Taxação dos fundos super-ricos contribuiria para uma tributação mais justa, afirmam especialistas

Paulo Feldmann e Rodrigo De Losso analisam os prós e os contras da medida provisória que implementa nova norma para a taxação dos fundos exclusivos

Medida provisória que implementa nova norma para a taxação dos fundos exclusivos, também conhecidos como “super-ricos”, foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 28 de agosto. Os fundos exclusivos se denominam dessa forma por haver um único cotista responsável pelo investimento, que precisa de R$ 10 milhões para ser aberto. 

Com a nova regulamentação aprovada, a política deve seguir o mesmo padrão dos investimentos normais, em que há uma tributação obrigatória – os chamados “come-cotas” – dos rendimentos a cada seis meses, contabilizando duas vezes ao ano. Anteriormente, a taxação dos fundos super-ricos acontecia apenas no momento do resgate de aplicações. Para a formalização da lei, está prevista a votação no Congresso em até 120 dias.

Paulo Feldmann, professor do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, explica que a medida ainda está sujeita a alterações, mas representa grande avanço, tendo em vista a desigualdade social que o Brasil enfrenta. “Considerando que o Brasil é um dos países mais injustos do mundo e que está entre os dez piores países nesse sentido, é necessário que se inverta isso e, para inverter, temos que começar a taxar os super-ricos”, analisa Feldmann. 

Objetivos 

De acordo com a declaração do governo, essa mudança na política de tributação arrecadaria cerca de R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 e visaria a zerar o déficit nas contas públicas em 2024. “Não é tomar nada de ninguém, é cobrar rendimento desse fundo, como qualquer trabalhador paga Imposto de Renda”, declarou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na visão de Feldmann, a medida também se estabelece de forma justa, uma vez que não taxa apenas a riqueza,  mas suas aplicações também.

Além disso, equipara as condições de tributação entre os fundos abertos e os exclusivos, a partir da padronização dos “come-cotas” aplicada a ambos. Rodrigo De Losso, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, nota ainda que, anteriormente, os super-ricos se beneficiavam da taxação apenas no momento da retirada do caixa. 

Impactos 

A depender da alíquota de cobrança firmada, Feldmann acredita em um grande impacto nas políticas públicas, na medida em que haverá maior arrecadação e o País apresenta sérios problemas de gastos maiores do que a receita, gerando déficits fiscais. Além disso, mesmo se uma taxa relativamente baixa for aprovada na taxação dos super-ricos, ele destaca que o impacto ainda será razoável. 

“Não deverá ser uma taxa muito alta, nem precisa ser, porque os valores hoje são tão grandes que, mesmo uma alíquota pequena, já vai trazer uma grande arrecadação para o governo”, pondera Feldmann. Em paralelo à expectativa de arrecadação, de acordo com dados do governo federal, nota-se que a medida afeta cerca de 0,01% da população mais rica do Brasil, com renda mensal média de R$ 1,6 milhão. 

Críticas e desafios 

Apesar dos avanços na igualdade da política tributária brasileira, Losso aponta que a nova medida imposta vai na contramão das tendências internacionais acerca do mercado investidor. “Essa forma de tributar no Brasil é bastante heterodoxa em relação aos países desenvolvidos e seus mercados financeiros, em que os tributos acontecem no momento da realização do lucro dos rendimentos, como estava sendo feito nos fundos exclusivos”, pontua o professor. A alternativa ideal para um país financeiramente favorável seria, segundo Rodrigo De Losso, a equiparação dos fundos abertos aos exclusivos e não o contrário.

A aprovação da medida provisória pelo Congresso, a partir da qual ganhará maior impacto como lei formal, apresenta desafios também, visto que os interesses da parcela que será impactada pela taxação – os super-ricos – possuem influência histórica na política brasileira, na opinião de Feldmann. “Evidentemente, o lobby dos super-ricos é enorme no Brasil, então, não podemos ter certeza de que o Congresso vai aprovar, mas temos que esperar. Eu acho que deveria haver uma grande movimentação no País para que isso acontecesse”, comenta. 

Outra questão ainda a ser discutida trata de uma possível tributação sobre os offshores – empresas abertas fora dos países de origem dos proprietários, em geral, com menor tributação –, também conhecidos como “paraísos fiscais”. “Os offshores são muito combatidos em vários países, porque é uma forma do indivíduo fugir dos impostos, o que prejudica o país. Eu acho que o Brasil devia taxar de forma muito alta os brasileiros que têm esses fundos ou, efetivamente, tornar ilegal, o que seria mais apropriado, mas eu concordo que seja uma coisa muito difícil”, analisa Feldmann.

Fonte: Jornal da USP