*Por Fabrício de Souza Neves e Rodrigo Otávio Moretti-Pires
Recentemente, fomos surpreendidos pelo anúncio, feito pelo Prefeito do Campus da UFSC, Sr. Hélio Rodak de Quadros Júnior, de uma suposta iniciativa de cercamento da universidade com cercas de ferro e concreto. A decisão, revelada pela imprensa local de Florianópolis, sem nenhuma comunicação oficial por parte da administração central da UFSC com sua comunidade, demanda reflexões sobre suas implicações e os reais problemas enfrentados pelo campus, ainda que, conforme esperado, um Prefeito de Campus Universitário traga a posição da gestão que o nomeou para tal.
Nos últimos 15 meses da gestão atual, temos observado reiteradas crises infra estruturais que parecem não encontrar soluções mínimas:
- A falta de segurança no fornecimento de energia elétrica para importantes centros como Centro de Ciências da Saúde (CCS), Centro Tecnológico (CTC) e a Superintendência de Governança Eletrônica e Tecnologia da Informação e Comunicação (SETIC), que dependem de um único cabo subterrâneo remendado, origem de pelo menos dois episódios sérios de cancelamento de atividades nesses setores e sem outros movimentos conhecidos para a resolução definitiva do problema;
- Os recorrentes alagamentos em vários ambientes internos praticamente em todas os espaços universitários, por falta de manutenção dos telhados;
- Roubos de cabos e demais infraestruturas, evidenciando falhas na segurança e vigilância;
- Iluminação insuficiente ou inexistente em variados ambientes, externos e internos, muitos dos quais tornam-se inutilizáveis;
- Dificuldades na realização, manutenção e consecução de licitações em geral, mas, no tocante a temática do anúncio na imprensa, do pessoal de segurança do campus, com recorrentes episódios nesses últimos 15 meses;
- Dificuldades e atrasos enormes para a contratação das manutenções de equipamentos odontológicos, que levaram à recente crise sanitária no CCS, gerando condições insalubres e que inviabilizam os mais de 5000 atendimentos odontológicos realizados nas clínicas do Curso;
- Problemas sistemáticos para a licitação e na contratação da manutenção de ar-condicionado, resultando em grande insegurança na qualidade do ar em ambientes internos em todo o campus, e mesmo ao não funcionamento da climatização em todos os centros de ensino;
- E a falta de insumos básicos de manutenção predial, tais como canos, cal, cimento, brita, mourões, e etc… mostrando inconsistências e falta de apoio na elaboração e manutenção dos contratos e compras essenciais para o funcionamento de nossa universidade.
É de conhecimento da sociedade, fatos recentes apurados pela imprensa local das consequências desse panorama que a UFSC vivencia atualmente, através de ocorrências graves, como o sequestro relâmpago de um estudante do curso de medicina, o “cancelamento” das aulas em todo o campus no dia 09 de outubro por ocasião dos impactos de chuvas no fim-de-semana anterior, o fechamento da biblioteca por vários dias pelos agravos resultantes de verdadeiras cascatas no interior do prédio, entre outros problemas que tem se tornado notícia constante e pelo menos semanal.
As notas de comunicação oficiais da administração central sempre apontam promessas de melhorias no horizonte, mas sem nenhuma concretização no presente. Um futuro melhor, que nunca chega e se contrasta ao presente cotidiano em que os Diretores de Centro, Chefias de Departamento, Coordenações de Curso, Movimentos Estudantis e outros setores mobilizados da universidade conclamam soluções, mas recebem o aceno de reconhecimento dos problemas por parte da gestão central, mas sem oferecer qualquer perspectiva de resolução.
Frequentemente, a gestão alega falta de recursos financeiros como motivo para não solucionar os problemas enfrentados. Entretanto, a comunidade universitária desconhece ações concretas que busquem mapear desafios e melhorar a infraestrutura da universidade. A falta de transparência em relação aos prazos, origens dos recursos e planos de execução intensifica a indignação, sobretudo quando a mídia anuncia promessas de melhorias que, muitas vezes, não se concretizam no cotidiano acadêmico. É imperativo que se deixe de usar a limitação de recursos como resposta, sobretudo em questões cruciais como a segurança no Campus Trindade, onde, por exemplo, a simples manutenção das telas de cercamento já representaria uma melhoria significativa.
Dado esse contexto, torna-se no mínimo intrigante a recente proposta de cercamento com uma nova muralha. A questão inevitável é: de onde virão os recursos para tal empreitada? Se a universidade enfrenta uma constante alegação de escassez de recursos, como justificar uma obra de tal magnitude? Será que a construção de muros é realmente a solução mais importante, possível e adequada para os problemas de segurança enfrentados pela comunidade acadêmica?
O foco da gestão parece desalinhado com as reais e mais urgentes necessidades do campus. A universidade necessita de planejamento estratégico e verdadeira gestão de problemas, eficaz, transparente e, acima de tudo, de priorização das demandas mais urgentes. Vejamos um exemplo: para um estudante do período noturno que tem aulas no Espaço Físico Integrado (EFI) e que precisa caminhar até um ponto de ônibus na completa escuridão, de que adianta um campus cercado? Não poderíamos começar por soluções simples e pontuais (uma força tarefa para melhorar a iluminação do campus, por exemplo)?
Há mais de 30 dias alertamos oficialmente e pela Plataforma de Gestão Administrativa (SPA) que as lâmpadas dos postes no estacionamento entre o CCS e o Banco do Brasil estão apagadas. O local já teve, no passado, episódios de sequestro e de roubo a mão armada. E até agora, a administração central ainda não providenciou qualquer ação referente a esse local, um exemplo entre muitos já notificados.
Não há como não nos colocarmos perplexos diante de um cenário em que não se consegue a concretude de acender uma lâmpada neste estacionamento, mas o Prefeito do Campus noticia a imprensa sobre mais um projeto: a construção de uma muralha. Cabe a reflexão: qual a intenção dessa publicação? É um projeto, de verdade, ou mais um “balão de ensaio” para avaliar a reação da comunidade que não foi ouvida? Ou mais uma peça de propaganda narrativa? A UFSC não sabe as respostas e certamente há uma tendência de se fazer promessas para o futuro, mas os objetivos concretos e imediatos não tem parecido servir à UFSC.
Muros podem, sim, trazer uma sensação temporária de segurança, mas sem um planejamento integrado e uma gestão comprometida com as reais demandas da comunidade, estaremos apenas escondendo os problemas atrás de uma barreira de ferro. A UFSC merece mais. Esperamos que, em meio a tanta adversidade, a voz da razão, da eficiência e da prudência prevaleça. E mais que muros discursivos sempre para o futuro, que ações concretas e na realidade dos problemas atuais sejam percebidas no nosso cotidiano na UFSC.
*Fabrício de Souza Neves é diretor do CCS/UFSC e Rodrigo Otávio Moretti-Pires é Chefe do Departamento de Saúde Pública do CCS/UFSC