Por Dilvo Ristoff*
Mais uma vez passou quase desapercebido do grande público a informação sobre o impacto positivo das ações afirmativas na educação superior. A informação, no entanto, constou, com toda a clareza, da apresentação feita pelo INEP durante a divulgação do último Censo da Educação Superior e corrobora o que já havia sido destacado em anos anteriores, quando também foi olimpicamente ignorada pelos meios de comunicação.
Este ano, a informação não só passou em branco, mas foi decisivamente escanteada por matérias publicadas nos grandes jornais do país, destacando que brancos têm notas no Enem melhores do que pretos, pardos e indígenas.
Embora seja razoável presumir que as notas mais baixas tornem a tarefa do estudante cotista mais árdua que a dos demais, os dados mostram que isso não cria obstáculos insuperáveis. Com algum apoio pedagógico adicional das instituições e com o apoio de políticas de permanência, essa desvantagem pode ser efetivamente superada, como comprovam os dados do Censo de 2022, recém-divulgados pelo Inep. Ver gráfico abaixo:
Observa-se que de cada 100 ingressantes do ano 2013, nos cursos de graduação da Rede Federal, somente 42 não-cotistas concluíram os seus estudos. Entre os beneficiários de algum tipo de reserva de vaga, no entanto, esse número sobe para 53, podendo chegar a 64, pois 11 cotistas ainda permanecem estudando. Nenhum dos casos pode ser declarado um inquestionável sucesso, mas, gostemos ou não, o que fica evidente é que os cotistas se formam mais, mais rápido e desistem menos do que os não cotistas, indicando que as políticas e programas de reserva de vagas nas instituições federais, entre eles a Lei das Cotas, o SISU e outras políticas institucionais localizadas, são importantes para o acesso dos grupos sociais historicamente excluídos da educação superior.
No setor privado não é diferente. O PROUNI e o agora quase extinto FIES — este com as suas matrículas reduzidas, em 2022, a 12,6% do que representavam em 2015 — são claramente programas de inclusão bem-sucedidos, apesar dos repetidos ataques que têm sofrido nos últimos anos. A trajetória dos estudantes com FIES, ingressantes em 2013, se comparada a dos estudantes sem FIES, no setor privado, não deixa dúvidas sobre o seu relativo sucesso, pois a sua taxa de diplomação também é significativamente mais alta que a dos demais. Ver gráfico abaixo:
Percebe-se que 50% dos estudantes com Fies, da geração de 2013, se formaram em 2022; por outro lado, entre os sem FIES, apenas 37% se formaram. A conclusão, portanto, é a mesma da observada para os cotistas da Rede Federal: os estudantes com FIES se formam mais, mais rápido e desistem menos do que os sem FIES. Por último, o PROUNI! O gráfico abaixo mostra a trajetória dos estudantes da Rede Privada, com e sem PROUNI, ingressos em 2013.
Constata-se que os PROUNIstas da Geração 2013 têm, em 2022, uma taxa de conclusão de 59%, 20 pontos percentuais acima da dos demais estudantes do setor privado. Ou seja, os PROUNIstas se formam mais, mais rápido e desistem bem menos que os seus colegas do setor privado.
Esses dados, embora não sejam novidade (assim como não é novidade que os estudantes com maiores vantagens sociais e oportunidades educacionais tendem a ter notas mais altas no Enem), têm revelado, ao longo dos anos, o inquestionável sucesso das políticas afirmativas na educação superior.
É até compreensível que elitistas, defensores da universidade como privilégio de poucos, e não como direito de todos, façam de conta que essa informação não existe. O que causa estranheza é que tantos, em tantos espaços, mesmo no meio acadêmico, simplesmente ignorem a informação ou permaneçam indiferentes a ela, como se não tivesse importância. Os dados gerados anualmente pelo criterioso Censo da Educação Superior do INEP merecem mais atenção de todos nós, pois eles são fundamentais para que não se espalhe a desinformação que alimenta, por exemplo, a falaciosa conclusão apressada de que as altas e crescentes taxas de evasão e os problemas de qualidade de nossos cursos de graduação são responsabilidade das políticas de ações afirmativas. Nada melhor do que dados para inocentar as políticas de inclusão dessa acusação.
Salvo melhor juízo, temos bons motivos para anunciar, em alto e bom som, o sucesso e o avanço conquistados pelas nossas ações afirmativas. Seria presunçoso afirmar que estamos diante de políticas e programas perfeitos, mas é inaceitável fingir que não estamos diante de importantes políticas de combate à exclusão e de democratização do campus. O que os dados indicam é que estamos conseguindo trazer ao campus e levar à diplomação alunos que, apesar das dificuldades que lhe são próprias, demonstram ser mais resilientes e capazes de enfrentar, sem desistir, os desafios de um curso de graduação. E isso não é coisa trivial!
*Professor aposentado do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)