Por Daniel de Santana Vasconcelos*
Entre os dias 04 e 08 de outubro desse ano, Florianópolis foi batida por chuvas que acumularam 159.3 mm no período (dados da PMF), registrando alagamentos, quedas de muros, famílias desalojadas e outros incidentes. Na quinta e sexta-feira daquela semana perdi a conta da quantidade de vezes em que fui questionado a respeito da manutenção ou não das aulas no campus. No entanto, por não haver orientação nem posição oficial bem definida e firme da direção da universidade, nada se podia fazer. Nos dias mais críticos daquela semana as aulas foram mantidas, ignorando o caos no restante da cidade e em toda a região. Notificou-se apenas que haveria acompanhamento das condições no final de semana, informando-se, por fim, que seriam suspensas as aulas e atividades no campus em 09/10, uma segunda-feira, quando o pior da tempestade e de seus transtornos havia ficado para trás. A gestão levou dois dias para se posicionar; suspendeu aulas quando já não era mais necessário.
Na última semana, com um pouco menos de intensidade, mas com os mesmos riscos, se repetiu o evento climático. Na quinta de manhã, dia 16, imagens de alagamentos no campus e na cidade pululavam redes sociais e sites locais de notícias. Estudantes que moram na grande Florianópolis perguntavam aos professores, e esses perguntavam a coordenadores e chefes, se as aulas seriam suspensas. A Palhoça e São José sofriam debaixo d’água. Santo Amaro, Biguaçu, idem. Em Floripa havia de tudo: acidentes nas vias públicas, semáforos não funcionando em vários cruzamentos, alagamentos em várias vias de diversos bairros, poças de todo tamanho em todo canto. Não obstante, até o final do dia, a única resposta que existia era não haver resposta. Somente no final da tarde se soube que a direção da universidade informava que consultara direções de centros, prefeitura universitária e Defesa Civil, e, verificando que não havia maior comprometimento das instalações no campus, mantinham-se as aulas de 16 e 17/11. À noite, em 16/11, eu dei aula para bem menos alunos que o normal. Na manhã de 17/11, as turmas estavam ainda mais vazias. Por precaução, muitos estudantes preferiram faltar na universidade.
Nas duas ocasiões, a comunidade acadêmica foi deixada completamente à mercê da própria sorte, enquanto a direção da universidade tergiversava. As decisões da gestão, quando vieram, se revelaram lentas, negligentes, sem timing, e não olhando para onde se deveria olhar. Não era uma questão de se as instalações no campus estavam “em condições” de receber alunos, docentes, TAEs e prestadores de serviços. Era uma questão de se essas pessoas necessitavam, de fato, correrem riscos não desprezíveis, ao se deslocarem até o campus num dia de caos urbano devido a condições climáticas severas.
Quando uma cidade sofre eventos climáticos severos, quando alagamentos se alastram, ruas ficam interditadas, semáforos pifam, árvores caem pela força da chuva, do vento, ou de deslizamentos, quando buracos no asfalto podem surgir por baixo de poças de água e causar acidentes com veículos e pessoas, quando barrancos e encostas deslizam ou ameaçam deslizar, quando o risco de sair de casa para ir ao campus se eleva absurdamente por causa de chuvas acima das médias históricas da região, é razoável indicar que a decisão é deixar que as pessoas se arrisquem, se exponham, e venham ao campus, por sua conta e risco, somente porque os prédios e as instalações estão “adequados”? É adequado deixar a comunidade acadêmica inteira sem orientação durante todo um dia de chuvas e caos, e emitir algum arremedo de decisão somente lá pelo final da tarde, quando os alunos do turno noturno já não tem mais condições de reverter qualquer escolha que tenham tomado (de ir ou não ir às aulas)? Isso é o que se pode chamar de gestão de risco?
Ao que tudo indica, eventos climáticos extremos poderão constituir uma espécie funesta de novo normal nos anos vindouros. Lidar com situações extremas exige coragem, e não protelações, reuniões sem objetivo, decisões atrasadas, que geram efeito quando já é tarde demais, e o se dar por satisfeitos somente porque “instalações estão adequadas”. Espera-se um pouco mais de quem precisa decidir sobre a segurança de dezenas de milhares de pessoas.
Quando as coisas envolvem riscos extremos, aplica-se o princípio da precaução. Prevenção é melhor do que ter que dar explicações depois. Suspender aulas não é o fim do mundo, reajuste-se depois pontualmente as coisas, lide-se com as reposições dos dias letivos que foram suspensos por motivo de força maior, e evite-se que as pessoas corram riscos que não necessitam correr.
Um dia de caos urbano por chuvas e clima extremos já é estressante o suficiente para qualquer pessoa. As notícias ruins pipocam, todos preocupados com o que pode acontecer se saírem de casa, e os que são obrigados a sair se arriscam sem muitas garantias. Se autoridades municipais ficam tímidas, a autoridade universitária não precisa se recolher no casulo seguro do “vamos discutir” simplesmente por falta de coragem de afirmar com altivez o “vamos decidir”. Há dias em que temos todo o tempo do mundo para discutir e refletir. E há dias em que uma gestão universitária precisa decidir sob pressão. É necessário, acima de tudo, ter sabedoria e prudência para saber diferenciar entre esses dois tipos de dias, e coragem para assumir suas responsabilidades tanto num, quanto no outro. Mas essas duas ocasiões comprovam que isso está faltando, e muito, nesse momento. Enquanto tergiversam, as pessoas correm riscos. Isso não é aceitável.
*Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC, atualmente chefe do CNM