam negociações informadas e eficazes tomadas de decisões sobre soluções holísticas para o clima e a natureza.
Fonte: Notícias UFSC