Programa Pró-Integridade do Ministério da Gestão discute formas de combate ao assédio sexual no setor público

Autoridades defenderam aprimoramento dos mecanismos de acolhimento e punição aos assediadores

O assédio sexual no serviço público foi o tema debatido nesta quarta-feira, dia 25, na terceira edição da série “Pró-Integridade Convida”, em ação promovida pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Foram abordadas questões como a conceituação das condutas que podem ser consideradas assédio sexual; a eficácia dos atuais mecanismos de denúncia nos diversos órgãos e esferas do setor público; o regramento legal sobre o tema; os mecanismos de prevenção e a importância de o tema ser efetivamente inserido nas políticas de integridade das mais diferentes instituições.

O debate contou com as contribuições da assessora de Participação Social e Diversidade da Advocacia-Geral da União (AGU), Cláudia Trindade; da professora doutora Vanessa Berbel, pesquisadora do Instituto Federal do Paraná; do ouvidor geral da Petrobras, Luiz Cristiano Andrade; e do consultor da União, Túlio Garcia. A mediação foi realizada pela ouvidora-geral da União, Ariana Frances.

Todos os participantes reforçaram que não é mais possível desprezar, amenizar ou relativizar os casos de assédio sexual e que condutas impróprias devidamente comprovadas (após submetidas aos princípios do contraditório e da ampla defesa), sob os critérios da legislação em vigor, devem sim levar à demissão do responsável. Outro consenso foi o de que é preciso aprofundar o letramento a respeito do assédio, em suas várias facetas, no setor público, reforçando o papel das lideranças no combate a esse tipo de prática.

Participaram do debate o consultor da União, Túlio Garcia; a assessora de Participação Social e Diversidade da Advocacia-Geral da União, Cláudia Trindade; a professora doutora Vanessa Berbel, pesquisadora do Instituto Federal do Paraná; e o ouvidor geral da Petrobras, Luiz Cristiano Andrade. A mediação foi realizada pela ouvidora-geral da União, Ariana Frances (ao centro) (Foto: Gustavo Alcântara/MGI)

A ouvidora-geral da União, Ariana Frances, apontou ser um grande desafio criar políticas institucionais para combater as diversas formas de assédio. “Especificamente nessa agenda do assédio sexual, porque temos aspectos de subjetividade muito profundos a serem encarados. Precisamos ter cuidado nessa abordagem, pois é um tema que pode gerar gatilhos [situações ou acontecimentos que acionam ou disparam determinado tipo de emoção, memória ou trauma]”, afirmou. Ela destacou que o enfrentamento ao assédio é tema internalizado no âmbito da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão ao qual está vinculada a Ouvidoria-Geral. Lembrou da importância de critérios como o respeito pleno à confidencialidade e à privacidade, com lisura e sigilo nos procedimentos de apuração. Questionou, ainda, a eficácia de canais de denúncia que operam apenas de forma digital, ao lembrar que vítimas de assédio precisam de acolhimento apropriado e humanizado.

Conforme apontou a assessora de Participação Social e Diversidade da Advocacia Geral da União (AGU), Cláudia Trindade, a diversidade, a inclusão e o enfrentamento ao assédio serão eixos a serem incorporados ao planejamento estratégico da AGU, inclusive com a reedição do plano de integridade. “A nossa integridade não vai ser só com relação ao combate à corrupção ou ao respeito às leis e normativos, mas sim a questão ética, a questão dos princípios fundamentais”, disse Cláudia. Ela pontuou que, além de condenáveis em sua essência, casos de assédio também atingem a reputação das instituições e abalam a confiança na administração pública como um todo.

A assessora alertou, ainda, que estabelecer mecanismos de prevenção e canais de denúncias é importante, mas não o suficiente para combater e sanar os danos gerados por essas práticas. “É necessário ir além, garantindo que as pessoas sejam acolhidas”, afirmou, lembrando que também é preciso avançar para o enquadramento e penalização de quem praticar o assédio.

Em agosto, a AGU publicou parecer que fixa pena de demissão para casos de assédio sexual nas autarquias e fundações públicas federais. Demissão é penalidade máxima prevista no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990). O entendimento fixado no parecer deverá ser seguido por todas as procuradorias federais junto às 165 autarquias e fundações públicas assessoradas pela Procuradoria-Geral Federal (PGF), trazendo uniformidade no tratamento da infração administrativa no âmbito da Administração Pública Federal indireta. Até então, como não há expressa tipificação do assédio como desvio funcional na Lei nº 8.112/90, a conduta era enquadrada ora como violação aos deveres do servidor (cuja penalidade é mais branda), ora como violação às proibições aos agentes públicos (esta sim sujeita à demissão).

Autor do parecer da AGU, o consultor da União Túlio Garcia destacou tópicos sobre o que é ou não assédio no ambiente de trabalho. “Para ser assédio tem que haver o não consentimento”, explicou, mas reforçando que esse é um critério que também precisa ser observado com atenção. “O silêncio não é consentimento. Não é a vítima que tem a obrigação de rejeitar. É outra pessoa que tem de ter certeza do consentimento”, afirmou. Ele explicou que também devem ser considerados aspectos do contexto da cultura de trabalho, sem aceitar que “microviolências” sejam normalizadas.

A professora doutora Vanessa Berbel, pesquisadora do Instituto Federal do Paraná, falou sobre os obstáculos a serem vencidos no combate ao assédio sexual. “Ainda é um tema que, independentemente do local, gera um constrangimento. As pessoas ficam quietas, elas silenciam”, declarou. Diante dessa situação, a professora argumentou que apenas criar estruturas para denúncias não resolve a questão. “Ninguém denuncia. As pessoas que passam por isso não se sentem confortáveis em denunciar porque falta diálogo”, alertou, apontando ainda a necessidade do acolhimento às pessoas que são alvo de assédio. Citou que instrumentos da justiça restaurativa (a busca da solução de conflitos por meio do diálogo e da negociação, com a participação ativa da vítima e do seu ofensor) também podem auxiliar. “O alicerce principal nessa discussão é o conceito de respeito. Respeito aos corpos, às nossas autonomias, às nossas escolhas”, afirmou.

Guia Lilás

Guia Lilás da CGU, lançado em 8 de março de 2023 com orientações para prevenção e tratamento ao assédio moral e sexual e à discriminação no Governo Federal, foi destaque nos debates, como referência para todo o setor público. O material aponta, entre outros pontos, as diferenças entre assédio moral e assédio sexual, exemplos dessas situações e como encaminhar denúncias. Também foi destacada a edição da Lei nº 14.540/2023, que instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal. A Procuradoria-Geral Federal (PGF) desenvolveu e lançou uma cartilha para difundir a lei.

Outros marcos que norteiam as discussões sobre a assédio foram citados no evento, como a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo foco é eliminar a violência e o assédio no mundo do trabalho. Também foi mencionada a Resolução nº 351/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, a fim de promover o trabalho digno, saudável, seguro e sustentável no âmbito do Poder Judiciário.

Com o debate desta quarta-feira sobre assédio sexual, o Pró-Integridade concluiu um ciclo de três eventos sobre diferentes formas que o tema se apresenta no ambiente profissional. O primeiro encontro tratou do assédio moral e a segunda rodada abordou o assédio institucional.

Pró-Integridade

Instituído pela Portaria MGI nº 1.878 e lançado em maio, o Pró-Integridade busca fortalecer a cultura de integridade, ética e respeito à diversidade no âmbito do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, com a implementação de um conjunto de práticas e mecanismos institucionais para prevenir, detectar e corrigir posturas ofensivas à diversidade, desvios éticos, irregularidades, fraude e corrupção.

Com o Pró-Integridade, o Ministério da Gestão também promove o compartilhamento de boas práticas com órgãos, entidades, fundações, autarquias e demais partes interessadas para o aprimoramento da gestão do risco à integridade nas organizações públicas.

Fonte: MGI