Estudo mostrou que a disponibilidade de água no Hemisfério Sul diminuiu cerca de 20% do total em 19 anos
O professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pedro Chaffe, do Laboratório de Hidrologia, publicou um artigo na última edição da revista Science alertando para a redução na disponibilidade de água no Hemisfério Sul e destacando a intensificação e agravamento dos fenômenos de secas e cheias. O texto, escrito para a seção Perspectives em parceria com o professor Günter Blöschl da Universidade de Vienna, na Áustria, foi um dos destaques da publicação, estando na capa da edição online durante o seu lançamento na última quinta-feira, dia 2.
O artigo aborda um estudo recente também publicado na revista, a partir de uma metodologia que investigou a disponibilidade hídrica combinando observações de fluxos de grandes bacias hidrográficas do mundo com dados de precipitação terrestre e medições de satélite de evaporação e armazenamento de água. O estudo mostrou que a disponibilidade de água no Hemisfério Sul diminuiu em cerca de 20% entre 2001 e 2020.
A disponibilidade de água é medida a partir da diferença entre a precipitação e a evaporação, aspectos que, conforme sublinham os autores, vêm sofrendo impacto direto das mudanças climáticas, afetados também pelo crescimento populacional e pela poluição. As estimativas das alterações, entretanto, são incertas “porque as medições da precipitação e da evaporação tendem a ser indiretas ou apenas representativas localmente”.
Este cenário mudou a partir de uma nova abordagem proposta por cientistas chineses, que agregou confiabilidade às estimativas de disponibilidade de água, o que poderia ajudar a melhorar a gestão da água a longo prazo. “Para o Hemisfério Norte, os autores não encontraram nenhuma mudança na disponibilidade média de 2001 a 2020, enquanto no Hemisfério Sul a disponibilidade de água diminuiu 70 mm por ano, o que corresponde a uma redução de cerca de 20%”, sinalizam Blöschl e Chaffe, no texto recém publicado.
Para os pesquisadores, isso indica que a variabilidade anual na disponibilidade de água é causada principalmente por mudanças no sul. Enquanto nas regiões mais áridas do Hemisfério Sul as mudanças estariam predominantemente relacionadas ao aumento da evaporação, nas regiões úmidas seriam ocasionadas pela diminuição da chuva. Nos dois casos, há uma relação da disponibilidade de água com as variações climáticas.
O texto também atribui esses fenômenos a condições como a variação nas temperaturas da água (El Nino e La Nina), que podem provocar secas e inundações. “Por exemplo, em 2023, secas atingiram a Amazônia enquanto, ao mesmo tempo, o Sul do Brasil sofreu inundações”, registram os cientistas.
780 bilhões de dólares em prejuízos
As novas descobertas propostas pelos pesquisadores da China e articuladas aos estudos da UFSC indicam inúmeros desafios de gestão da água no Hemisfério Sul. O planejamento das captações de água para irrigação, indústria e residências é um destes desafios. “Quando a disponibilidade de água em rios e águas subterrâneas cai abaixo da demanda de água, as condições de seca são sentidas pelos ecossistemas e pela sociedade”, alertam.
Os pesquisadores explicam que as consequências do declínio da disponibilidade de água em escalas decadais são percebidas na diminuição do fluxo de água nos rios e níveis de água subterrânea em vastas extensões de terra, o que se nota, por exemplo, em grande parte da América do Sul.
O estudo indica que as variações na disponibilidade hídrica devem ser consideradas em escalas de tempo mais curtas, como nas suas oscilações mensais. Isso porque, em regiões com chuvas sazonais, a evaporação pode secar rapidamente o solo no início da estação seca, levando a secas repentinas. Por outro lado, num clima mais seco, as chuvas podem estar mais concentradas em estações chuvosas, o que pode levar a cheias ao invés de recarga de águas subterrâneas.
“Mais secas e mais cheia representam uma aceleração da parte terrestre do ciclo da água (um armazenamento e movimentação mais rápido de água entre terra, oceano e atmosfera), levando a aumento da degradação do ecossistema através mortalidade de árvores e, portanto, maiores emissões de dióxido de carbono”, pontuam, no texto.
O artigo assinado pelo professor da UFSC lembra que esta situação vem ocorrendo na Amazônia, intensificando ainda mais os efeitos das mudanças climáticas, e que o impacto das secas e inundações sobre os seres humanos tem sido enorme, com mais de 3 bilhões de pessoas afetadas e danos estimados em mais de 780 bilhões de dólares em todo o mundo últimas duas décadas.
Mitigação e gestão
As medidas para mitigar os efeitos na redução da disponibilidade hídrica geralmente incluem investimento em infraestrutura, como barragens de armazenamento e desvios para irrigação, além de soluções baseadas na própria natureza e na sensibilização para uma mudança de cultura. “Estas soluções podem incluir a diversificação dos sistemas de abastecimento de água e de protecção contra inundações e o planejamento da flexibilidade na utilização da água para reduzir o impacto potencial de eventos extremos”, sugerem.
O alerta, entretanto, é quanto à resposta humana ao stress hídrico, que pode ter consequências inesperadas e que já são notadas e registradas pela ciência. “Em partes da América do Sul, o uso de água para a agricultura aumentou e contribuiu com 30% para o aumento nas tendências de seca no fluxo dos rios”, indicam. Nas regiões semiáridas, isso, associado às alterações climáticas, pode amplificar ainda mais a crise.
Os pesquisadores afirmam que os desafios na gestão da água provocados pela redução na sua disponibilidade exigem uma mudança desde a resposta à crise até à gestão pró-ativa a longo prazo, conforme defendido em documentos oficiais de entidades globais. “Esta gestão pró-ativa da água precisa de estar alinhada com objetivos globais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e na experiência dos cidadãos locais, hidrólogos, e gestores de água”.
Fonte: Notícias UFSC