Schirlei Alves foi condenada a um ano de prisão em regime semi-aberto e indenização de R$ 400 mil pela publicação de uma reportagem no The Intercept Brasil
“Eu preciso que vocês falem por mim, preciso que as organizações falem por mim, porque é desgastante estar nessa posição o tempo todo”, pediu a jornalista Schrilei Alves na abertura do ato organizado pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) ocorrido na manhã desta quinta-feira, dia 30, no auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O ato em defesa de Schirlei e contra o assédio judicial a profissionais de imprensa reuniu jornalistas, estudantes, professores e professoras, pessoas ligadas à política e à sociedade civil organizada. A Apufsc-Sindical é uma das entidades que assina o manifesto elaborado pelo Sindicato dos Jornalistas e participou da mobilização. O presidente José Guadalupe Fletes e o diretor de Imprensa, Márcio Vieira, estiveram presentes.
Em sua fala, Schirlei citou as dificuldades que vem enfrentado desde que a reportagem de sua autoria, que apontou os constrangimentos sofridos por Mariana Ferrer durante o julgamento do homem acusado de estuprá-la, foi publicada no site The Intercept Brasil.”Eu quase desisti. Eu quase fui fazer qualquer coisa que não fosse o jornalismo. Porque é muito pesado”, desabafou.
Apesar disso, ela refletiu: “Eu sempre tive muita força de vontade de fazer jornalismo, de mostrar as injustiças, de ouvir as pessoas que estão do lado mais fraco da corda. Desde o início eu sempre tive isso muito claro: vou fazer um trabalho, vou estar do lado mais fraco da corda, vou permitir me emocionar e passar essa emoção pras pessoas que me lêem.”
Várias pessoas se manifestaram no ato em defesa de Schirlei. José Guadalupe Fletes, presidente da Apufsc-Sindical, recordou a perseguição e prisão que sofreu durante a ditadura militar, e afirmou: “Só aquele que passou na pele por um ato de injustiça sabe da importância da solidariedade”. Fletes ressaltou ainda a importância da profissão, e se referiu à Schirlei como “uma combativa jornalista num momento em que no mundo a liberdade de imprensa está em xeque”.
Representando também o Movimento Humaniza SC, Fletes afirmou à profissional: “Você não está só. Não estamos só quando temos uma causa justa, quando temos interesses não só da profissão”. Ele ressaltou, também, que o Movimento se coloca à disposição de Schirlei.
Entre as outras falas feitas no ato, mulheres jornalistas como Paula Guimarães, do Portal Catarinas, destacaram o quanto o sexismo e a misoginia estão presentes nesse caso, que precisa ser visto a partir da perspectiva de gênero. O jornalista Caio Teixeira, por sua vez, reforçou a importância dos sindicatos num momento como esse.
Acolhimento na UFSC
Docentes da UFSC e representantes da Reitoria também se manifestaram durante o ato. O pró-reitor de Pesquisa e Extensão, Jacques Mick, lembrou que a universidade também foi vítima de assédio judicial. “É isso que nos irmana nessa luta”, disse. O professor defendeu a necessidade de atuação conjunta em busca da transformação do judiciário brasileiro, e apontou que esse não é a única tarefa: “Santa Catarina tem ainda o desafio se voltarmos a ter o jornalismo de qualidade. Não temos jornalismo de qualidade e nem judiciário democrático”, criticou. Mick acrescentou que “o que estamos discutindo aqui são valores fundamentais”, e que “a universidade vai ser sempre um espaço para quem enfrenta essa agendas”.
O também professor Áureo Moraes complementou a fala de Mick, lembrando a prisão e morte de Cancellier, os processos que ele mesmo enfrentou, e disse à jornalista: “Se há uma instituição capaz de te acolher é a UFSC”.
Relembre o caso
Schirlei Alves foi condenada a um ano de prisão em regime semi-aberto e indenização de R$ 400 mil pela publicação de uma reportagem no The Intercept Brasil que aponta os constrangimentos sofridos por Mariana Ferrer durante o julgamento do homem acusado de estuprá-la.
Na reportagem, a jornalista narrou a humilhação sofrida por Mariana por parte do advogado de um empresário acusado de estupro. O caso ocorreu durante uma audiência de instrução, na presença do juiz e do promotor, sendo que toda a audiência foi registrada em vídeo.
A jornalista acabou processada pelo juiz e pelo promotor do caso, por ter usado em sua reportagem o termo “estupro culposo”, que não existe no ordenamento jurídico, para explicar a tese defendida pelo Ministério Público.
O réu foi absolvido e os fatos narrados pela repórter levaram à edição de uma lei que obriga as partes a garantirem a integridade física e psicológica das vítimas durante audiências, especialmente em casos que apurem crimes contra a dignidade sexual. A lei é conhecida como Lei Mariana Ferrer.
Laura Miranda e Stefani Ceolla
Imprensa Apufsc, com informações da ACI